segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Mídia – entre a coleira e o virar latas

Existe, em certos meios, um debate com relação aos limites à liberdade de expressão e ao dever do Estado de restringir ou não os canais de mídia. Os que argumentam contra os limites e a restrição dizem ser a liberdade de expressão um direito conseguido com a democracia, o qual não devemos deixar se esvaziar. Por outro lado, outros argumentam que a mídia tem um papel essencial de transmissão de informação e que, deixada livre, deturpa (ou até cria) informações, fator que prejudica o bem estar social e o exercício democrático.

O meu argumento aqui, como em várias outras questões, não concorda com nenhum dos pontos de vista. O principal problema da discussão feita dessa forma é o caráter normativo dos argumentos apresentados. Ou seja, o que garante que os meios de comunicação não estão interferindo no direito dos outros ao divulgar informações por um lado, não se caracterizando sua restrição um limite à liberdade de expressão, mas sim, uma afirmação da soberania dos indivíduos? Por outro lado, se a mídia altera, deturpa, inventa informações, o que a faz agir dessa forma? Com essa pergunta, se responde também: será que temos alguma alternativa ao viés dos meios privados de mídia?

Não passarei tempo nenhum caracterizando a constitucionalidade da restrição à mídia, tema sobre o qual nada entendo. Porém, posso argumentar sobre quais são alguns potenciais motivos para a imprensa viesar notícias. Uma primeira possibilidade que justifica a ocorrência disso é o viés ideológico do próprio dono do meio de comunicação. Pode ocorrer de o dono de um jornal ser um político, que usa o seu meio como forma de trazer para si eleitores. No limite, caso todos os jornais de um país fossem de políticos, teríamos diferentes jornais fornecendo diferentes informações que beneficiam diferentes políticos. Se os leitores buscarem "imparcialidade", eles provavelmente a terão se lerem diferentes fontes.

Uma segunda alternativa que explica o viés de mídia é de um argumento de Andrei Shleifer e Sendhil Mullainathan, dois economistas da universidade de Harvard. Eles argumentam: as pessoas têm uma tendência a categorizar o mundo – políticos são de esquerda ou direita e não mais ou menos redistributivos; uma pessoa é boa ou má, não há circunstâncias. Por essa tendência, ao ouvir uma informação de conteúdo contrário a sua opinião, porém, não tão "relevante" (ou seja, a informação é contrária às suas crenças, mas não forte o suficiente para fazê-lo mudar de idéia), o indivíduo simplesmente esquecerá a notícia. Na luta para ser lembrado, e assim, conseguir público, lucros e se sustentar, os meios de imprensa terão um incentivo a viesar a informação no sentido da crença inicial do público. Dado um assunto, em que opiniões de todos os tipos existem, alguns órgãos de imprensa deturparão a informação para um lado, enquanto outros, para outro lado. De novo, lendo diferentes fontes, se conseguiria informação imparcial.

Uma terceira alternativa, dos economistas de Chicago Matthew Gentzkow e Jesse Shapiro, dá um argumento semelhante ao acima. As pessoas têm uma crença inicial com relação ao que é correto e o que não é. Ao mesmo tempo, na hora de comprar um jornal, por exemplo, não sabem se o jornal transmite informações verdadeiras ou falsas. Por isso, o melhor que têm a fazer é julgar a qualidade do jornal pelos seus preconceitos. Isso incentiva os jornais a adulterar as informações no sentido da crença inicial do público como forma de "garantir" qualidade. Com esse último argumento, os economistas aqui citados argumentam que a ocorrência de muitos órgãos de mídia possibilitam não somente diversidade de fontes, como também diminuem o incentivo a viesar informações: afinal, um leitor observando 10 jornais indo contra suas crenças e 1 a favor de suas crenças pode ficar mais propenso a mudar de opinião.

Em todos os argumentos citados acima, a possibilidade de se obter informação correta depende da existência de diversos canais de mídia agindo livremente. A alternativa seria a regulação dos meios de comunicação pelo Estado, o que, inevitavelmente, traria o viés do governante à mídia.

Entre uma mídia cão de guarda de coleira, ou uma mídia vira latas, eu sou mais a vira latas.


Referências:
Andrei Shleifer, Sendhil Mullainathan (2006), "The Market for News", American Economic Review
Matthew Gentzkow, Jesse M. Shapiro (2006), "Media Bias", Journal of Political Economy
Matthew Gentzkow, Jesse M. Shapiro (2008), "What Drives Media Slant? Evidence from U.S. Newspapers", trabalho em progresso

Um comentário:

  1. Segue um link que esclarece o quão significante pode ser a falta de imparcialidade da mídia: http://freakonomics.blogs.nytimes.com/2008/08/04/how-healthy-is-the-economy-it-depends-where-you-get-your-news/
    Ao mesmo tempo, se esclarece, no link, como que a concorrência da mídia possibilita que você tenha a notícia imparcial: lendo os dois jornais, consegue-se distinguir o que é fato e o que é opinião do jornal.

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