terça-feira, 11 de maio de 2010

A entrevista de Serra

O candidato José Serra deu ontem uma entrevista a rádio CBN, na qual falou sobre a autonomia do BC (em resposta a perguntas de Miriam Leitão). O candidato começou falando que manterá, caso seja eleito, a autonomia do Banco Central para fazer política monetária. Após deixar os leitores calmos, porém, o candidato completa com frases como as que seguem:
"O Banco Central não é a Santa Sé. Você acha isso, sinceramente, que o Banco Central nunca erra? Tenha paciência"
Eu acho que é bom o BC não ser a Santa Sé...mas não vou fazer nenhum comentário muito mais politicamente incorreto...
"Você vê o BC errando e fala: 'Não, eu não posso falar porque são sacerdotes. Eles têm algum talento, alguma coisa divina, alguma coisa secreta tal que você não pode nem falar: Ó, pessoal, vocês estão errados.' Tenha paciência"

"Se houver um erro calamitoso, o presidente tem que fazer sentir sua posição, como o presidente Lula faz e o Fernando Henrique fez."
Essas citações foram dolorosas de ler. Como um candidato, supostamente com diploma de economia, pode falar tanta asneira? Será que os candidatos desse ano estão competindo para ver quem é pior?

Para começar, já ouvi ex-presidentes do BC falando que o Fernando Henrique dava autonomia completa e não intervia nas tomadas de decisão de taxa de juros. Além disso, gostaria de saber como o Serra sabe que o Lula faz sentir a sua posição em termos de política monetária.

Mas isso é o de menos. Candidato Serra: o BC erra, mas o senhor também erra, e no momento da decisão de política monetária, ninguém sabe quem está certo (se bem que tendo uma aposta Henrique Meirelles vs. Serra, não é muito arriscado apostar no primeiro). E as questões são: o presidente acha que uma coisa deve ser feita e o presidente do BC acha que outra deve ser feita. Qual é a opinião que vale? Nós queremos que seja a do presidente do BC. O motivo:

- O Presidente da República pode ter incentivos a se aproveitar de expectativas de inflação baixas para liberar a política monetária e, com isso, criar mais empregos. Uma vez que as pessoas percebam isso, elas irão aumentar suas expectativas de inflação, o que impedirá a criação dos empregos e trará maior inflação.
- Por outro lado, em um sistema de metas de inflação (que automaticamente definem uma meta para emprego), o presidente do BC tem incentivos a manter a inflação perto da meta, ao invés de tentar enganar o mercado para trazer um nível de emprego maior. Isso nos dará o mesmo nível de emprego que na situação anterior, só que com menor taxa de inflação.

A explicação do Serra, para dizer que o presidente deve dizer quando a política estiver errada, é uma grande baboseira: o presidente não sabe quando a política está errada (em particular, sendo o Serra o presidente, ele não saberá quando a política estiver errada).

6 comentários:

  1. porque razão o presidente do BC teria incentivo a perseguir a meta pela meta? Haja ingenuidade nesse mundo!

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  2. Adivinha...

    (1) Porque você pode botar na lei criando um regime de metas de inflação com BC independente que o presidente do BC perde o cargo se não atingir a meta/se não justificar bem o não atingimento da meta (a lei adotada na maioria dos países com regime de metas diz que, em caso de não atingimento da meta, o presidente do BC deve escrever uma carta pública justificando o não atingimento da meta e pode sair do BC somente após fim de mandato/não cumprimento da meta).

    (2) Porque um presidente de um BC independente que não atinge a meta pasas atestado de incompetência, o que reduz significativamente os seus prospectos de virar bilhonário no mercado financeiro depois.

    Se você conhecesse um pouquinho melhor o sistema de metas, não falaria o que acabou de falar. Quanta ignorância...

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  3. Ótimos post e resposta ao comentário do arrogante que se pensa o rei dos sabidos por direito divino e por isso acha que pode apontar nos outros ingenuidade. Vai estudar, anônimo.

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  4. Obrigado Paulo. Acho que os esquerdistas-populistas brasileiros precisam pressupor ignorância/inocencia dos interlocutores: de que outra forma eles poderiam espalhar suas fábulas políticas/econômicas retiradas direto de um ensino médio brasileiro?

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  5. O FHC não interviu no BC... Depois ingênua é a esquerda... O FHC só segurou o câmbio até as eleições de 1998 forçando uma crise cambial e um ajuste mais fortes que os que aconteceriam se digamos ele desvalorizasse a moeda alguns meses antes antes das nossas reservas simplesmente sumirem e dos juros explodirem.

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  6. Vamos esquecer o fato de que você deixou de lado a crítica aos incentivos do BC de seguir a meta...já que você viu que ela é uma crítica inocente e ignorante...vou só responder o seu último post.

    Perceba que a minha frase foi: "já ouvi ex-presidentes do BC falando que o Fernando Henrique dava autonomia completa e não intervia nas tomadas de decisão de taxa de juros." Sendo assim, vamos começar esclarecendo um erro grave teu: o FHC interviu no sistema institucional (câmbio fixo vs. flutuante), não foi ditando qual deveria ser o nível da taxa de câmbio! São duas coisas interligadas, mas completamente diferentes: uma coisa é a instituição (sistema de metas para inflação vs. sistema de BC subjugado ao presidente; ou sistema de câmbio fixo vs. flutuante); outra coisa é a política implementada (juros mais altos vs. mais baixo; ou que tipo de intervenções diárias são feitas no mercado de câmbio).

    No Brasil, o presidente da república tem poder de jure para intervir em qualquer dimensão no BC. Exatamente por isso, o presidente da república no Brasil ganha especial relevância na determinação de qual é a instituição de facto com a qual o presidente de um BC se depara (câmbio fixo vs. flutuante; BC independente de facto, e por aí vai). O meu ponto é: existe um trade-off bastante relevante entre o presidente da república usar o seu poder para determinar bons ambientes institucionais (fazer a transição do câmbio fixo p/ flutuante quando for importante fazê-lo, ou implementar um sistema de metas para inflação, ou permitir que o BC atue de forma independente de facto) vs. o presidente intervir na decisão de política (dizer qual deve ser o nível da tx. de câmbio, dizer quando o BC deve subir/baixar juros). O presidente da República não consegue fazer o primeiro fazendo o segundo ao mesmo tempo.

    Não estou defendendo o FHC no timing de adoção de câmbio flutuante: ele deveria ter adotado o câmbio flutuante antes do que adotou. Mas dizer quando o sistema passa a ser de câmbio flutuante é algo completamente diferente de dizer quando o BC deve baixar/subir juros.

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