Tanto o governo Lula quanto o José Serra (e aliados) têm feito propostas e promessas polêmicas. A oposição (melhor, alguns PSDBistas) vem falando em desvalorização cambial e queda dos juros como formas de desenvolver o país. Por outro lado, o Lula vem propondo a criação de companhias estatais nas mais diversas áreas, e recentemente, lançou um projeto de lei de direitos humanos que, na verdade, trata de todas as políticas que um Estado pode fazer (talvez, com a excessão de subsídios a pesquisa com células tronco de leões marinhos).
Os problemas das propostas do Serra já foram extensivamente discutidos aqui no blog. Para não deixar o texto longo demais, resumirei as propostas do Serra de agora como querer botar a estabilidade macroeconômica brasileira dos últimos 10 anos em risco.
As propostas do governo Lula não são nem um pouco menos polêmicas. Eu acho que poucos conseguiriam arranjar brigas com tanta gente em tão pouco tempo. Me atendo ao programa de direitos humanos: ele propõe a criação de comissões estatais para avaliar a imprensa (algo que eu discuti no blog aqui, proposta extremamente perniciosa), casamento homossexual e descriminalização do aborto (independentemente de serem propostas boas ou ruins, propô-las é pedir para arranjar briga com a Igreja Católica); e botar os militares na berlinda pela repressão na ditadura sem julgar, igualmente, aqueles que cometeram atentados terroristas durante a ditadura. Essa última proposta, tenho a impressão, que traz riscos desnecessários à sobrevivência da democracia brasileira, não agora, mas talvez em um futuro próximo, no qual condições econômicas estejam ruins e vários governos futuros tenham perdido apoio popular.
Por que dois grupos políticos, concorrendo a reeleição, estariam fazendo propostas tão polêmicas? Minha opinião agora é de que o PT e o PSDB estão tentando correr atrás do apoio dos setores da sociedade que tradicionalmente apoiam os dois partidos. Ao falar em desvalorização cambial e queda dos juros, o Serra está apelando para a plataforma das associações de indústrias e comércio, sem estar falando, porém, no vocabulário do povo, que pode nem compreender direito o que ele está falando. Com isso, o Serra pode conseguir contribuições de campanha, por exemplo, dos industriais. Da mesma forma, o governo Lula, ao trazer essas propostas do projeto de direitos humanos, está falando o vocabulário de movimentos sociais feministas, do MST, de militantes de esquerda que lutaram contra militares e defendem controle da imprensa, e outras tradicionais bases do partido. Falando com esse vocabulário, boa parte da sociedade não capta a mensagem, e o PT sinaliza para as suas bases que a sua ideologia de esquerda. Em outras palavras, os candidatos estão tentando se comunicar com suas militâncias única e exclusivamente para conseguir apoio eleitoral.
Porém, se esse é o motivo dessas propostas polêmicas, por que os candidatos não fazem essas propostas a portas fechadas com suas militâncias? As propostas do Serra podem fazer ele perder votos: uma das políticas bem sucedidas do governo Lula foi a política monetária e o câmbio flexível, e esse fato é reconhecido atualmente no Brasil (talvez, só com excessão de alguns economistas heterodoxos). O Serra está propondo mudar uma política que já é bem aceita, e trocá-la por uma política cujos resultados devem parecer incertos para o povo. O Lula também parece estar correndo atrás de perder votos: comprando brigas com militares, Igreja Católica, ruralistas e imprensa. O que eu acredito ser o determinante dessas polêmicas é: o eleitorado viu semelhanças enormes nas políticas implementadas nos governos do PT e do PSDB. Militantes que começaram apoiando o PT pelas promessas de fim da corrupção e calote da dívida externa podem estar perdidos: qual é a posição do PT? O mesmo pode ocorrer com empresários que apoiaram o PSDB e viram juros altos no governo FHC todo. A única forma dos partidos mostrarem sua "ideologia" para as suas bases de forma crível é mandando uma mensagem cara, dizendo "estou disposto a perder votos para falar que estou do teu lado". Em outras palavras, os partidos gostariam de falar só com os militantes. Sendo que, tendo observado o que o PT e o PSDB fizeram no governo, os militantes não acreditam mais em discursos de lideranças partidárias. Para os militantes acreditarem, só se os partidos falarem para a população toda ao mesmo tempo.
Trazudindo em jargão (por mais que soe contraditório que isso deva se chamar de tradução): os eleitores têm uma decisão de participação política (doar para a campanha eleitoral, ir para as ruas para gritar o nome do PT). Para atrair a participação daqueles que estariam dispostos a se mobilizar pelo partido (ou seja, os eleitores com opiniões mais extremas - pelo menos de acordo com os modelos de participação política com mais apelo empírico), os partidos tem que fazer propostas políticas extremistas, que de preferência sejam ouvidas somente pelas suas respectivas bases, mas não pelos outros eleitores (para que os políticos não percam os votos desses eleitores). Quando adicionamos nesse modelo, porém, informação assimétrica com relação a política com a qual o partido está se comprometendo, o partido terá que falar em público suas propostas extremadas: assim, eles perdem votos fazendo propostas radicais e os seus militantes podem tomar suas promessas como um sinal crível da política que será implementada.
Referências:
Glaeser, Ponzetto, Shapiro (2005), "Strategic Extremism: Why Republicans and Democrats Divide on Religious Values", QJE, 120(4)
Stephen Coate, Michael Conlin, Andrea Moro (2008), "The performance of pivotal-voter models in small-scale elections: Evidence from Texas liquor referenda", J. Pub. Econ, 92
Christopher Blattman (2008), "From Violence to Voting: War and Political Participation in Uganda", Am. Pol. Sci. Review
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Belo post! Gostei muito. Me parece que seus posts de Economia Política são os melhores. Mas a questão que fica para mim é: Será que o eleitorado brasileiro está mais radical do que antes? Caso contrário o acréscimo no número de votos dos radicais não compensaria a perda de votos dos não radicais, (certo?) uma vez que essas propostas não fariam sentido do ponto de vista eleitoral... Se o eleitorado brasileiro estiver de fato mais radical, quais seriam as consequencias disso na sua opinião???
ResponderExcluirAbs,
Jobim
Tudo bem Jobim? Não acho que o eleitorado brasileiro esteja mais radical atualmente...acho que pelo contrário, deve estar mais moderado (acho que dois fatores podem ser citados para justificar moderação: (i) redução da desigualdade de renda e (ii) sucesso do governo Lula em consertar diversos problemas que o Lula da campanha 2002 criou). Dito isso, eu acho que a luta por eleitores radicais pode ser muito mais resultado de que esses eleitores radicais são aqueles que vão contribuir monetariamente para as campanhas políticas, que vão as ruas distribuir folhetos, e por aí vai. Mais ainda, é exatamente em um cenário em que existe menos radicais que esses radicais terão mais vontade de participar e ser ativos politicamente. Naturalmente, daí emerge um trade-off para o político: virando mais radical, ele tem mais gente "vestindo a camisa" da campanha dele; por outro lado, ele perde mais votos. Não sei qual é o ponto ótimo.
ResponderExcluirAgora, isso tudo só vale se essa participação na campanha eleitoral se traduzir em mais votos, inclusive dos moderados. Ou seja, isso tudo só vale se dinheiro para gastos de campanha política, distribuiçõa de folhetos, e etc., realmente forem efetivos em trazer mais votos para o político. Eu acho que isso é razoável, mas num é uma coisa dada como certa em economia política...
Abs
Michel
você concorda com esse trade-off que eu descrevi, ou eu to falando besteira?
ResponderExcluirSem dúvida, concordo! Justamente o curioso (como vc citou no post) é o afastamento das idéias do eleitor mediano...Eu acho que esse afastamento dos "partidos fortes" em relação ao eleitor mediano só é possível no Brasil pq não tem nenhuma terceira possibilidade para roubar esse votos; ou então, como vc comentou a campanha eleitoral tem um impacto muito grande em atrair eleitores, mais que compensando o extremismo das idéias. São as únicas possibilidades que eu vejo para esse comportamento dos candidatos. Estou perdendo alguma outra possibilidade disso ocorrer? Quais características atuais vc acha que criam esse extremismo? O que é realmente interessante (como vc também citou) é que ambos candidatos perceberam isso e estão indo nessa direção...Vc tem alguma recomendação de literatura para impactos de propaganda eleitoral?
ResponderExcluirMudando de assunto: sua tese é em Economia Política? PQ não é primeira vez que esse assunto surge no seus posts...VC podia postar sobre ela também!
Abs,
Jobim
Jobim,
ResponderExcluir"Eu acho que esse afastamento dos "partidos fortes" em relação ao eleitor mediano só é possível no Brasil pq não tem nenhuma terceira possibilidade para roubar esse votos"
Eu num sei...eu tenho a impressão que é algo mais geral que só no Brasil...e que na verdade, quando tem um terceiro candidato, as coisas se complicam ainda mais (deixa de ter equilíbrio em estratégias puras com mais que 1 candidato). Só pra dar alguns exemplos....nos EUA, existe radicalização com religiosidade (dos republicanos)...e com o extremo oposto dos democratas (que são a favor do aborto e de outras coisas pouco religiosas). Na França, as últimas eleições foram disputadas por um cara "mais conservador" (o Sarkozy) vs. uma socialista (que eu não lembro o nome...). Eu acho que as motivações para isso podem ser: motivação eleitoral (buscando verbas para a campanha), ou até uma coisa para ganhar mais apoio das bases do partido (por exemplo, da Dilma conseguir o apoio dos militantes do PT; em outras palavras, pro partido apoiar o candidato, ele tem que estar em linha com a ideologia das bases do partido). No caso dessa última, isso pode ser importante principalmente num partido que tem primárias para o candidato a presidência (o PT tem isso...)...e até porque, para fazer alianças com gente de outros partidos, pode ser importante mostrar alguma coisa ideológica e pode ser necessário apoio de membros do próprio partido (que podem ajudar nos contatos e em outras coisas).
Com relaçao a impactos de propaganda eleitoral, eu nao conheço muita coisa. As duas referências que eu posso te passar são (i) o estudo clássico do Levitt (para controlar para carisma do candidato, ele considerou candidatos concorrendo várias vezes a eleições para o Senado e considerou que o candidato tem carisma fixo em todas as eleições que ele concorre. O resultado dele: gastos de campanha não tem resultado nenhum sobre chances eleitorais). Agora, a principal crítica aí é que, quando ele considera candidatos concorrendo em várias eleições, de alguma forma, ele perde o impacto "informacional" da propaganda (de anunciar que o candidato existe...se o candidato já concorreu antes, as pessoas já sabem que ele existe)...e só captura um potencial impacto "social" da propaganda (de tentar criar voto em massa...de dizer que um candidato é desejado por muita gente, e que, por isso, você deveria votar nele). Uma alternativa é um estudo do João Manoel e do Bernardo Silveira, lá da PUC, que usa alterações nas regras de alocação de tempo na TV de primeiro e segundo turno no Brasil. Eles mostram que, nesse caso, gastos de campanha tem impacto sobre probabilidade eleitoral.
Com relação a minha tese: deverá ser em economia política/desenvolvimento...assim que eu tiver alguma coisa mais concreta (e resultados legais)...eu posto para discussão...
Abs
Correção: "(deixa de ter equilíbrio em estratégias puras com mais que 1 candidato)" era pra ser "com mais que 2 candidatos"
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