domingo, 29 de agosto de 2010

O Banco Nacional da DESigualdade

Recentemente, o Governo Federal iniciou uma política de tomada de dívida pelo tesouro à taxa SELIC (atualmente, em 10,75%) para emprestar para empresas via BNDES a juros de 6% ao ano. Em outras palavras, o governo está subsidiando massivamente empréstimos para pessoas jurídicas.

Alguns argumentam que esses empréstimos foram feitos à título de políticas contra-cíclicas, para evitar uma queda no PIB durante a crise. Chegaram até a falar: se essas políticas não tivessem sido feitas, o PIB teria caído 3%, ao invés da queda de 0.2% que de fato ocorreu (por exemplo, o Guido Mantega falou algo nessa linha). Outros argumentam que as medidas do tesouro foram irresponsabilidade fiscal, tendo aumentado significativamente os custos da dívida pública e não tendo esse efeito contra-cíclico tão forte (um bom texto sobre isso é este).

Aqui, eu vou apresentar alguns dados (coletados pela Folha de São Paulo da página do BNDES, que correspondem à 2/3 dos recursos emprestados pelo banco entre 2008-2010) que não só tornam os argumentos dos segundos mais prováveis, como evidenciam uma política massiva de concentração de renda.

A tabela tem algumas coisas marcantes: em primeiro lugar, o volume dos empréstimos na página do banco é impressionantemente grande, de 50 bilhões em 2008, de 101 bilhões em 2009 e de 18 bilhões em 2010. Em segundo lugar, esse volume todo de empréstimos foi para somente 426 empresas em 2008, 442 empresas em 2009 e 206 empresas em 2010 (várias delas sendo de um mesmo dono). Por fim, as cerca de 40 firmas em 2008, 40 firmas em 2009 e 20 firmas em 2010 que mais receberam recursos (estamos olhado para firmas acima do percentil 10%) receberam cerca de 60-70% dos recursos emprestados em cada ano (algumas dessas firmas recebem empréstimos em 2008, 2009 e 2010).

Além do fato de que boa parte desses empréstimos se iniciou após a retomada de atividade econômica no meio de 2009 (de novo, veja esse texto), não é razoável supor que emprestar 70 bilhões para 44 empresas em 2009 (ou emprestar 33 bilhões para 42 empresas, ou 13 bilhões para 20 empresas) tenha tido um impacto razoável em termos de recuperação de uma crise macroeconômica. Em primeiro lugar, não acredito que essas empresas venham a ser responsável por parte considerável do emprego no Brasil. Em segundo lugar, essas empresas estão recebendo empréstimos de cerca de 1 bilhão de reais em média (dependendo do ano), e não acredito, a priori, que empresas com esse porte tivessem restrições de crédito anteriormente. É mais fácil imaginar que, ao invés de estarem tomando novos empréstimos que elas não tomariam antes, que essas empresas simplesmente pararam de tomar empréstimos com seus credores anteriores (que deviam emprestar montantes parecidos).

Não sei se os empréstimos não listados na página do BNDES tiveram um impacto significativo sobre a recuperação macroeconômica no pós crise (e avaliar essa questão é difícil, dado que o governo iniciou, no mesmo período, diversos gastos temporários e permanentes para permitir uma recuperação da crise). Porém, eu tenho bastante segurança em afirmar que 32 bilhões em recursos disponíveis em 2008, 73 bilhões em recursos disponíveis em 2009 e 13 bilhões em recursos disponíveis em 2010 devem ter tido pouco impacto na recuperação macroeconômica brasileira. Ao invés disso, esses recursos serviram para o tesouro adquirir uma quantidade significativa de dívida, que terá de ser recompensada por mais impostos pagos pelos contribuintes brasileiros.

Ou seja, esse é um mega-evento de rent-seeking do PT junto à empresas grandes nas vésperas da eleição (provavelmente, para o PT buscar apoio de empresas grandes com verbas de campanha e apoio oficial das empresas ao governo). Mais ainda, é uma mega-política de redistribuição as avessas, onde o contribuinte terá de pagar impostos maiores no futuro para empresas gigantes terem crédito mais barato. Essa é a mais típica política pra agradar lobby: tirar de muitos para dar para poucos.

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