quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Política eleitoral...

Tanto o governo Lula quanto o José Serra (e aliados) têm feito propostas e promessas polêmicas. A oposição (melhor, alguns PSDBistas) vem falando em desvalorização cambial e queda dos juros como formas de desenvolver o país. Por outro lado, o Lula vem propondo a criação de companhias estatais nas mais diversas áreas, e recentemente, lançou um projeto de lei de direitos humanos que, na verdade, trata de todas as políticas que um Estado pode fazer (talvez, com a excessão de subsídios a pesquisa com células tronco de leões marinhos).

Os problemas das propostas do Serra já foram extensivamente discutidos aqui no blog. Para não deixar o texto longo demais, resumirei as propostas do Serra de agora como querer botar a estabilidade macroeconômica brasileira dos últimos 10 anos em risco.

As propostas do governo Lula não são nem um pouco menos polêmicas. Eu acho que poucos conseguiriam arranjar brigas com tanta gente em tão pouco tempo. Me atendo ao programa de direitos humanos: ele propõe a criação de comissões estatais para avaliar a imprensa (algo que eu discuti no blog aqui, proposta extremamente perniciosa), casamento homossexual e descriminalização do aborto (independentemente de serem propostas boas ou ruins, propô-las é pedir para arranjar briga com a Igreja Católica); e botar os militares na berlinda pela repressão na ditadura sem julgar, igualmente, aqueles que cometeram atentados terroristas durante a ditadura. Essa última proposta, tenho a impressão, que traz riscos desnecessários à sobrevivência da democracia brasileira, não agora, mas talvez em um futuro próximo, no qual condições econômicas estejam ruins e vários governos futuros tenham perdido apoio popular.

Por que dois grupos políticos, concorrendo a reeleição, estariam fazendo propostas tão polêmicas? Minha opinião agora é de que o PT e o PSDB estão tentando correr atrás do apoio dos setores da sociedade que tradicionalmente apoiam os dois partidos. Ao falar em desvalorização cambial e queda dos juros, o Serra está apelando para a plataforma das associações de indústrias e comércio, sem estar falando, porém, no vocabulário do povo, que pode nem compreender direito o que ele está falando. Com isso, o Serra pode conseguir contribuições de campanha, por exemplo, dos industriais. Da mesma forma, o governo Lula, ao trazer essas propostas do projeto de direitos humanos, está falando o vocabulário de movimentos sociais feministas, do MST, de militantes de esquerda que lutaram contra militares e defendem controle da imprensa, e outras tradicionais bases do partido. Falando com esse vocabulário, boa parte da sociedade não capta a mensagem, e o PT sinaliza para as suas bases que a sua ideologia de esquerda. Em outras palavras, os candidatos estão tentando se comunicar com suas militâncias única e exclusivamente para conseguir apoio eleitoral.

Porém, se esse é o motivo dessas propostas polêmicas, por que os candidatos não fazem essas propostas a portas fechadas com suas militâncias? As propostas do Serra podem fazer ele perder votos: uma das políticas bem sucedidas do governo Lula foi a política monetária e o câmbio flexível, e esse fato é reconhecido atualmente no Brasil (talvez, só com excessão de alguns economistas heterodoxos). O Serra está propondo mudar uma política que já é bem aceita, e trocá-la por uma política cujos resultados devem parecer incertos para o povo. O Lula também parece estar correndo atrás de perder votos: comprando brigas com militares, Igreja Católica, ruralistas e imprensa. O que eu acredito ser o determinante dessas polêmicas é: o eleitorado viu semelhanças enormes nas políticas implementadas nos governos do PT e do PSDB. Militantes que começaram apoiando o PT pelas promessas de fim da corrupção e calote da dívida externa podem estar perdidos: qual é a posição do PT? O mesmo pode ocorrer com empresários que apoiaram o PSDB e viram juros altos no governo FHC todo. A única forma dos partidos mostrarem sua "ideologia" para as suas bases de forma crível é mandando uma mensagem cara, dizendo "estou disposto a perder votos para falar que estou do teu lado". Em outras palavras, os partidos gostariam de falar só com os militantes. Sendo que, tendo observado o que o PT e o PSDB fizeram no governo, os militantes não acreditam mais em discursos de lideranças partidárias. Para os militantes acreditarem, só se os partidos falarem para a população toda ao mesmo tempo.

Trazudindo em jargão (por mais que soe contraditório que isso deva se chamar de tradução): os eleitores têm uma decisão de participação política (doar para a campanha eleitoral, ir para as ruas para gritar o nome do PT). Para atrair a participação daqueles que estariam dispostos a se mobilizar pelo partido (ou seja, os eleitores com opiniões mais extremas - pelo menos de acordo com os modelos de participação política com mais apelo empírico), os partidos tem que fazer propostas políticas extremistas, que de preferência sejam ouvidas somente pelas suas respectivas bases, mas não pelos outros eleitores (para que os políticos não percam os votos desses eleitores). Quando adicionamos nesse modelo, porém, informação assimétrica com relação a política com a qual o partido está se comprometendo, o partido terá que falar em público suas propostas extremadas: assim, eles perdem votos fazendo propostas radicais e os seus militantes podem tomar suas promessas como um sinal crível da política que será implementada.

Referências:
Glaeser, Ponzetto, Shapiro (2005), "Strategic Extremism: Why Republicans and Democrats Divide on Religious Values", QJE, 120(4)

Stephen Coate, Michael Conlin, Andrea Moro (2008), "The performance of pivotal-voter models in small-scale elections: Evidence from Texas liquor referenda", J. Pub. Econ, 92

Christopher Blattman (2008), "From Violence to Voting: War and Political Participation in Uganda", Am. Pol. Sci. Review

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Governo Lula e os aviões

O Brasil quer comprar aviões da França...os caças Rafale, da Dassault. Com essa decisão, o governo está contrariando o parecer do exército nacional, aquele que usará e administrará os aviões. Até aí, nada novo. Agora, se o governo brasileiro concretizar a compra nos termos da proposta atual, nós pagaremos quase 4 vezes mais do que a Índia pagou pelos mesmos aviões e quase 2 vezes mais que os Emirados Árabes Unidos pagaram pelos mesmos aviões. A Índia também conseguiu a transferência de tecnologia...

Vai entender qual é o interesse brasileiro no jato francês...

(Fonte: Merval Pereira, jornal O Globo de hoje).

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Entrevistas com Chicago

John Cassidy, do The New Yorker, faz aqui algumas entrevistas com alguns dos principais nomes da Escola de Chicago de economia. Por enquanto, foram o Richard Posner, o Eugene Fama, John Cochrane, Gary Becker, James Heckman, Kevin Murphy e o Raghuram Rajan.

As entrevistas, em geral, são sobre como ficam os pensamentos tradicionais da escola de Chicago (em particular, expectativas racionais e hipótese de mercados eficientes) diante da crise de 2008-2009. A resposta da maioria é simples: a idéia básica dessa hipóteses permanece com a crise.

Pontos altos: (1) A entrevista do Raghuram Rajan é muito boa (afinal, para entrevistas tratando de crise atual, crise do mercado financeiro, e coisas do tipo, ele é o cara certo pra se falar).

(2) Uma idéia comum nas entrevistas de regulação de mercados financeiros é impor aos bancos maior financiamento com capital próprio, ao invés de com capital de terceiros. Ainda não tinha ouvido falar dessa idéia. Pergunta minha para os caras de governança: será que se consegue fazer essa imposição sem ferrar os acionistas atuais? Não se cria um moral hazard do tipo: o cara que deve vistoriar a empresa e o CEO (o acionista) perde incentivos a fazê-lo?

(3) É impressionante como o Fama defende a hipótese de mercados eficientes. Eu não concordo com todos os pontos dele, mas ele chega perto de convencer...Também muito boa é a referência dele ao Paul Krugman.

Pontos baixos: Não entrevistaram o Robert Lucas (se fala muito de expectativas racionais, mas não se entrevista o criador dessa idéia). Podiam falar ainda com o Douglas Diamond e o Anil Kashyap (outros dois caras grandes de bancos), com o Zingales (cara de governança), com o Thaler (com relação a críticas às expectativas racionais) e o Vishny (com relação a críticas a mercados eficientes).

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Comentário sobre entrevista do Gustavo Franco no Estadão

O Gustavo Franco, ex-presidente do BC, deu essa entrevista ao Estadão recentemente (dica do Cristiano M. Costa). Nessa entrevista, o Gustavo Franco comenta as recentes afirmações do José Serra e do Sérgio Guerra (presidente do PSDB), que prometiam uma mudança em alguns pilares macroeconômicos brasileiro atuais (mais especificamente, o câmbio apreciado, os juros altos, metas de inflação e as contas públicas). O ex-presidente do BC defende: se os tucanos disseram isso, não o fizeram como uma ameaça de passar a reger a política macroeconomica brasileira com princípios heterodoxos. Na verdade, o que os PSDBistas disseram pode ser feito de forma ortodoxa, afirma Gustavo Franco: uma vez "consertadas" as contas públicas, se torna possível reduzir os juros. Ainda, o ex-presidente do BC diz que, apesar das críticas ao câmbio apreciado, não deve ocorrer nenhuma reversão da tendência de apreciação do real, supondo que a economia Brasileira continue se fortalecendo. Por fim, Gustavo Franco conclui: o PT tem muito mais economistas heterodoxos que o PSDB, e ainda assim, eles não tomaram conta da política econômica do PT. Por que tomariam conta da do PSDB?

Sobre qualquer tema ligado a macroeconomia e política, o Gustavo Franco com certeza tem mais autoridade que eu. O Gustavo Franco é PhD por Harvard, especialista em hiperinflação e história econômica, ex-presidente do BC exatamente no período em que o Brasil acabou com a hiperinflação e, até onde eu sei, membro do PSDB e do governo FHC. É difícil arranjar alguém que conheça melhor como se dão os arranjos políticos de um governo PSDBista e com tal experiência em política macroeconômica. Mas como o meu lado cético fala mais alto que o meu lado reconhecedor da autoridade (e isso é bem geral da minha personalidade), eu continuo com o pé atrás. Seguem os meus motivos...

Em primeiro lugar, do ponto de vista técnico macroeconômico, o ex-presidente do BC não poderia estar mais certo: consertando as contas públicas (basicamente, reduzindo os impostos distorcivos, e reduzindo os gastos para manter o equilíbrio orçamentário), se abre espaço para redução dos juros. Porém, do ponto de vista político, não sei se é factível fazer isso: o governo Lula passou alguns anos tentando fazer uma reforma tributária, sem o menor sucesso. Ainda mais, melhorar a estrutura tributária brasileira implica em retirar receitas dos estados ou transferir vários dos gastos do governo federal para os estados. Isso é absolutamente inviável politicamente: nenhum senador concordará com isso, nenhum governador ficará feliz em pensar nisso. Ainda mais, as grandes desigualdades de renda no Brasil implicam em demandas por governos grandes: tanto para aumentar transferências para grupos de interesses especiais, quanto para aumentar gastos com redistribuição para pobres. Sendo assim, não sei se esse ajuste fiscal prometido tanto pelos políticos quanto pelo ex-presidente do BC são politicamente factíveis.

Em segundo lugar, vai um comentário sobre o "vocabulário" do José Serra e do Sérgio Guerra: o primeiro, ao falar dessas mudanças de política, citou elas como políticas de desenvolvimento. Eu não conheço um economista de desenvolvimento que fale dos juros como uma explicação capaz de dar conta de toda a diferença de renda que existe entre os países. Segundo, a teoria macroeconômica ortodoxa é de que juros e câmbio são políticas de curto-prazo, não políticas de desenvolvimento de longo prazo. Esse vocabulário, para mim, é sinalização de promessas heterodoxas.

O mesmo ocorre com o Sérgio Guerra. Ele não prometeu somente fazer cair os juros e melhorar as contas públicas. Ele prometeu o fim do regime de metas de inflação. A aclamação internacional do regime de metas para inflação não é o foco somente em uma meta para inflação (dizer que o regime é isso é errado). O motivo dos aplausos a esse regime é o fato de que ele é capaz de transformar as expectativas dos agentes econômicos em um instrumento de política. Prometer o fim dele é limitar a capacidade de fazer política monetária e macroeconômica, e com isso, limitar o que podemos fazer com os juros (que passam a ter que servir ainda mais fortemente do que hoje como instrumento de coordenação de expectativas). Portanto, prometer o fim das metas de inflação, principalmente em um cenário de recuperação da crise econômica de 2008-2009, é bastante incoerente com uma queda dos juros básicos via políticas ortodoxas.

A promessa de "desvalorização do câmbio" (para usar as palavras dos tucanos) é coerente somente com um cenário de queda de juros e adoção de um câmbio "controlado" ou, alternativamente, com políticas de juros heterodoxas. Em outras palavras, a promessa de desvalorização do câmbio, para mim, é mais uma evidência de promessas de heterodoxia.

Por fim, o sucesso da política monetária no governo Lula me leva a acreditar que, do ponto de vista eleitoreiro, essas promessas do Serra e do Guerra sejam estúpidas: o povão me parece convencido de que políticas ortodoxas e o sistema de metas para inflação sejam um bom sistema de uso da política monetária. Prometendo mudar essa política do governo Lula (uma das que considero muito bem sucedidas no governo atual), eu acho que os PSDBistas estão perdendo votos. Sendo assim, fazer essa promessa, para mim, é sinal de uma das duas coisas a seguir: (i) ou os caras realmente acreditam nas promessas que estão fazendo, ou (ii) os caras tão correndo atrás de apoio (por exemplo, para contribuições de campanha) de setores industriais e outros que defendem a queda dos juros. No primero caso, dado que políticos não cumprem promessas de campanha, teríamos evidência de rumos heterodoxos num governo Serra; no segundo caso, a necessidade de agradar os setores industriais uma vez que o Serra estivesse eleito (de forma a cumprir algum acordo político implícito) poderia levar o governo aos rumos heterodoxos.

Mas de qualquer forma, eu posso estar completamente errado. Pode ser que a reestruturação fiscal (com redução da carga tributária e do tamanho do Estado) que eu disse ser inviável talvez não o seja. Mais ainda, pode ser que a atuação política de associações de bancos no BC seja forte o suficiente independente do governo, o que poderia limitar o espaço para cagadas como as acima descritas (acho que um cientísta político brasileiro, Yuri Kasahara, vinha trabalhando para conhecer melhor a atuação de associações de bancos no executivo brasileiro, se achar um link, posto). Por fim, pode ser que o Gustavo Franco tenha informação forte (e não esteja simplesmente defendendo o seu partido).

Agora, por que o PSDB, com menos heterodoxos que o PT, poderia ser influenciado por essas correntes de pensamento econômico, se o PT não o foi? O motivo é simples: o candidato a presidente do PSDB é um heterodoxo. O candidato do PT não tem vínculo nenhum com pensamento econômico. Em outras palavras: na minha humilde opinião, a estória do Gustavo Franco (de ajuste das contas públicas para facilitar uma queda nos juros) é inviável politicamente, e os comentários do Sérgio Guerra e do José Serra só são coerentes se a proposta é de políticas econômicas heterodoxas. Se a promessa é ortodoxa, eu acho que ou o PSDB planeja ganhar o senado todo (para tornar a reforma fiscal viável), ou precisamos considerar o José Serra e o Sérgio Guerra duas antas (tanto economicamente quanto politicamente). Ou ainda, vir me dizer que eu não entendo nada de política...

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Uma crítica à idéia de crescimento de longo prazo via demanda

Muitos economistas, políticos e outros atores dos debates públicos defendem que, para o Brasil crescer, o Brasil deveria reduzir os juros básicos, desvalorizar o câmbio (notando-se que, ao dizer desvalorizar, essa idéia se refere à sair do câmbio flutuante) e, de forma mais geral, fazer políticas para encorajar a demanda. As teorias favorecendo essas idéias são várias: desde a mais simples - de que empresários só investem se existir um potêncial de demanda/se os juros forem baixos - até as mais "elaboradas" - de que Keynes falava, na verdade, no longo prazo (idéia contrária à frases de Keynes, que dizia que "no longo prazo, estaremos mortos"; porém, aparentemente, essa idéia foi psicografada por alguns economistas brasileiros após a morte do famoso economista britânico), e que, por termos custos de menu e preços fixos mesmo no longo prazo (ou ainda, por seguirem uma trajetória pré-determinada, para uma crítica à essa idéia, ver esse meu post antigo), podemos simplesmente encorajar demanda sem consequência nenhuma para inflação.

Agora, supondo preços fixos, é muito fácil chegar em várias conclusões: o Estado deve investir nas indústrias que produzem produtos com preços maiores (ou que ficarão maiores), os mercados são ineficientes e o Estado deve atuar, comércio internacional pode ser ruim, e por aí vai. Qualquer uma dessas conclusões é óbvia: ao supor preços fixos no longo prazo, retiramos o principal mecanismo que permite ajuste dos mercados (e eficiência deles, o que quebra o principal mecanismo pelo qual se argumenta contra a presença do Estado em muitos setores) e o principal mecanismo que torna comércio internacional bom nos modelos clássicos. Agora, não existe um empresário em sã consciencia que falará que ele não tem poder de reajustar os preços dos seus próprios produtos. Mesmo em lugares em que mudar preços é ilegal, empresários começam a racionar produtos e vendê-los a preços mais caros no mercado negro.

Agora, vamos ver a consistência teórica dessa tese citada no primeiro parágrafo com um pouco de teoria, para a alegria do anônimo (e da mãe dele) que comentou no post linkado acima. Naturalmente, faremos uma hipótese mais razoável: de que no longo prazo, de fato, se pode ajustar preços. Vamos primeiro olhar para o caso de uma empresa em competição perfeita enfrentando um aumento de demanda: nesse cenário, se ela subir preços em conjunto com todas as outras firmas, ela continua tendo lucro econômico zero. Não é ótimo para essa empresa, dado que todas as outras estão subindo preços, subir menos os próprios preços: ela está perdendo oportunidades de lucro. Ou seja, é equilíbrio de Nash em competição perfeita todas as firmas subirem preços em resposta a um aumento de demanda. Por outro lado, vamos supor que todas as outras empresas estão investindo em resposta a um aumento de demanda. Se a empresa em questão investir, ela vai se equiparar a todas as outras firmas e receber lucro econômico zero menos os custos do investimento. Se a empresa não fizer nada, ela é jogada para fora do mercado, e fica com lucro zero. Em outras palavras, não é equilíbrio de Nash ter empresas investindo em resposta a um aumento de demanda em um cenário de concorrência perfeita.

O que leva a investimentos, então? Nesse cenário, investimentos são feitos em resposta à disponibilidade de uma tecnologia nova que, se adotada por uma empresa, ela terá vantagens competitivas no mercado. Alternativamente, poucos investimentos foram feitos em um setor, os retornos do investimento ainda são muito altos, o que permite, em um mercado de capitais perfeito, acúmulo de capitais.

Podem me dizer: "mas você supôs, no seu argumento todo, concorrência perfeita". O que ocorre, porém, se não tivermos concorrência perfeita? Vamos supor agora que existem dois produtos: um bem de consumo e um bem de investimento/máquina/tecnologia. Suponha também que o produtor de máquinas/novas tecnologias tenha muito poder de barganha na determinação do preço do seu produto (afinal, nesses mercados, em geral, uma máquina é diferente da outra e existe algum grau com o qual um produtor de novas tecnologias consegue proteger suas criações de imitação, e mais ainda, é somente nesse caso que esse produtor de novas tecnologias de fato produzirá novas tecnologias). O que um monopolista no mercado do bem de consumo faria em resposta a um aumento de demanda? Qualquer ganho que um monopolista no mercado de bens de consumo possa ter com a nova tecnologia pode ser extraído pelo produtor da nova tecnologia, que tem muito poder de barganha. Por outro lado, qualquer ganho que um monopolista possa ter com aumento de preços é dele. De novo, o melhor que o monopolista tem a fazer é subir preços em resposta ao aumento de demanda. Por fim, mesmo que a lógica desse parágrafo estivesse errada, tudo que ocorreria em resposta ao aumento de demanda é que o monopolista passaria a lucrar cada vez mais, incentivando a entrada de novas firmas. A medida que esse processo fosse acontecendo, mais nos aproximaríamos de concorrência perfeita e da situação acima. Com toda a certeza, nesse mundo, demanda não gera crescimento de longo prazo.

Eu conheço um modelo bem feito de crescimento de longo prazo via demanda (mais especificamente, o do Shleifer e Vishny no JPE, com um título do tipo "Industrialization and the Big-Push"). Porém, a condição essencial para que o modelo gere crescimento via demanda é uma condição de equilíbrios múltiplos no jogo de industrialização, que por vez, depende de a indústria gerar, logo de início, mesmo entrando uma única indústria no mercado, um prêmio salarial para os trabalhadores que forem para o setor industrial. Enquanto isso pode ser razoável em uma economia muito pequena (uma única industria ser grande o suficiente para alterar a demanda por trabalho de um mercado ou de uma cidade, alterando, assim, salários de equilíbrio), acredito que isso seja pouquíssimo razoável no caso brasileiro.

Por isso, fico com um pé atrás quando alguém (tipo, José Serra) vem me dizer que só podemos crescer se fizermos os juros caírem, o câmbio se desvalorizar, os gastos do governo crescerem, e mais geralmente, se incentivarmos a demanda.