segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Uma crítica à idéia de crescimento de longo prazo via demanda

Muitos economistas, políticos e outros atores dos debates públicos defendem que, para o Brasil crescer, o Brasil deveria reduzir os juros básicos, desvalorizar o câmbio (notando-se que, ao dizer desvalorizar, essa idéia se refere à sair do câmbio flutuante) e, de forma mais geral, fazer políticas para encorajar a demanda. As teorias favorecendo essas idéias são várias: desde a mais simples - de que empresários só investem se existir um potêncial de demanda/se os juros forem baixos - até as mais "elaboradas" - de que Keynes falava, na verdade, no longo prazo (idéia contrária à frases de Keynes, que dizia que "no longo prazo, estaremos mortos"; porém, aparentemente, essa idéia foi psicografada por alguns economistas brasileiros após a morte do famoso economista britânico), e que, por termos custos de menu e preços fixos mesmo no longo prazo (ou ainda, por seguirem uma trajetória pré-determinada, para uma crítica à essa idéia, ver esse meu post antigo), podemos simplesmente encorajar demanda sem consequência nenhuma para inflação.

Agora, supondo preços fixos, é muito fácil chegar em várias conclusões: o Estado deve investir nas indústrias que produzem produtos com preços maiores (ou que ficarão maiores), os mercados são ineficientes e o Estado deve atuar, comércio internacional pode ser ruim, e por aí vai. Qualquer uma dessas conclusões é óbvia: ao supor preços fixos no longo prazo, retiramos o principal mecanismo que permite ajuste dos mercados (e eficiência deles, o que quebra o principal mecanismo pelo qual se argumenta contra a presença do Estado em muitos setores) e o principal mecanismo que torna comércio internacional bom nos modelos clássicos. Agora, não existe um empresário em sã consciencia que falará que ele não tem poder de reajustar os preços dos seus próprios produtos. Mesmo em lugares em que mudar preços é ilegal, empresários começam a racionar produtos e vendê-los a preços mais caros no mercado negro.

Agora, vamos ver a consistência teórica dessa tese citada no primeiro parágrafo com um pouco de teoria, para a alegria do anônimo (e da mãe dele) que comentou no post linkado acima. Naturalmente, faremos uma hipótese mais razoável: de que no longo prazo, de fato, se pode ajustar preços. Vamos primeiro olhar para o caso de uma empresa em competição perfeita enfrentando um aumento de demanda: nesse cenário, se ela subir preços em conjunto com todas as outras firmas, ela continua tendo lucro econômico zero. Não é ótimo para essa empresa, dado que todas as outras estão subindo preços, subir menos os próprios preços: ela está perdendo oportunidades de lucro. Ou seja, é equilíbrio de Nash em competição perfeita todas as firmas subirem preços em resposta a um aumento de demanda. Por outro lado, vamos supor que todas as outras empresas estão investindo em resposta a um aumento de demanda. Se a empresa em questão investir, ela vai se equiparar a todas as outras firmas e receber lucro econômico zero menos os custos do investimento. Se a empresa não fizer nada, ela é jogada para fora do mercado, e fica com lucro zero. Em outras palavras, não é equilíbrio de Nash ter empresas investindo em resposta a um aumento de demanda em um cenário de concorrência perfeita.

O que leva a investimentos, então? Nesse cenário, investimentos são feitos em resposta à disponibilidade de uma tecnologia nova que, se adotada por uma empresa, ela terá vantagens competitivas no mercado. Alternativamente, poucos investimentos foram feitos em um setor, os retornos do investimento ainda são muito altos, o que permite, em um mercado de capitais perfeito, acúmulo de capitais.

Podem me dizer: "mas você supôs, no seu argumento todo, concorrência perfeita". O que ocorre, porém, se não tivermos concorrência perfeita? Vamos supor agora que existem dois produtos: um bem de consumo e um bem de investimento/máquina/tecnologia. Suponha também que o produtor de máquinas/novas tecnologias tenha muito poder de barganha na determinação do preço do seu produto (afinal, nesses mercados, em geral, uma máquina é diferente da outra e existe algum grau com o qual um produtor de novas tecnologias consegue proteger suas criações de imitação, e mais ainda, é somente nesse caso que esse produtor de novas tecnologias de fato produzirá novas tecnologias). O que um monopolista no mercado do bem de consumo faria em resposta a um aumento de demanda? Qualquer ganho que um monopolista no mercado de bens de consumo possa ter com a nova tecnologia pode ser extraído pelo produtor da nova tecnologia, que tem muito poder de barganha. Por outro lado, qualquer ganho que um monopolista possa ter com aumento de preços é dele. De novo, o melhor que o monopolista tem a fazer é subir preços em resposta ao aumento de demanda. Por fim, mesmo que a lógica desse parágrafo estivesse errada, tudo que ocorreria em resposta ao aumento de demanda é que o monopolista passaria a lucrar cada vez mais, incentivando a entrada de novas firmas. A medida que esse processo fosse acontecendo, mais nos aproximaríamos de concorrência perfeita e da situação acima. Com toda a certeza, nesse mundo, demanda não gera crescimento de longo prazo.

Eu conheço um modelo bem feito de crescimento de longo prazo via demanda (mais especificamente, o do Shleifer e Vishny no JPE, com um título do tipo "Industrialization and the Big-Push"). Porém, a condição essencial para que o modelo gere crescimento via demanda é uma condição de equilíbrios múltiplos no jogo de industrialização, que por vez, depende de a indústria gerar, logo de início, mesmo entrando uma única indústria no mercado, um prêmio salarial para os trabalhadores que forem para o setor industrial. Enquanto isso pode ser razoável em uma economia muito pequena (uma única industria ser grande o suficiente para alterar a demanda por trabalho de um mercado ou de uma cidade, alterando, assim, salários de equilíbrio), acredito que isso seja pouquíssimo razoável no caso brasileiro.

Por isso, fico com um pé atrás quando alguém (tipo, José Serra) vem me dizer que só podemos crescer se fizermos os juros caírem, o câmbio se desvalorizar, os gastos do governo crescerem, e mais geralmente, se incentivarmos a demanda.

2 comentários:

  1. Tem uma excelente entrevista do Gustavo Franco cujo link está no blog do Cristiano Costa. E eu concordo 100% com o que está escrito ali!Vc não?
    link:
    http://cristianomcosta.blogspot.com/2010/01/economia-de-jose-serra.html

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  2. Anônimo, tenho umas dúvidas com relação à economia política do que está escrito ali. Agora, entre eu e o Gustavo Franco, eu mesmo digo: a opinião dele vale muito mais, não só por qualificação, mas por experiência e por ser um insider do PSDB. Vou tentar vou tentar comentar a entrevista em um post, para o comentário não ficar muito longo...

    Abs

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