quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Confiança e desenvolvimento

Eis um paper (para a versão aberta, veja esse link) bastante legal mostrando o impacto de uma cultura de confiança sobre PIB per capita (o que o paper acrescenta é um método de avaliar a questão mais limpo, com menos endogeneidade e variáveis omitidas que os outros papers que falam do tema).

Existe uma literatura bastante grande (e crescente) em economia tentando falar dos impactos econômicos de se ter um ambiente de confiança nos outros (para algumas referências, veja os papers do Luigi Zingales sobre o tema, dentre outros que escreveram sobre o tema). Porém, essa literatura nunca foi capaz de identificar muito bem o efeito causal de confiança sobre desenvolvimento econômico. Uma outra literatura trata de identificar bem os impactos de cultura sobre o comportamento de pessoas (uma boa referência aqui são os papers da Raquel Fernandez), mas essa literatura ainda não tinha sido capaz de tratar da "grande questão" (por falta de um termo melhor): cultura de confiança gera desenvolvimento econômico? O paper que eu citei me parece ter feito um bom trabalho nessas duas direções: identifica efeitos causais e responde às perguntas grandes.

Me parece, porém, que faltam muitas coisas nessa literatura: para começar, falta entender o que é confiança. Ela representa algum valor de altruísmo com relação a outros, altruísmo esse que pode ajudar um grupo a superar problemas de bens públicos e externalidades essenciais a produção de riquezas? Ou ela representa o bom funcionamento de contratos informais? Em outras palavras, o ponto a ser feito sobre confiança é sobre valores e crenças, ou sobre instituições de facto (ou sobre os dois)?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Accountability virou tentativa de golpe

Pelo menos, é o que o presidente Lula parece achar...

Alguém tem que avisar o presidente Lula: ou ele acredita no fato de que uma das ações do legislativo é vistoriar o executivo e lutar para que este não abuse dos seus poderes; ou ele não acredita em democracia e separação de poderes.

domingo, 7 de novembro de 2010

O que fazer quando você prepara uma prova cheia de erros e os alunos te denunciam?

Se for para seguir o exemplo do MEC, aparentemente a resposta é: ameaça processar aqueles que te denunciam e coloca a culpa dos seus erros nos alunos que supostamente "já dançaram"... acho que eu nem preciso escrever texto para dizer que, provavelmente, não existe argumento para justificar essa postura do MEC com relação ao ENEM.

Nota 1: pelo jeito, chegou no MEC a prática do governo Lula (e de outros políticos) de não reconhecer os seus erros, não trabalhar para corrigí-los e intimidar quem denuncia os seus erros.

Nota 2: não se processa quem colou e/ou postou mensagens no twitter no meio da prova. O procedimento é anular as provas de quem fez esses atos. A ameaça do MEC não é coerente com intimidação de trapaça, só é coerente com intimidação de quem está reclamando dos erros da prova.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Quem elegemos para a presidência do Brasil

Em primeiro lugar, gostaria de ressaltar que os dois candidatos do segundo turno eram muito ruins. O Serra é um candidato disposto a prometer qualquer coisa em troca de votos (inclusive aumentar o salário mínimo para 600 reais - acabando com as contas da previdência). Mas, pior que isso, foi um candidato com uma campanha extremamente burra.

Agora, independente disso, elegemos a candidata com as piores promessas em quase todas as dimensões. Para começar, vamos olhar para as propostas de educação. A evidência diz: a melhor política educacional é prover incentivos para os professores estarem dentro de sala de aula e ensinarem bem (proposta do Serra), e não educar e "valorizar" os professores (proposta da Dilma). Explicando melhor: ter um bom professor muda em muito o desempenho dos alunos (mais especificamente, alunos com professores diferentes têm notas, em média e variância, muito diferentes). Porém, o nível de educação do professor explica pouquíssimo dessa "qualidade" do professor (experiência em sala de aula explica um pouco mais). Por outro lado, dar salários condicionais no desempenho das turmas faz muita diferença na nota dos alunos. Passando às propostas de ampliar ensino infantil, esse foi um ponto positivo da campanha. Ainda assim, os candidatos focaram pouco em qualidade do ensino fundamental; para focar muito em oferta no ensino médio e de ensino profissional. Faltou ainda foco em como reduzir, sem truques, a repetência e a evasão do ensino fundamental. Afinal, de que adianta ofertar ensino médio e profissional sem um fundamental de qualidade e com as taxas atuais de evasão escolar no meio do fundamental?

Olhando para as propostas de saúde agora: o programa Saúde da Família estagnou durante o governo Lula e a Dilma pouco falou dele (já o Serra, no último debate, propôs unificar o Bolsa Família com o programa Saúde da Família, o que me parece uma ótima idéia). O programa manda médicos e assistentes médicos para ajudar famílias em comunidades carentes a tratar de problemas básicos de saúde que essas pessoas não sabem tratar por conta própria. Queira ou não queira, o Brasil ainda não é um país que superou problemas de mortalidade e morbidade decorrentes de problemas de saúde básica. O acesso à boa infraestrutura de saneamento básico, durante o governo Lula, aumentou muito pouco. Ou isso é contrário ao que a Dilma disse, ou é uma péssima notícia, já que ela disse que o governo Lula investiu muito em saneamento básico.

Com relação aos investimentos públicos, de novo, podemos olhar para o histórico do governo Lula. Apesar do aclamado PAC, o governo Lula só subiu a taxa de investimentos com relação ao PIB no último ano do seu governo, levantando suspeitas de investimentos eleitoreiros. As cretinices feitas pelo governo Lula em termos de política fiscal, políticas regulatórias (tanto de energia, quanto de anti-truste), de licitações esculhambadas e redistribuição às avessas via empréstimos para o BNDES (lembrem, todas essas cretinices foram aclamadas pela campanha da Dilma) merecem um post só para elas, e deixarei para comentar depois sobre isso...

Eu não sei...se me falassem na televisão que o governo Lula deu, em empréstimos do BNDES para 40 empresas, 7 vezes o que ele deu de bolsa família; o quão vergonhosas são as políticas regulatórias implementadas pela Dilma na área energética (supostamente, especialidade dela, algo a ser tratado em outro post); os factóides que a Dilma inventou em termos de investimentos em saneamento básico e saúde; e a ignorância completa da campanha da Dilma em termos de política educacional...não faria diferença? Mas agora as eleições já passaram, vamos torcer para a nova presidente fazer um governo bom e que melhore os pontos ruins do governo Lula (mantendo os pontos bons).

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Nosso vizinho é acusado de terrorismo

É o que dois membros do ETA disseram ao ser presos:

Artur Cubillas é membro do governo Hugo Chávez desde 2005. Deportado da Espanha e com prisão decretada neste país, ele estaria oferencendo, nos últimos anos, um curso para membros do ETA aprenderem a decifrar mensagens, limpar e desmontar armas, além de posições de tiro.
O governo Chavez e seus membros não só estão acabando com a Venezuela como interferem pesada e perniciosamente na política de outros países (e essa não é a primeira evidência disso....). Isso me parece mais um triste caso de governantes usando a política externa das formas mais perversas possíveis para atestar ideologia política (e nós brasileiros já sabemos dos últimos 8 anos como isso funciona...). Alguma outra teoria para explicar isso?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Censurando a The Economist

Eis os países que fizeram censura da The Economist. Em geral, a censura ocorre quando a revista cobre assuntos políticos locais (por exemplo, isso foi censurado na Líbia; na China, revistas são destruídas, artigos arrancados e mapas de Taiwan são colocados em preto). Mas também tem os casos mais "peculiares" (pra ser politicamente correto uma vez na vida....), em que a última edição de natal, com uma figura de Adão e Eva na capa, foi censurada em cinco países por mostrar os seios de Eva e por retratar figuras do Alcorão (Adão também não pode ser retratado)...

domingo, 29 de agosto de 2010

O Banco Nacional da DESigualdade

Recentemente, o Governo Federal iniciou uma política de tomada de dívida pelo tesouro à taxa SELIC (atualmente, em 10,75%) para emprestar para empresas via BNDES a juros de 6% ao ano. Em outras palavras, o governo está subsidiando massivamente empréstimos para pessoas jurídicas.

Alguns argumentam que esses empréstimos foram feitos à título de políticas contra-cíclicas, para evitar uma queda no PIB durante a crise. Chegaram até a falar: se essas políticas não tivessem sido feitas, o PIB teria caído 3%, ao invés da queda de 0.2% que de fato ocorreu (por exemplo, o Guido Mantega falou algo nessa linha). Outros argumentam que as medidas do tesouro foram irresponsabilidade fiscal, tendo aumentado significativamente os custos da dívida pública e não tendo esse efeito contra-cíclico tão forte (um bom texto sobre isso é este).

Aqui, eu vou apresentar alguns dados (coletados pela Folha de São Paulo da página do BNDES, que correspondem à 2/3 dos recursos emprestados pelo banco entre 2008-2010) que não só tornam os argumentos dos segundos mais prováveis, como evidenciam uma política massiva de concentração de renda.

A tabela tem algumas coisas marcantes: em primeiro lugar, o volume dos empréstimos na página do banco é impressionantemente grande, de 50 bilhões em 2008, de 101 bilhões em 2009 e de 18 bilhões em 2010. Em segundo lugar, esse volume todo de empréstimos foi para somente 426 empresas em 2008, 442 empresas em 2009 e 206 empresas em 2010 (várias delas sendo de um mesmo dono). Por fim, as cerca de 40 firmas em 2008, 40 firmas em 2009 e 20 firmas em 2010 que mais receberam recursos (estamos olhado para firmas acima do percentil 10%) receberam cerca de 60-70% dos recursos emprestados em cada ano (algumas dessas firmas recebem empréstimos em 2008, 2009 e 2010).

Além do fato de que boa parte desses empréstimos se iniciou após a retomada de atividade econômica no meio de 2009 (de novo, veja esse texto), não é razoável supor que emprestar 70 bilhões para 44 empresas em 2009 (ou emprestar 33 bilhões para 42 empresas, ou 13 bilhões para 20 empresas) tenha tido um impacto razoável em termos de recuperação de uma crise macroeconômica. Em primeiro lugar, não acredito que essas empresas venham a ser responsável por parte considerável do emprego no Brasil. Em segundo lugar, essas empresas estão recebendo empréstimos de cerca de 1 bilhão de reais em média (dependendo do ano), e não acredito, a priori, que empresas com esse porte tivessem restrições de crédito anteriormente. É mais fácil imaginar que, ao invés de estarem tomando novos empréstimos que elas não tomariam antes, que essas empresas simplesmente pararam de tomar empréstimos com seus credores anteriores (que deviam emprestar montantes parecidos).

Não sei se os empréstimos não listados na página do BNDES tiveram um impacto significativo sobre a recuperação macroeconômica no pós crise (e avaliar essa questão é difícil, dado que o governo iniciou, no mesmo período, diversos gastos temporários e permanentes para permitir uma recuperação da crise). Porém, eu tenho bastante segurança em afirmar que 32 bilhões em recursos disponíveis em 2008, 73 bilhões em recursos disponíveis em 2009 e 13 bilhões em recursos disponíveis em 2010 devem ter tido pouco impacto na recuperação macroeconômica brasileira. Ao invés disso, esses recursos serviram para o tesouro adquirir uma quantidade significativa de dívida, que terá de ser recompensada por mais impostos pagos pelos contribuintes brasileiros.

Ou seja, esse é um mega-evento de rent-seeking do PT junto à empresas grandes nas vésperas da eleição (provavelmente, para o PT buscar apoio de empresas grandes com verbas de campanha e apoio oficial das empresas ao governo). Mais ainda, é uma mega-política de redistribuição as avessas, onde o contribuinte terá de pagar impostos maiores no futuro para empresas gigantes terem crédito mais barato. Essa é a mais típica política pra agradar lobby: tirar de muitos para dar para poucos.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Serra contra-ataca e se mantém estável no 2o. lugar no concurso de pior candidato

A Dilma ainda é primeiro lugar no concurso de pior candidato. Marina vem em terceiro. De novo, não vou incluir o Plinio de Arruda Sampaio porque ele faz concorrência desleal em propostas ruins. Faço outro post depois dizendo o que eu acho tosco em cada candidato.

Serra defende mais proteção comercial para o país. Quer dizer, Serra não só defende que os consumidores brasileiros paguem mais caro pelos produtos que precisarem comprar (e que as empresas que compram os produtos protegidos paguem mais caro pelo que elas precisarem comprar), como defende também mais lucros para empresas as custas de salários reais mais baixos para os trabalhadores brasileiros.

Que mania que alguns dos candidatos atuais (mais especificamente, Dilma e Serra) têm de propor disfarçadamente o aumento da desigualdade de renda no Brasil...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Marina entra no concurso para ver quem é o pior candidato

Naturalmente, estou excluindo o Plínio de Arruda Sampaio do concurso, porque incluir ele seria competição desleal...

Agora, Marina Silva também defende a criação de uma assembléia constituinte especial para aprovar uma reforma política (este, este, e este outro são alguns links reportando a notícia). Com a Marina, ficam dois dos três principais candidatos a presidente neste ano defendendo a adoção de uma constituinte para a reforma política (o programa de governo do PT já propunha essa solução, e a Dilma admite essa possibilidade).

O problema dessa proposta é o seguinte: aprovar uma reforma política por meio de uma constituinte é uma forma fácil de se perpetuar no poder. Eis a receita: aprove voto distrital e desenhe distritos de forma a concentrar em poucos distritos o eleitorado da oposição e em muitos distritos o eleitorado da situação. Com isso, a oposição ganha em muitos distritos e consegue se manter no poder no legislativo, bloqueando propostas de qualquer futuro presidente da oposição. Para deixar claro: o problema não é o voto distrital, que tende a aumentar competição política local e reduzir corrupção (verdade, também tende a tornar a política mais local, porém, para um país que nem o Brasil, as necessidades são bastante locais). O problema é que, em uma constituinte, se pode aprovar leis novas por maioria simples, enquanto que no legislativo, só se pode alterar a constituição com maiorias qualificadas e após passar 2 vezes por cada casa. Taí porque aprovar voto distrital pelos meios legais (no Congresso) não é problemático, mas aprovar por meio de uma constituinte, é forma fácil de se perpetuar no poder...

domingo, 15 de agosto de 2010

Serra promete 100 milhões de livros de graça

Esta é a notícia: o plano é dar livros para alunos e professores. O Serra deveria saber a diferença entre treatment e intention to treat: queira ou não queira, leitura de livros é algo opcional, e subsidiar livros está longe de ser é o suficiente para fazer as pessoas lerem. Afinal, vai ver, as pessoas não compram os livros exatamente porque elas não querem ler...

Não sei quantas vezes já escrevi isso aqui, mas a cada vez que eu ouço uma promessa nova da Dilma ou do Serra, mais eu me convenço que os dois estão disputando agressivamente para ver que é pior. Se eu tivesse leitores o suficiente no blog, eu iniciava uma campanha "vote Marina" (que eu não considero a candidata ideal, mas dado o nível do debate e dos programas de governo, é disparada a melhor candidata na minha opinião). Como a campanha não vai deslanchar, acho que o jeito é realmente votar com os pés.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O véu islâmico

Nos últimos anos, diversos países europeus começaram a proibir o uso pessoal de objetos religiosos em escolas, órgãos do governo e em outras ocasiões. Agora, o governo laico da Síria também proibiu o uso do véu islâmico em universidades, com medo da recente popularização do uso do véu e das potenciais conseqüências disso para um governo laico no Oriente Médio. Muitos argumentam em favor dessas leis, dizendo que o véu islâmico deve ser reprimido por ser uma opressão da mulher em grupos islâmicos.

Não sei, porém, se a restrição ao uso do véu é uma forma eficaz de reduzir a opressão da mulher no mundo islâmico: se o véu é uma forma de oprimir as mulheres no mundo islâmico (e não é simplesmente cumprimento da religião), os homens utilizam essa forma de opressão porque preferem tê-las oprimidas, e não por gostar do véu. A restrição ao véu torna mais caro para os homens um único meio de opressão das mulheres, o que induz os homens a substituirem o véu por outros meios de opressão. Mais ainda, o não cumprimento da religião pode se traduzir em menor poder de barganha da mulher em um domicílio islâmico religioso, e mais espaço para o homem oprimir a mulher. Colocando de outra forma, pode ser que a opressão ao véu acabe gerando mais opressão à mulher, que passa a ser aquela que não cumpre a religião, ao invés da protegida pela lei.

É importante que mulheres tenham direitos iguais aos dos homens de ir a escola e ter um trabalho, e é importante reprimir a violência doméstica contra mulheres. Para fazê-lo nesses lugares em que as mulheres são oprimidas, acredito que deveríamos subsidiar a ida de mulheres à escola, subsidiar o emprego de mulheres e fazer mais "leis Maria da Penha". Fazendo isso, não só tornaríamos esses meios de opressão mais caros, como também aumentaríamos o poder de barganha das mulheres dentro do domicílio. Aí sim eu teria mais segurança de que o Estado está lutando contra a opressão das mulheres.

sábado, 19 de junho de 2010

Mídia e cobertura de violência política

Turkey reported late last week that during operations in May, its forces killed some 130 Kurdish militants in Iraqi territory
Se tem uma coisa que eu não entendo é o porquê de a mídia internacional cobrir que Israel matou 7 ou 9 militantes pró-Hamas que atacaram seus soldados, ou cobriu a violência política no Quênia após as últimas eleições, mas não cobrir que a Turquia mata militantes curdos em incursões contra curdos de iniciativa turca, ou que o governo do Sri Lanka quase acabou com o movimento dos Tigres de Tamil Eelat (que era um movimento separatista seletivo que só aceitava assassinos bem treinados) nos últimos 10 anos, e por aí vai. Mais ainda, eu não entendo o porquê de a mídia tomar um lado na questão de Israel, ou da Inglaterra contra o IRA, mas não tomar lado no caso do Quênia.

O que determina a cobertura de violência política pela mídia internacional? O que determina o viés da mídia nessas questões?

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Os políticos brasileiros e a sanções ao Irã

Recentemente, após a ONU aprovar sanções contra o Irã por seu programa nuclear, o chanceler Celso Amorim disse:
"Nós não acreditamos em sanções"
Claro...e como foi a reação da diplomacia brasileira à deposição de Manuel Zelaya em Honduras mesmo? Eles não queriam nem reconhecer presidente eleito...

Amorim ainda teve a ignorância de falar:
"Mais provável que [as sanções] tenham efeito negativo [sobre a continuidade do programa nuclear iraniano]"
Isso é o cúmulo da falta de conhecimento de evidências. Alguém já viu evidências de que piores condições econômicas melhoram a posição do governo incumbente? Eu já vi várias contrárias...e, como feito de vez em quando aqui no blog, uma lista de referências sobre o tema segue o texto.

Eu não sei porque, mais eu ainda me surpreendo com a dupla face da diplomacia brasileira atual: para os governantes de esquerda, tudo vale (inclusive abrir os nomes de votações e perseguir opositores), para os de direita, nada vale.

Referências:
Daron Acemoglu, Simon Johnson, James A. Robinson, Pierre Yared, "Income and Democracy", AER 98(3)
Markus Brückner, Antonio Ciccone, "Rainfall and the Democratic Window of Opportunity", Working Paper
Jeffrey DeSimone, Courtney LaFountain, "Still the Economy, Stupid: Economic Voting in the 2004 Election", NBER Working Paper 13549

sábado, 5 de junho de 2010

Israel, Hamas e a flotilla de ajuda internacional

Existe uma mania mundial de pensar que tudo que se declara como ajuda humanitária é bom para o mundo e para as pessoas, e que só os perversos podem se prejudicar com tanto iluminismo. Isso não é verdade nem de acordo com os mais simples ditados de sabedoria popular...

Um exemplo claro de que nem sempre a ajuda internacional é boa é a recente flotilla de ajuda à Gaza. Para explicar o porquê disso, vale rever um pouco da história recente do conflito Israel-Hamas. O Hamas chegou ao poder em 2006 na faixa de Gaza, e expulsou de lá, na base da guerra, todos que fizessem oposição ao seu "governo" (assim como o al-Fatah fez na Cisjordânia). Tendo o controle da faixa de Gaza, o grupo manteve suas atividades de usar casas de civis palestinos para lançar mísseis (obtidos com financiamento iraniano) e tentar matar cidadãos israelenses. Por esse motivo, Israel criou um bloqueio à entrada de cimento, máquinas e outras coisas que pudessem ser usadas pelo Hamas na criação de armazéns de armas, túneis subterrâneos para contrabando, construção mísseis e nos ataques frequentes que o movimento fazia à Israel (para quem não conhece, procure se informar sobre a rotina da cidade de Sderot antes da guerra contra o Hamas, que era alvo de um míssil por dia). Por esse motivo também que houve a guerra contra o Hamas no final de 2008.

O grande problema dos palestinos na Faixa de Gaza é o Hamas no poder. Este é um movimento que governa sem oposição, comprando e forçando a população a agir de acordo com a agenda do grupo. Isso é feito de forma bastante simples: para oferecer ajuda internacional, os recursos devem passar pelas mãos do Hamas, para que o Hamas distribua os recursos de acordo com os seus interesses. Aqueles que não oferecerem suas casas como base de lançamentos de mísseis serão punidos, tanto com base em redução do acesso à serviços públicos, quanto com base em violência.

O bloqueio a Gaza, no final, tende a enfraquecer o Hamas: em primeiro lugar, o movimento perde recursos para fazer ajuda internacional. Em segundo lugar, as más condições econômicas favorecem o aparecimento de novos grupos que sejam capazes de competir politicamente com o Hamas, seja legal ou ilegalmente. Por fim, mesmo que o Hamas reaja às más condições econômicas com repressão da oposição, ele estará mais enfraquecido assim do que sob boas condições econômicas: se isso não fosse verdade, o Hamas forçaria as más condições econômicas por conta própria e se utilizaria de repressão em momentos de boas condições econômicas (o que não me parece nem um pouco razoável). O povo palestino na Faixa de Gaza se prejudica enormemente dessa situação. Mas devemos deixar bem claro: o problema dos moradores da Faixa de Gaza é o poder do Hamas, e o enfraquecimento do Hamas (com a manutenção de algum grupo pacífico que faça ajuda social) é a única política possível para melhorar a vida dos palestinos no longo prazo. O problema é que não conhecemos nenhuma política diferente de sanções que seja capaz reduzir a força de um movimento político no poder.

Após a longa digressão para entender o porquê do bloqueio econômico à Gaza, eu volto ao caso da flotilla. A flotilla estava em desacordo com a lei de um país democrático e soberano, que impôs um bloqueio econômico a uma região dominada por um movimento terrorista que transforma os seus civis em militares (ao forçá-los a usar suas casas como bases de lançamentos de mísseis). Os membros da flotilla disseram que não entregariam a ajuda nas mãos de Israel, pois eles nao ditribuiriam o cimento, as máquinas e a ajuda de reconstrução. O que eles "não perceberam" é que eles, ao fazer essa escolha, estão entregando a ajuda nas mãos do Hamas. A flotilla não tomou o lado do povo palestino: ela tomou o lado do Hamas contra Israel. Ela agiu na direção de perpetuar um grupo político populista e violento, e de continuar subjugando o povo palestino aos maus governos que o povo tem enfrentado.

O pior é que, quando Israel tenta se proteger e fazer a lei valer, os seus militares são recebidos na base da porrada. A sabedoria popular nos diz: o inferno está cheio de boas intenções, talvez até melhores que as da flotilla.

ATUALIZAÇÃO 1: O relato de serviços de inteligência israelenses sobre a preparação da flotilla está aqui. O relato também fala sobre as ligações do primeiro ministro turco, Recep Tayyip Erdogan com o grupo que organizou a flotilla.

ATUALIZAÇÃO 2: Sobre ligações da organização da flotilla com o Hamas e outros movimentos terroristas árabes, o relato da central de inteligência israelense é esse. Alguém no Brasil tem que dizer qual é o lado de Israel na história...

domingo, 16 de maio de 2010

Pseudo novidade

O instituto Vox Populi acabou de anunciar: sua pesquisa eleitoral aponta Dilma na frente de Serra (Dilma com 38% das intenções de voto, e Serra com 35% das intenções de voto, margem de erro de 2,2 pontos percentuais, sabe se lá a qual nível de confiança, já que eles nunca divulgam isso). É fácil apontar a Dilma na frente do Serra quando a pesquisa pede uma avaliação da qualidade do governo Lula logo antes da pergunta de intenção de voto.

Seria bastante mais correto fazer como o Ibope e o Datafolha estão fazendo: incluir perguntas com avaliações subjetivas do governo Lula somente após a pergunta de intenção de voto. Incluir a pergunta antes lembra o entrevistado das boas ações do governo Lula (já que o atual governo é bastante popular), sem lembrá-lo das potenciais virtudes de Serra, Marina, e outros candidatos. É pouco provável que essa memória seletiva pró governo Lula reflita o estado de espírito do eleitor na hora do voto, que não terá respondido perguntas sobre o quão bom foi o governo Lula logo antes de votar.

Não fiquem demais com as pesquisas eleitorais. Mas se quiserem alguma, fiquem com a do Ibope e do Datafolha.

ATUALIZAÇÃO: O Datafolha acabou de anunciar que, na sua pesquisa, Serra e Dilma estão empatados em 37% das intenções de voto (perceba, se o Datafolha estiver certo, o Vox Populi errou gravemente para baixo as intenções de voto para o Serra, ao ponto do Datafolha estar quase fora do intervalo de confiança anunciado pelo Vox Populi. Isso com duas pesquisas que foram lançadas com uma semana de diferença). Agora, isso é interessante: aparentemente, perguntar para os eleitores sobre a qualidade do governo Lula faz os "não petistas" ficarem mais na dúvida...mas eles não parecem considerar que a Dilma será uma pura continuação do governo Lula.

terça-feira, 11 de maio de 2010

A entrevista de Serra

O candidato José Serra deu ontem uma entrevista a rádio CBN, na qual falou sobre a autonomia do BC (em resposta a perguntas de Miriam Leitão). O candidato começou falando que manterá, caso seja eleito, a autonomia do Banco Central para fazer política monetária. Após deixar os leitores calmos, porém, o candidato completa com frases como as que seguem:
"O Banco Central não é a Santa Sé. Você acha isso, sinceramente, que o Banco Central nunca erra? Tenha paciência"
Eu acho que é bom o BC não ser a Santa Sé...mas não vou fazer nenhum comentário muito mais politicamente incorreto...
"Você vê o BC errando e fala: 'Não, eu não posso falar porque são sacerdotes. Eles têm algum talento, alguma coisa divina, alguma coisa secreta tal que você não pode nem falar: Ó, pessoal, vocês estão errados.' Tenha paciência"

"Se houver um erro calamitoso, o presidente tem que fazer sentir sua posição, como o presidente Lula faz e o Fernando Henrique fez."
Essas citações foram dolorosas de ler. Como um candidato, supostamente com diploma de economia, pode falar tanta asneira? Será que os candidatos desse ano estão competindo para ver quem é pior?

Para começar, já ouvi ex-presidentes do BC falando que o Fernando Henrique dava autonomia completa e não intervia nas tomadas de decisão de taxa de juros. Além disso, gostaria de saber como o Serra sabe que o Lula faz sentir a sua posição em termos de política monetária.

Mas isso é o de menos. Candidato Serra: o BC erra, mas o senhor também erra, e no momento da decisão de política monetária, ninguém sabe quem está certo (se bem que tendo uma aposta Henrique Meirelles vs. Serra, não é muito arriscado apostar no primeiro). E as questões são: o presidente acha que uma coisa deve ser feita e o presidente do BC acha que outra deve ser feita. Qual é a opinião que vale? Nós queremos que seja a do presidente do BC. O motivo:

- O Presidente da República pode ter incentivos a se aproveitar de expectativas de inflação baixas para liberar a política monetária e, com isso, criar mais empregos. Uma vez que as pessoas percebam isso, elas irão aumentar suas expectativas de inflação, o que impedirá a criação dos empregos e trará maior inflação.
- Por outro lado, em um sistema de metas de inflação (que automaticamente definem uma meta para emprego), o presidente do BC tem incentivos a manter a inflação perto da meta, ao invés de tentar enganar o mercado para trazer um nível de emprego maior. Isso nos dará o mesmo nível de emprego que na situação anterior, só que com menor taxa de inflação.

A explicação do Serra, para dizer que o presidente deve dizer quando a política estiver errada, é uma grande baboseira: o presidente não sabe quando a política está errada (em particular, sendo o Serra o presidente, ele não saberá quando a política estiver errada).

sábado, 1 de maio de 2010

A burocracia

Acabei de saber pela internet de um sujeito, de 18 anos, que enfrenta a seguinte dificuldade:
...tenho 18 anos. Fui tirar a 2ª via do CPF, que tinha perdido semana passada, logo, a atendente fala que eu preciso do Título de Eleitor, que eu não tenho. Fui tirar o Título, ai disseram que preciso estar alistado, e pra estar alistado preciso do CPF.
Não é estranho cobrar que o sujeito com mais que 18 anos tenha que estar alistado para tirar o título de eleitor? Afinal, ele pode tirar o título aos 16 anos, quando ele não pode estar alistado. Mais ainda, por que alguém teria que poder pagar o imposto de renda para se alistar no exército? Para quem paga imposto de renda, ser convocado pelo exército não é um benefício (do ponto de vista de que existem empregos que pagam mais para esse cara...talvez seja um benefício se o cara for muito patriota...).

terça-feira, 20 de abril de 2010

Informação sobre os retornos da educação

Entre economistas, é um fato amplamente aceito o de que educação tem retornos bastante altos em termos de salários. Se estima que pessoas com um ano a mais de educação chegam a ter uma renda cerca de 10% maior do que aqueles sem esse ano na escola.

Porém, será que os alunos (e seus pais e amigos) sabem disso? Um paper novo do Robert Jensen no QJE (esse é o abstract, eis uma versão anterior do paper) mostra que não (pelo menos na Republica Dominicana). Em dados de pesquisa de opinião com alunos de 8a. série na República Dominicana, Jensen mostra que os alunos reportam acreditar em retornos muito baixos à escolaridade, apesar das estimativas deste retorno serem bastante altas. Isso, porém, não nos diz muito: não sabemos se o aluno está respondendo que o retorno da escolaridade em termos de salário é baixo; ou se ele está respondendo que não há mobilidade social e que, independente da educação obtida, a renda será a mesma.

Mas eis o que faz o artigo bom: se os alunos desconhecem e subestimam o retorno da escolaridade, a provisão de informação sobre os retornos a escolaridade deve aumentar a ida a escola. Para testar essa afirmação, o autor seleciona aleatoriamente algumas escolas, e informa aos alunos o quanto eles estão subestimando os retornos da educação. Os alunos informados passam mais tempo na escola que os alunos que não foram informados.

O efeito de informação não é grande. A informação faz os alunos passarem somente 2 meses a mais na escola. Mas devemos ressaltar: a informação foi dada para os alunos, e não para os pais. A informação foi dada a somente 15 alunos por escola, o que reduz o espaço para que a informação se espalhe (e com isso, deixamos de ter efeitos de rede). Mais ainda, a informação foi dada na escola, o que pode levar os alunos a desconfiar da qualidade da informação. Imagine qual seria o efeito (em termos de presença na escola) se informássemos os alunos e os pais desses alunos sobre os efeitos positivos de educação, com informação amplamente difundida e provida por fontes nas quais as pessoas acreditam...

quarta-feira, 10 de março de 2010

Marxismo

Aluno que disse que nunca mais vai ter que ler uma página de Marx é repreendido por professor por apresentar pensamento que leva ao "obscurantismo, à censura e à criação de Goulags"

Goulags, aqueles mesmos que administravam campos de trabalho forçado na URSS? Tudo bem...vamos supor que o professor ache que Marx não defendia isso. Quem propõe (1) uma teoria toda baseada em firmas maximizando lucros e extraindo mais-valia do trabalhador e (2) faz meio mundo acreditar que economia afeta instituições, cultura, religião mas o oposto não ocorre (como se não pudesse existir causalidade nos dois sentidos) não merece ser lido mesmo...já estamos a frente disso.

Notícia via De Gustibus.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Torcendo pelo futuro dos filhos da senadora Ideli Salvatti

O PSDB lançou um projeto de lei (aprovado ontem pelo Senado) para acrescentar no Bolsa Família um benefício extra condicional em desempenho escolar das crianças da família. A senadora Ideli Salvatti, líder do PT, votou contra, argumentando: "Não consigo entender o motivo esdrúxulo e cruel (da proposta). Isso vai provocar uma pressão sobre a criança, que passa a ser responsável pela renda maior da família". O presidente Lula disse: "Eu não vi a decisão deles ainda, mas só espero que eles tenham colocado de onde vai tirar o dinheiro. Todo gasto proposto tem de ter uma fonte de receita" (link para as notícias no Jornal O Globo aqui e aqui).

O que eu acho engraçado é que o governo tem medo de não ter dinheiro para criar benefícios indexados a educação, mas tem dinheiro para querer ampliar em 500 mil o número de beneficiários do Bolsa Família nesse ano; e para aumentar os benefícios pagos em 10%, aumentar o número de beneficiários do Bolsa Família e chegar ao recorde histórico de gastos de 12,4 bilhões de reais com o programa em 2009 (lembrando que 2009 foi ano de queda de arrecadação).

Passando ao comentário da senadora Ideli Salvatti: parabéns, senadora, pela criatividade do discurso. É uma grande infelicidade, porém, que essa criatividade só é permitida a quem não nunca viu as evidências dos benefícios de bolsas por mérito escolar. Bolsas escolares por mérito aumentam as notas do alunos no curto e no longo prazo, tem efeitos positivos sobre o desempenho dos alunos que recebem a bolsa e sobre o desempenho dos alunos que não recebem a bolsa (aqueles que estão próximos a recipientes de bolsa). Isso é verdade no Quênia [1], na Colômbia ([2], [3]) ou nos EUA ([4]); no ensino médio, na faculdade ou na 6a. série. Ainda mais, não existem muitas evidências de que a concessão de bolsas faça o aluno perder o gosto pelo estudo ([5]); poucas evidências de que as bolsas só afetam os bons alunos (que estão naturalmente mais propensos a ganhá-las; por exemplo, ver [1]). Por fim, pelo menos no Quênia, prover bolsas por mérito é a melhor forma de fazer as notas dos alunos crescerem (comparando-se o custo-benefício de bolsas por mérito com o de 5 outros programas, [1]). Realmente senadora, é uma coisa tão maligna dar incentivos para as crianças estudarem e terem um futuro melhor, que é difícil imaginar que mente perversa faria isso com a criança...torço pelo bem dos filhos da senadora...

A gente já sabia, desde o governo FHC, que a forma do PT agir é votar contra qualquer projeto de um partido contrário ao PT. O que a gente não sabia é que alguns deles chegariam a votar contra a melhora do "próprio" projeto (o Bolsa Família) para barrar os partidos opostos a eles.

Referências:
[1] Edward Miguel, Michael Kremer and Rebecca Thornton (2009), "Incentives to Learn", Rev. Econ. & Stats, 91(3).
[2] Joshua Angrist, Eric Bettinger, Michael Kremer (2006), "Long-Term Educational Consequences of Secondary School Vouchers: Evidence from Administrative Records from Colombia", AER 96(3)
[3] Joshua Angrist, Eric Bettinger, Erik Bloom, Elizabeth King and Michael Kremer (2002), "Vouchers for Private Schooling in Colombia: Evidence from a Randomized Natural Experiment", AER 92(5)
[4] Susan M. Dynarski, "The New Merit Aid". in Caroline Hoxby, ed., College Choices: The Economics of Where to Go, When to Go, and How To Pay for It. 2004.
[5] Judy Cameron (2001), "Negative Effects of Reward on Intrinsic Motivation—A Limited Phenomenon: Comment on Deci, Koestner, and Ryan (2001)", Review of Educational Research 71(1)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Geografia importa para desenvolvimento? (esse post tá vindo com algum atraso...mas tudo bem...)

São vários os motivos pelos quais geografia pode deixar um país mais rico. Duas teses bastante proeminentes dessas são: (1) países mais distantes dos grandes centros consumidores mundiais podem ter menos acesso a mercados internacionais (em outras palavras, ser mais fechado ao comércio internacional por causas naturais), e por isso, ter renda menor e (2) ter recursos naturais aumenta a quantidade de recursos políticos, reduzindo pressões por menor corrupção e aumentando conflitos políticos (em outras palavras, piora as instituições políticas e acaba por gerar danos econômicos ao país). Será que essas teses são, de fato, reais? Ou será que o subdesenvolvimento econômico decorre de outras variáveis que andam juntas com geografia, comércio internacional e instituições políticas, mas variáveis essas que não tem nada a ver com os canais descritos acima?

Com relação a primeira tese, saiu um artigo do James Feyrer que usa uma "mudança na distância entre países" para ver o impacto que isso tem sobre comércio internacional, e como essa mudança em quantidade de comércio internacional teve impacto sobre renda. Não, os continentes não se mexeram. O que o autor faz é se aproveitar do fechamento do Canal de Suez entre 1967 e 75, que liga o Mar Vermelho ao Mar Mediterraneo no Egito. O fechamento do canal de Suez, mostra o autor, gerou uma queda do comércio entre a Ásia e a Europa, e essa queda de comércio internacional teve impactos negativos sobre a renda per capita dos países afetados, mesmo controlando para efeitos fixos do país. Para os que conhecem os artigos sobre o tema, percebam a diferença para o Frankel e Romer (1999) e que o instrumento do Feyrer é necessário...

Com relação a segunda tese, saiu um artigo aplicado ao Brasil do Caselli e Michaels (artigo que já foi citado aqui, para aqueles que acompanham blogs de economia brasileiros). Receitas de petróleo tem pouco impacto (ou impacto zero) sobre PIB municipal (contando-se somente as atividades não petrolíferas, naturalmente). Pior que isso, a provisão de bens públicos, infraestrutura e transferências de renda nesses municípios não crescem na mesma medida que os gastos públicos crescem. Para confirmar ainda melhor a tese, receitas de petróleo estão associadas com maior número de reportagens na mídia de prefeitos em atividades ilegais.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Notícia preocupante

Notícia nova do jornal O Globo:

No documento "Táticas eleitorais para 2010", além de defender o "centralismo" em torno da candidatura de Dilma, os dirigentes [do PT] pregam grande mobilização popular na eleição deste ano. E sugerem a realização de uma reforma politica, por meio de uma assembleia nacional constituinte - o que é visto com desconfiança pela oposição.

Não nego a necessidade de reformar algumas instituições eleitorais: essas reformas são necessárias para reduzir corrupção e fazer as decisões políticas serem mais representativas dos gostos da população. Porém, aprovar uma assembléia constituinte para mudar essas regras é desculpa para fugir das regras de maioria qualificada. E mudando regras eleitorais sem maiorias qualificadas, se torna bem mais fácil implementar uma ditadura de facto sem recorrer a golpes. Eu tinha resistência a aceitar a idéia do PT tentando implementar a solução do Chávez no Brasil (me parecia muito teoria da conspiração), mas essa notícia mudou a minha cabeça...

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Resposta a algumas críticas de expectativas racionais

Nas discussões de blog que participo, muita gente aparece criticando expectativas racionais. Em outro post, citei algumas entrevistas nas quais o entrevistador tentava, frequentemente, criticar o uso de expectativas racionais em macroeconomia. Heterodoxos, e um sem fim de comentaristas econômicos aumentaram as críticas a esse conceito teórico com o surgimento da crise. Como a hipótese de expectativas racionais pode ser tão amplamente adotada quando ela é claramente irrealista?

O motivo para levar essa hipótese em conta na hora de fazer teoria macroeconomica, pelo menos para mim, não é a falta de hipóteses alternativas. Mankiw e Reis (2002) trabalham com a hipótese de custos de informação limitando reajustes de expectativas, Akerlof (1979, 2000) fez trabalhos mostrando tendências psicológicas dos agentes a cometerem erros na formação de expectativas. Outras possibilidades abundam na literatura.

Existe, porém, um motivo bastante razoável para levar em conta a idéia de expectativas racionais na formulação de modelos macroeconomicos. Muitas decisões que as pessoas tomam (por exemplo, qual preço o dono do boteco colocará para a cerveja, qual salário o sindicato/trabalhador pedirá para o empregador) dependem de previsões dos preços futuros. É natural, portanto, que as pessoas se esforcem para tentar fazer alguma previsão do preço que esteja, de alguma forma, relacionada com o preço futuro de que fato ocorrerá. Essa tentativa das pessoas - de tentar prever preços futuros - é relevante para política. Uma forma de captar essa idéia é adicionar expectativas racionais (bem na linha do Einstein de "simple but not simpler").

O questionamento geral, porém, me parece ser o de "será que essa idéia não está na categoria do 'simpler'?". Será que os resultados radicais (por exemplo, de neutralidade da moeda) não são resultado da hipótese extremada de expectativas racionais? E a resposta é, obviamente, "não". Modelos que adicionam rigidez de preço, de mercado de trabalho, entre outros tipos de rigidez, são suficientes para nos dar resultados menos radicais com relação a efeitos de política monetária sobre atividade econômica.

Por esse motivo, eu realmente não entendo porque no Brasil muitos se recusam a aceitar qualquer resultado de qualquer modelo que inclua expectativas racionais. Nenhuma conclusão com relação a efeitos de política monetária está sendo presumida somente com essa hipótese. Mais ainda, aqueles que dizem que a culpa da crise está em parte na idéia de expectativas racionais (como o autor dessas entrevistas) dá a impressão de estar dando tiro as cegas.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Política eleitoral...

Tanto o governo Lula quanto o José Serra (e aliados) têm feito propostas e promessas polêmicas. A oposição (melhor, alguns PSDBistas) vem falando em desvalorização cambial e queda dos juros como formas de desenvolver o país. Por outro lado, o Lula vem propondo a criação de companhias estatais nas mais diversas áreas, e recentemente, lançou um projeto de lei de direitos humanos que, na verdade, trata de todas as políticas que um Estado pode fazer (talvez, com a excessão de subsídios a pesquisa com células tronco de leões marinhos).

Os problemas das propostas do Serra já foram extensivamente discutidos aqui no blog. Para não deixar o texto longo demais, resumirei as propostas do Serra de agora como querer botar a estabilidade macroeconômica brasileira dos últimos 10 anos em risco.

As propostas do governo Lula não são nem um pouco menos polêmicas. Eu acho que poucos conseguiriam arranjar brigas com tanta gente em tão pouco tempo. Me atendo ao programa de direitos humanos: ele propõe a criação de comissões estatais para avaliar a imprensa (algo que eu discuti no blog aqui, proposta extremamente perniciosa), casamento homossexual e descriminalização do aborto (independentemente de serem propostas boas ou ruins, propô-las é pedir para arranjar briga com a Igreja Católica); e botar os militares na berlinda pela repressão na ditadura sem julgar, igualmente, aqueles que cometeram atentados terroristas durante a ditadura. Essa última proposta, tenho a impressão, que traz riscos desnecessários à sobrevivência da democracia brasileira, não agora, mas talvez em um futuro próximo, no qual condições econômicas estejam ruins e vários governos futuros tenham perdido apoio popular.

Por que dois grupos políticos, concorrendo a reeleição, estariam fazendo propostas tão polêmicas? Minha opinião agora é de que o PT e o PSDB estão tentando correr atrás do apoio dos setores da sociedade que tradicionalmente apoiam os dois partidos. Ao falar em desvalorização cambial e queda dos juros, o Serra está apelando para a plataforma das associações de indústrias e comércio, sem estar falando, porém, no vocabulário do povo, que pode nem compreender direito o que ele está falando. Com isso, o Serra pode conseguir contribuições de campanha, por exemplo, dos industriais. Da mesma forma, o governo Lula, ao trazer essas propostas do projeto de direitos humanos, está falando o vocabulário de movimentos sociais feministas, do MST, de militantes de esquerda que lutaram contra militares e defendem controle da imprensa, e outras tradicionais bases do partido. Falando com esse vocabulário, boa parte da sociedade não capta a mensagem, e o PT sinaliza para as suas bases que a sua ideologia de esquerda. Em outras palavras, os candidatos estão tentando se comunicar com suas militâncias única e exclusivamente para conseguir apoio eleitoral.

Porém, se esse é o motivo dessas propostas polêmicas, por que os candidatos não fazem essas propostas a portas fechadas com suas militâncias? As propostas do Serra podem fazer ele perder votos: uma das políticas bem sucedidas do governo Lula foi a política monetária e o câmbio flexível, e esse fato é reconhecido atualmente no Brasil (talvez, só com excessão de alguns economistas heterodoxos). O Serra está propondo mudar uma política que já é bem aceita, e trocá-la por uma política cujos resultados devem parecer incertos para o povo. O Lula também parece estar correndo atrás de perder votos: comprando brigas com militares, Igreja Católica, ruralistas e imprensa. O que eu acredito ser o determinante dessas polêmicas é: o eleitorado viu semelhanças enormes nas políticas implementadas nos governos do PT e do PSDB. Militantes que começaram apoiando o PT pelas promessas de fim da corrupção e calote da dívida externa podem estar perdidos: qual é a posição do PT? O mesmo pode ocorrer com empresários que apoiaram o PSDB e viram juros altos no governo FHC todo. A única forma dos partidos mostrarem sua "ideologia" para as suas bases de forma crível é mandando uma mensagem cara, dizendo "estou disposto a perder votos para falar que estou do teu lado". Em outras palavras, os partidos gostariam de falar só com os militantes. Sendo que, tendo observado o que o PT e o PSDB fizeram no governo, os militantes não acreditam mais em discursos de lideranças partidárias. Para os militantes acreditarem, só se os partidos falarem para a população toda ao mesmo tempo.

Trazudindo em jargão (por mais que soe contraditório que isso deva se chamar de tradução): os eleitores têm uma decisão de participação política (doar para a campanha eleitoral, ir para as ruas para gritar o nome do PT). Para atrair a participação daqueles que estariam dispostos a se mobilizar pelo partido (ou seja, os eleitores com opiniões mais extremas - pelo menos de acordo com os modelos de participação política com mais apelo empírico), os partidos tem que fazer propostas políticas extremistas, que de preferência sejam ouvidas somente pelas suas respectivas bases, mas não pelos outros eleitores (para que os políticos não percam os votos desses eleitores). Quando adicionamos nesse modelo, porém, informação assimétrica com relação a política com a qual o partido está se comprometendo, o partido terá que falar em público suas propostas extremadas: assim, eles perdem votos fazendo propostas radicais e os seus militantes podem tomar suas promessas como um sinal crível da política que será implementada.

Referências:
Glaeser, Ponzetto, Shapiro (2005), "Strategic Extremism: Why Republicans and Democrats Divide on Religious Values", QJE, 120(4)

Stephen Coate, Michael Conlin, Andrea Moro (2008), "The performance of pivotal-voter models in small-scale elections: Evidence from Texas liquor referenda", J. Pub. Econ, 92

Christopher Blattman (2008), "From Violence to Voting: War and Political Participation in Uganda", Am. Pol. Sci. Review

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Governo Lula e os aviões

O Brasil quer comprar aviões da França...os caças Rafale, da Dassault. Com essa decisão, o governo está contrariando o parecer do exército nacional, aquele que usará e administrará os aviões. Até aí, nada novo. Agora, se o governo brasileiro concretizar a compra nos termos da proposta atual, nós pagaremos quase 4 vezes mais do que a Índia pagou pelos mesmos aviões e quase 2 vezes mais que os Emirados Árabes Unidos pagaram pelos mesmos aviões. A Índia também conseguiu a transferência de tecnologia...

Vai entender qual é o interesse brasileiro no jato francês...

(Fonte: Merval Pereira, jornal O Globo de hoje).

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Entrevistas com Chicago

John Cassidy, do The New Yorker, faz aqui algumas entrevistas com alguns dos principais nomes da Escola de Chicago de economia. Por enquanto, foram o Richard Posner, o Eugene Fama, John Cochrane, Gary Becker, James Heckman, Kevin Murphy e o Raghuram Rajan.

As entrevistas, em geral, são sobre como ficam os pensamentos tradicionais da escola de Chicago (em particular, expectativas racionais e hipótese de mercados eficientes) diante da crise de 2008-2009. A resposta da maioria é simples: a idéia básica dessa hipóteses permanece com a crise.

Pontos altos: (1) A entrevista do Raghuram Rajan é muito boa (afinal, para entrevistas tratando de crise atual, crise do mercado financeiro, e coisas do tipo, ele é o cara certo pra se falar).

(2) Uma idéia comum nas entrevistas de regulação de mercados financeiros é impor aos bancos maior financiamento com capital próprio, ao invés de com capital de terceiros. Ainda não tinha ouvido falar dessa idéia. Pergunta minha para os caras de governança: será que se consegue fazer essa imposição sem ferrar os acionistas atuais? Não se cria um moral hazard do tipo: o cara que deve vistoriar a empresa e o CEO (o acionista) perde incentivos a fazê-lo?

(3) É impressionante como o Fama defende a hipótese de mercados eficientes. Eu não concordo com todos os pontos dele, mas ele chega perto de convencer...Também muito boa é a referência dele ao Paul Krugman.

Pontos baixos: Não entrevistaram o Robert Lucas (se fala muito de expectativas racionais, mas não se entrevista o criador dessa idéia). Podiam falar ainda com o Douglas Diamond e o Anil Kashyap (outros dois caras grandes de bancos), com o Zingales (cara de governança), com o Thaler (com relação a críticas às expectativas racionais) e o Vishny (com relação a críticas a mercados eficientes).

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Comentário sobre entrevista do Gustavo Franco no Estadão

O Gustavo Franco, ex-presidente do BC, deu essa entrevista ao Estadão recentemente (dica do Cristiano M. Costa). Nessa entrevista, o Gustavo Franco comenta as recentes afirmações do José Serra e do Sérgio Guerra (presidente do PSDB), que prometiam uma mudança em alguns pilares macroeconômicos brasileiro atuais (mais especificamente, o câmbio apreciado, os juros altos, metas de inflação e as contas públicas). O ex-presidente do BC defende: se os tucanos disseram isso, não o fizeram como uma ameaça de passar a reger a política macroeconomica brasileira com princípios heterodoxos. Na verdade, o que os PSDBistas disseram pode ser feito de forma ortodoxa, afirma Gustavo Franco: uma vez "consertadas" as contas públicas, se torna possível reduzir os juros. Ainda, o ex-presidente do BC diz que, apesar das críticas ao câmbio apreciado, não deve ocorrer nenhuma reversão da tendência de apreciação do real, supondo que a economia Brasileira continue se fortalecendo. Por fim, Gustavo Franco conclui: o PT tem muito mais economistas heterodoxos que o PSDB, e ainda assim, eles não tomaram conta da política econômica do PT. Por que tomariam conta da do PSDB?

Sobre qualquer tema ligado a macroeconomia e política, o Gustavo Franco com certeza tem mais autoridade que eu. O Gustavo Franco é PhD por Harvard, especialista em hiperinflação e história econômica, ex-presidente do BC exatamente no período em que o Brasil acabou com a hiperinflação e, até onde eu sei, membro do PSDB e do governo FHC. É difícil arranjar alguém que conheça melhor como se dão os arranjos políticos de um governo PSDBista e com tal experiência em política macroeconômica. Mas como o meu lado cético fala mais alto que o meu lado reconhecedor da autoridade (e isso é bem geral da minha personalidade), eu continuo com o pé atrás. Seguem os meus motivos...

Em primeiro lugar, do ponto de vista técnico macroeconômico, o ex-presidente do BC não poderia estar mais certo: consertando as contas públicas (basicamente, reduzindo os impostos distorcivos, e reduzindo os gastos para manter o equilíbrio orçamentário), se abre espaço para redução dos juros. Porém, do ponto de vista político, não sei se é factível fazer isso: o governo Lula passou alguns anos tentando fazer uma reforma tributária, sem o menor sucesso. Ainda mais, melhorar a estrutura tributária brasileira implica em retirar receitas dos estados ou transferir vários dos gastos do governo federal para os estados. Isso é absolutamente inviável politicamente: nenhum senador concordará com isso, nenhum governador ficará feliz em pensar nisso. Ainda mais, as grandes desigualdades de renda no Brasil implicam em demandas por governos grandes: tanto para aumentar transferências para grupos de interesses especiais, quanto para aumentar gastos com redistribuição para pobres. Sendo assim, não sei se esse ajuste fiscal prometido tanto pelos políticos quanto pelo ex-presidente do BC são politicamente factíveis.

Em segundo lugar, vai um comentário sobre o "vocabulário" do José Serra e do Sérgio Guerra: o primeiro, ao falar dessas mudanças de política, citou elas como políticas de desenvolvimento. Eu não conheço um economista de desenvolvimento que fale dos juros como uma explicação capaz de dar conta de toda a diferença de renda que existe entre os países. Segundo, a teoria macroeconômica ortodoxa é de que juros e câmbio são políticas de curto-prazo, não políticas de desenvolvimento de longo prazo. Esse vocabulário, para mim, é sinalização de promessas heterodoxas.

O mesmo ocorre com o Sérgio Guerra. Ele não prometeu somente fazer cair os juros e melhorar as contas públicas. Ele prometeu o fim do regime de metas de inflação. A aclamação internacional do regime de metas para inflação não é o foco somente em uma meta para inflação (dizer que o regime é isso é errado). O motivo dos aplausos a esse regime é o fato de que ele é capaz de transformar as expectativas dos agentes econômicos em um instrumento de política. Prometer o fim dele é limitar a capacidade de fazer política monetária e macroeconômica, e com isso, limitar o que podemos fazer com os juros (que passam a ter que servir ainda mais fortemente do que hoje como instrumento de coordenação de expectativas). Portanto, prometer o fim das metas de inflação, principalmente em um cenário de recuperação da crise econômica de 2008-2009, é bastante incoerente com uma queda dos juros básicos via políticas ortodoxas.

A promessa de "desvalorização do câmbio" (para usar as palavras dos tucanos) é coerente somente com um cenário de queda de juros e adoção de um câmbio "controlado" ou, alternativamente, com políticas de juros heterodoxas. Em outras palavras, a promessa de desvalorização do câmbio, para mim, é mais uma evidência de promessas de heterodoxia.

Por fim, o sucesso da política monetária no governo Lula me leva a acreditar que, do ponto de vista eleitoreiro, essas promessas do Serra e do Guerra sejam estúpidas: o povão me parece convencido de que políticas ortodoxas e o sistema de metas para inflação sejam um bom sistema de uso da política monetária. Prometendo mudar essa política do governo Lula (uma das que considero muito bem sucedidas no governo atual), eu acho que os PSDBistas estão perdendo votos. Sendo assim, fazer essa promessa, para mim, é sinal de uma das duas coisas a seguir: (i) ou os caras realmente acreditam nas promessas que estão fazendo, ou (ii) os caras tão correndo atrás de apoio (por exemplo, para contribuições de campanha) de setores industriais e outros que defendem a queda dos juros. No primero caso, dado que políticos não cumprem promessas de campanha, teríamos evidência de rumos heterodoxos num governo Serra; no segundo caso, a necessidade de agradar os setores industriais uma vez que o Serra estivesse eleito (de forma a cumprir algum acordo político implícito) poderia levar o governo aos rumos heterodoxos.

Mas de qualquer forma, eu posso estar completamente errado. Pode ser que a reestruturação fiscal (com redução da carga tributária e do tamanho do Estado) que eu disse ser inviável talvez não o seja. Mais ainda, pode ser que a atuação política de associações de bancos no BC seja forte o suficiente independente do governo, o que poderia limitar o espaço para cagadas como as acima descritas (acho que um cientísta político brasileiro, Yuri Kasahara, vinha trabalhando para conhecer melhor a atuação de associações de bancos no executivo brasileiro, se achar um link, posto). Por fim, pode ser que o Gustavo Franco tenha informação forte (e não esteja simplesmente defendendo o seu partido).

Agora, por que o PSDB, com menos heterodoxos que o PT, poderia ser influenciado por essas correntes de pensamento econômico, se o PT não o foi? O motivo é simples: o candidato a presidente do PSDB é um heterodoxo. O candidato do PT não tem vínculo nenhum com pensamento econômico. Em outras palavras: na minha humilde opinião, a estória do Gustavo Franco (de ajuste das contas públicas para facilitar uma queda nos juros) é inviável politicamente, e os comentários do Sérgio Guerra e do José Serra só são coerentes se a proposta é de políticas econômicas heterodoxas. Se a promessa é ortodoxa, eu acho que ou o PSDB planeja ganhar o senado todo (para tornar a reforma fiscal viável), ou precisamos considerar o José Serra e o Sérgio Guerra duas antas (tanto economicamente quanto politicamente). Ou ainda, vir me dizer que eu não entendo nada de política...

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Uma crítica à idéia de crescimento de longo prazo via demanda

Muitos economistas, políticos e outros atores dos debates públicos defendem que, para o Brasil crescer, o Brasil deveria reduzir os juros básicos, desvalorizar o câmbio (notando-se que, ao dizer desvalorizar, essa idéia se refere à sair do câmbio flutuante) e, de forma mais geral, fazer políticas para encorajar a demanda. As teorias favorecendo essas idéias são várias: desde a mais simples - de que empresários só investem se existir um potêncial de demanda/se os juros forem baixos - até as mais "elaboradas" - de que Keynes falava, na verdade, no longo prazo (idéia contrária à frases de Keynes, que dizia que "no longo prazo, estaremos mortos"; porém, aparentemente, essa idéia foi psicografada por alguns economistas brasileiros após a morte do famoso economista britânico), e que, por termos custos de menu e preços fixos mesmo no longo prazo (ou ainda, por seguirem uma trajetória pré-determinada, para uma crítica à essa idéia, ver esse meu post antigo), podemos simplesmente encorajar demanda sem consequência nenhuma para inflação.

Agora, supondo preços fixos, é muito fácil chegar em várias conclusões: o Estado deve investir nas indústrias que produzem produtos com preços maiores (ou que ficarão maiores), os mercados são ineficientes e o Estado deve atuar, comércio internacional pode ser ruim, e por aí vai. Qualquer uma dessas conclusões é óbvia: ao supor preços fixos no longo prazo, retiramos o principal mecanismo que permite ajuste dos mercados (e eficiência deles, o que quebra o principal mecanismo pelo qual se argumenta contra a presença do Estado em muitos setores) e o principal mecanismo que torna comércio internacional bom nos modelos clássicos. Agora, não existe um empresário em sã consciencia que falará que ele não tem poder de reajustar os preços dos seus próprios produtos. Mesmo em lugares em que mudar preços é ilegal, empresários começam a racionar produtos e vendê-los a preços mais caros no mercado negro.

Agora, vamos ver a consistência teórica dessa tese citada no primeiro parágrafo com um pouco de teoria, para a alegria do anônimo (e da mãe dele) que comentou no post linkado acima. Naturalmente, faremos uma hipótese mais razoável: de que no longo prazo, de fato, se pode ajustar preços. Vamos primeiro olhar para o caso de uma empresa em competição perfeita enfrentando um aumento de demanda: nesse cenário, se ela subir preços em conjunto com todas as outras firmas, ela continua tendo lucro econômico zero. Não é ótimo para essa empresa, dado que todas as outras estão subindo preços, subir menos os próprios preços: ela está perdendo oportunidades de lucro. Ou seja, é equilíbrio de Nash em competição perfeita todas as firmas subirem preços em resposta a um aumento de demanda. Por outro lado, vamos supor que todas as outras empresas estão investindo em resposta a um aumento de demanda. Se a empresa em questão investir, ela vai se equiparar a todas as outras firmas e receber lucro econômico zero menos os custos do investimento. Se a empresa não fizer nada, ela é jogada para fora do mercado, e fica com lucro zero. Em outras palavras, não é equilíbrio de Nash ter empresas investindo em resposta a um aumento de demanda em um cenário de concorrência perfeita.

O que leva a investimentos, então? Nesse cenário, investimentos são feitos em resposta à disponibilidade de uma tecnologia nova que, se adotada por uma empresa, ela terá vantagens competitivas no mercado. Alternativamente, poucos investimentos foram feitos em um setor, os retornos do investimento ainda são muito altos, o que permite, em um mercado de capitais perfeito, acúmulo de capitais.

Podem me dizer: "mas você supôs, no seu argumento todo, concorrência perfeita". O que ocorre, porém, se não tivermos concorrência perfeita? Vamos supor agora que existem dois produtos: um bem de consumo e um bem de investimento/máquina/tecnologia. Suponha também que o produtor de máquinas/novas tecnologias tenha muito poder de barganha na determinação do preço do seu produto (afinal, nesses mercados, em geral, uma máquina é diferente da outra e existe algum grau com o qual um produtor de novas tecnologias consegue proteger suas criações de imitação, e mais ainda, é somente nesse caso que esse produtor de novas tecnologias de fato produzirá novas tecnologias). O que um monopolista no mercado do bem de consumo faria em resposta a um aumento de demanda? Qualquer ganho que um monopolista no mercado de bens de consumo possa ter com a nova tecnologia pode ser extraído pelo produtor da nova tecnologia, que tem muito poder de barganha. Por outro lado, qualquer ganho que um monopolista possa ter com aumento de preços é dele. De novo, o melhor que o monopolista tem a fazer é subir preços em resposta ao aumento de demanda. Por fim, mesmo que a lógica desse parágrafo estivesse errada, tudo que ocorreria em resposta ao aumento de demanda é que o monopolista passaria a lucrar cada vez mais, incentivando a entrada de novas firmas. A medida que esse processo fosse acontecendo, mais nos aproximaríamos de concorrência perfeita e da situação acima. Com toda a certeza, nesse mundo, demanda não gera crescimento de longo prazo.

Eu conheço um modelo bem feito de crescimento de longo prazo via demanda (mais especificamente, o do Shleifer e Vishny no JPE, com um título do tipo "Industrialization and the Big-Push"). Porém, a condição essencial para que o modelo gere crescimento via demanda é uma condição de equilíbrios múltiplos no jogo de industrialização, que por vez, depende de a indústria gerar, logo de início, mesmo entrando uma única indústria no mercado, um prêmio salarial para os trabalhadores que forem para o setor industrial. Enquanto isso pode ser razoável em uma economia muito pequena (uma única industria ser grande o suficiente para alterar a demanda por trabalho de um mercado ou de uma cidade, alterando, assim, salários de equilíbrio), acredito que isso seja pouquíssimo razoável no caso brasileiro.

Por isso, fico com um pé atrás quando alguém (tipo, José Serra) vem me dizer que só podemos crescer se fizermos os juros caírem, o câmbio se desvalorizar, os gastos do governo crescerem, e mais geralmente, se incentivarmos a demanda.