A conferência em Copenhagem foi a primeira esperança de um acordo multilateral para conter o aquecimento global após Kyoto. Porém, mesmo com apoio popular amplo a medidas de contenção do aquecimento global, nada aconteceu. A princípio, é um desafio entender: como, em um mundo mais democrático que nunca, uma medida com bastante apoio popular não é adotada?
Em primeiro lugar, me parece ocorrer que, se por um lado, muitos apoiam as medidas de contenção de emissões de CO2 e coisas do tipo, por outro, essa não é a questão principal na cabeça do eleitorado, mais preocupado com questões econômicas e cotidianas. Ainda, as medidas de contenção de emissão de CO2 e de contenção de poluentes em geral são extremamente caras para alguns poucos, que tem muitos incentivos a lutar contra essas medidas. Por esses motivos, é de se esperar que os políticos levem bastante em conta os custos de não poluir.
Agora, os custos de controlar as emissões de CO2 são bastante convexos: o economista William Nordhaus, de Yale, estima que um aumento de 1% no nível de controle de emissão de CO2 aumenta em 2,8% os custos médios (ou seja, por nível de CO2 emitido) do controle. O que isso significa é que existe uma complementariedade entre os esforços dos países para atingir uma meta de redução de CO2: quando um país tenta alcançar à meta sozinho, o custo médio com o qual esse país se depara é muito maior que o custo médio de tentar atingir uma meta em conjunto. Essa lógica, porém, nos levaria a apostar mais em tentativas de acordos multilaterais (que encontraram pouco sucesso). Em outras palavras, isso não nos permite entender o fracasso dos acordos de Kyoto e Copenhagem.
O problema aparece, na realidade, na definição do direito de emitir: podendo emitir mais CO2, os países não só podem pagar menos custos de controle de emissões como podem ganhar vantagens comparativas na produção de produtos que emitem muitos gases poluentes, por exemplo. Porém, uma vez que todos estão emitindo mais CO2, ninguém ganhou vantagem comparativa em nada, e todos estão piores que estariam caso se controlassem as emissões. O jogo que os países enfrentam é, nada mais nada menos, que um dilema dos prisioneiros (com 190 participantes, porém). Se tivermos uma negociação a cada 5 anos, de fato, é impossível fazer os países cooperarem para trazer a tona um acordo sobre o clima. Ainda mais, a necessidade de sustentar os 190 participantes no jogo (como definida no parágrafo anterior) impede as possibilidades tradicionais para trazer cooperação em um dilema dos prisioneiros (usar rodadas de negociação repetidas e progressivas, nas quais países que foram permitidos emitir demais numa rodada sejam punidos com mais controles nas próximas rodadas).
Algumas soluções que eu pensei serem possíveis: (i) começar a utilizar acordos bilaterais (que têm a desvantagem de serem mais custosos, porém, com a vantagem de diminuir os problemas do parágrafo anterior); (ii) amarrar acordos de comércio internacional aos direitos de emissão em acordos futuros (algo do tipo: os 20 países que mais puderem emitir terão um imposto sobre produtos poluentes exportados de x%); (iii) partir para soluções alternativas para controle do aquecimento global. Usar a alternativa atual de negociação multilateral é equivalente a delegar a solução para quando o problema estiver muito grave (ou seja, dadas as incertezas da questão, delegar a solução para quando pode ser tarde demais).
Há muito tempo ouço: "Michel, você deveria comprar uma esteira para sua casa, para se exercitar quando tiver tempo livre". A resposta que normalmente dou é: "não adianta comprar esteira quando eu sei que ela não será usada", resposta que normalmente encontra a tréplica "mas Michel, isso não é correto de se fazer" (referindo-se a não usar a esteira). Agora, em face da iminente falta de uso da esteira, nada muda o fato de que comprar o aparelho mais chato das academias não me fará me exercitar (nem mesmo o fato "o não uso da esteira seria um erro" muda esse problema).
Algo parecido ocorre com ambientalistas: as propostas de acordos multilaterais de redução de emissões de gases poluentes são feitas porque simplesmente "não é correto" continuar emitindo gases poluentes. Darei exatamente a mesma resposta ao problema da esteira: não adianta propor acordos multilaterais megalomaníacos quando sabemos que eles nunca serão implementados. Propô-los é equivalente a não propor nada para conter o aquecimento global.
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
domingo, 13 de dezembro de 2009
Morre Paul Samuelson (não tem como deixar de comentar em blog de economia)
Paul Samuelson, economista ganhador do Prêmio Nobel de 1970, morreu hoje aos 94 anos. É difícil superestimar a importância dele no desenvolvimento da ciência: fundamentos básicos de teoria microeconômica, de análise de bem estar e de economia internacional (só para citar alguns exemplos) foram desenvolvidos pelo nobel. Até o desenvolvimento do que é estática comparativa é atribuído ao economista. Para explicar a importância do conceito de estática comparativa, ao falar sobre a teoria de oferta e demanda, Samuelson explica: "simplesmente saber que existem leis efetivas que determinam um equilíbrio não nos diz nada sobre essas leis. Para a análise ser útil, ela deve nos fornecer a forma como as quantidades de equilíbrio mudam em função de mudanças nos parâmetros que determinam as leis".
Isso leva a um segundo ponto. Além das criações nas áreas mais diversas de economia, Samuelson é responsável por uma mudança metodológica fundamental para o estudo de economia estar no pé que está: o uso mais intenso e formal de matemática para enunciar teorias econômicas. Somente com esse desenvolvimento a profissão conseguiu ultrapassar diversos debates e começar a demandar mais consistência das teorias a serem desenvolvidas.
Como se não bastasse, Samuelson ainda foi determinante fundamental da forma de ensinar economia (seu livro de introdução à economia foi base dos cursos de economia por pelo menos 50 anos), além de ter sido peça chave na criação/crescimento do que é, se não o principal, o segundo principal departamento de economia do mundo, do MIT.
Isso leva a um segundo ponto. Além das criações nas áreas mais diversas de economia, Samuelson é responsável por uma mudança metodológica fundamental para o estudo de economia estar no pé que está: o uso mais intenso e formal de matemática para enunciar teorias econômicas. Somente com esse desenvolvimento a profissão conseguiu ultrapassar diversos debates e começar a demandar mais consistência das teorias a serem desenvolvidas.
Como se não bastasse, Samuelson ainda foi determinante fundamental da forma de ensinar economia (seu livro de introdução à economia foi base dos cursos de economia por pelo menos 50 anos), além de ter sido peça chave na criação/crescimento do que é, se não o principal, o segundo principal departamento de economia do mundo, do MIT.
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
A megalomania
Presidente Lula: "Copenhague só vai ser o que vai ser porque o nosso querido país teve a coragem de, há um mês, apresentar as metas que nós apresentamos".
Realmente, a maior disposição da China e a Índia em negociar, a participação dos EUA, nada disso foi relevante para essa comoção toda em torno do acordo de Copenhague...
Realmente, a maior disposição da China e a Índia em negociar, a participação dos EUA, nada disso foi relevante para essa comoção toda em torno do acordo de Copenhague...
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Novo instrumento para conferir notícias
Quando tiver com um pouco mais de tempo, posto alguma coisa mais criativa (ou seja, lá pela metade de dezembro....)
Por enquanto...olhem a nova forma do New York Times postar novas notícias na internet (na verdade...forma de postar notícias para Blackberry). Para ser honesto, achei até a versão do Blackberry mais bem organizada que a apresentação do conteúdo deles desenhada para acesso via computadores.
Por enquanto...olhem a nova forma do New York Times postar novas notícias na internet (na verdade...forma de postar notícias para Blackberry). Para ser honesto, achei até a versão do Blackberry mais bem organizada que a apresentação do conteúdo deles desenhada para acesso via computadores.
sábado, 14 de novembro de 2009
O Estatuto da Igualdade Racial
Assisti, há pouco tempo, um debate sobre o Estatuto da Igualdade Racial no Instituto Casa das Garças entre os professores Demétrio Magnoli e Jorge da Silva (o Espectro Econômico também está com um comentário sobre o debate...os caras lá foram mais rápidos em comentar o debate).
O debate apresentou argumentos fortes a favor e contra o estatuto. Resumindo o debate, de um lado, Magnoli argumentou que a cultura brasileira é uma cultura da miscigenação racial (e de forma mais geral, da mistura das origens européia, africana, japonesa e indígena). Sendo assim, a idéia de aprovar estatutos da igualdade racial, legislando sobre políticas para negros seria criar na cultura brasileira um fenômeno de direção de políticas públicas e comportamentos sociais baseados na diferença de raças, ou seja, criar na sociedade brasileira um tipo de discriminação que não existe. Por outro lado, da Silva (com complementos de alguns outros participantes na platéia) replicou: existe preconceito contra negros no Brasil, independente de a cultura ser miscigenada ou não. Alguma coisa deve ser feita contra isso, e por mais que imperfeito, o estatuto é uma tentativa de diminuir os efeitos perversos do preconceito contra os negros.
Agora, vale notar, em primeiro lugar, que a tese do professor Magnoli rui se existe algum tipo de discriminação além daquela decorrente da desigualdade de oportunidades: se negros são tratados de forma diferente de brancos simplesmente por raça, e não por educação/renda/qualquer outro motivo econômico, isso significa que a cultura popular, de alguma forma e em alguns momentos, reconhece a existência de raças não miscigenadas, e daí, a lei não está introduzindo na sociedade nenhum conceito que nela não existe. As evidências disso são infindáveis: Marcos A. Rangel, economista da USP/Chicago, tem trabalhos mostrando que pais que têm um filho negro e outro branco investem menos na educação do filho negro por esperarem maior preconceito contra ele, e que um aluno negro com background parecido com o de um aluno branco (e na mesma sala de aula) tenderá a receber uma nota pior de um mesmo professor (isso tudo no Brasil, caso vocês ainda tenham alguma sombra de dúvida). Mais ainda, o próprio surgimento, ainda incipiente, de associações de defesa de interesses de negros é evidência de que a cultura de separação de raças está aparecendo, apesar de ainda não ser algo tão claro e impregnado nas nossas mentalidades. A idéia de raça já existe, e é em decorrência da existência dela que existem demandas políticas pelo Estatuto da Igualdade Racial.
Por outro lado, os argumentos do professor Jorge da Silva não validam o estatuto. O estatuto define políticas de igualdade de acesso à saúde/educação/liberdade de crença para os negros. Em primeiro lugar, por mais que exista preconceito contra negros, a criação de um estatuto implantado na lei brasileira definindo políticas com foco nos negros é uma forma de fortalecer a união em torno de uma causa. Em outras palavras, é uma forma de o Estado patrocinar a criação de uma organização política com ideais específicos. Sem esse patrocínio do Estado, potencialmente, as associações que apareceriam seriam outras. Com esse patrocínio, as primeiras e pequenas associações de defesas de interesses de negros ganham maior apoio político, apoio que elas não teriam sem o patrocínio estatal.
Um dos grandes papéis da democracia é, com certeza, facilitar a associação livre das pessoas em torno das causas que elas desejam apoiar. Outra certeza é que não é papel de um Estado democrático dizer quais são as causas que as pessoas devam apoiar. Imaginem o Estado aprovando uma lei dizendo: "os exportadores foram muito prejudicados com a queda do câmbio. Sendo assim, os exportadores passam a ter um Estatuto de Igualdade dos Exportadores, sendo papel do Estado garantir acesso dos exportadores aos mercados de trabalho, aos portos, ...". Substitua exportadores por negros, queda do câmbio por escravidão e pobreza, e mercados de trabalho e portos por saúde pública e liberdade de crenças em religiões africanas. Eis o Estatuto de Igualdade Racial. É o Estado brasileiro implicitamente dizendo qual é a causa que os negros devem apoiar, assim como o Estado brasileiro fez na década de 40-50 com as leis de sindicatos, dizendo o que os trabalhadores deveriam apoiar. O primeiro motivo para ser contra o estatuto é porque ele é uma violação da democracia.
Por fim, qual é a alternativa ao estatuto da igualdade racial na luta contra a discriminação? Em primeiro lugar, a alternativa é um Estatuto da Igualdade, que defende acesso à saúde e à liberdade de crenças por todos, independentemente de raça (ponto já defendido pelo professor Jorge da Silva). Em segundo lugar, a forma de compensar os negros pela desigualdade de oportunidades que eles enfrentam é dar melhores escolas e incentivar competitividade nos mercados (de forma a diminuir o preconceito no mercado de trabalho). Por fim, a forma de reduzir o preconceito enfrentado pelos negros é criar políticas de integração social (por exemplo, levar crianças de escolas públicas/crianças negras para interagir com alunos de escolas privadas); ou aumentar a mobilidade locacional/social (de forma que as pessoas possam escolher com que grupo querem estar, algo que pode ser importante se as pessoas estiverem cortando as próprias pernas como sinal de comprometimento com o seu grupo original). Políticas de integração social são comuns nos E.U.A., Europa, Israel, e países com muitos imigrantes (em Israel, que recebeu muitos imigrantes do leste europeu, da Rússia e da Etiópia, com bastante sucesso). Não sei porque essas não seriam alternativas viáveis ao estatuto. De qualquer forma, não acredito que o Estatuto fará muita diferença.
Apesar de todas as críticas, o debate na Casa das Garças foi bom.
O debate apresentou argumentos fortes a favor e contra o estatuto. Resumindo o debate, de um lado, Magnoli argumentou que a cultura brasileira é uma cultura da miscigenação racial (e de forma mais geral, da mistura das origens européia, africana, japonesa e indígena). Sendo assim, a idéia de aprovar estatutos da igualdade racial, legislando sobre políticas para negros seria criar na cultura brasileira um fenômeno de direção de políticas públicas e comportamentos sociais baseados na diferença de raças, ou seja, criar na sociedade brasileira um tipo de discriminação que não existe. Por outro lado, da Silva (com complementos de alguns outros participantes na platéia) replicou: existe preconceito contra negros no Brasil, independente de a cultura ser miscigenada ou não. Alguma coisa deve ser feita contra isso, e por mais que imperfeito, o estatuto é uma tentativa de diminuir os efeitos perversos do preconceito contra os negros.
Agora, vale notar, em primeiro lugar, que a tese do professor Magnoli rui se existe algum tipo de discriminação além daquela decorrente da desigualdade de oportunidades: se negros são tratados de forma diferente de brancos simplesmente por raça, e não por educação/renda/qualquer outro motivo econômico, isso significa que a cultura popular, de alguma forma e em alguns momentos, reconhece a existência de raças não miscigenadas, e daí, a lei não está introduzindo na sociedade nenhum conceito que nela não existe. As evidências disso são infindáveis: Marcos A. Rangel, economista da USP/Chicago, tem trabalhos mostrando que pais que têm um filho negro e outro branco investem menos na educação do filho negro por esperarem maior preconceito contra ele, e que um aluno negro com background parecido com o de um aluno branco (e na mesma sala de aula) tenderá a receber uma nota pior de um mesmo professor (isso tudo no Brasil, caso vocês ainda tenham alguma sombra de dúvida). Mais ainda, o próprio surgimento, ainda incipiente, de associações de defesa de interesses de negros é evidência de que a cultura de separação de raças está aparecendo, apesar de ainda não ser algo tão claro e impregnado nas nossas mentalidades. A idéia de raça já existe, e é em decorrência da existência dela que existem demandas políticas pelo Estatuto da Igualdade Racial.
Por outro lado, os argumentos do professor Jorge da Silva não validam o estatuto. O estatuto define políticas de igualdade de acesso à saúde/educação/liberdade de crença para os negros. Em primeiro lugar, por mais que exista preconceito contra negros, a criação de um estatuto implantado na lei brasileira definindo políticas com foco nos negros é uma forma de fortalecer a união em torno de uma causa. Em outras palavras, é uma forma de o Estado patrocinar a criação de uma organização política com ideais específicos. Sem esse patrocínio do Estado, potencialmente, as associações que apareceriam seriam outras. Com esse patrocínio, as primeiras e pequenas associações de defesas de interesses de negros ganham maior apoio político, apoio que elas não teriam sem o patrocínio estatal.
Um dos grandes papéis da democracia é, com certeza, facilitar a associação livre das pessoas em torno das causas que elas desejam apoiar. Outra certeza é que não é papel de um Estado democrático dizer quais são as causas que as pessoas devam apoiar. Imaginem o Estado aprovando uma lei dizendo: "os exportadores foram muito prejudicados com a queda do câmbio. Sendo assim, os exportadores passam a ter um Estatuto de Igualdade dos Exportadores, sendo papel do Estado garantir acesso dos exportadores aos mercados de trabalho, aos portos, ...". Substitua exportadores por negros, queda do câmbio por escravidão e pobreza, e mercados de trabalho e portos por saúde pública e liberdade de crenças em religiões africanas. Eis o Estatuto de Igualdade Racial. É o Estado brasileiro implicitamente dizendo qual é a causa que os negros devem apoiar, assim como o Estado brasileiro fez na década de 40-50 com as leis de sindicatos, dizendo o que os trabalhadores deveriam apoiar. O primeiro motivo para ser contra o estatuto é porque ele é uma violação da democracia.
Por fim, qual é a alternativa ao estatuto da igualdade racial na luta contra a discriminação? Em primeiro lugar, a alternativa é um Estatuto da Igualdade, que defende acesso à saúde e à liberdade de crenças por todos, independentemente de raça (ponto já defendido pelo professor Jorge da Silva). Em segundo lugar, a forma de compensar os negros pela desigualdade de oportunidades que eles enfrentam é dar melhores escolas e incentivar competitividade nos mercados (de forma a diminuir o preconceito no mercado de trabalho). Por fim, a forma de reduzir o preconceito enfrentado pelos negros é criar políticas de integração social (por exemplo, levar crianças de escolas públicas/crianças negras para interagir com alunos de escolas privadas); ou aumentar a mobilidade locacional/social (de forma que as pessoas possam escolher com que grupo querem estar, algo que pode ser importante se as pessoas estiverem cortando as próprias pernas como sinal de comprometimento com o seu grupo original). Políticas de integração social são comuns nos E.U.A., Europa, Israel, e países com muitos imigrantes (em Israel, que recebeu muitos imigrantes do leste europeu, da Rússia e da Etiópia, com bastante sucesso). Não sei porque essas não seriam alternativas viáveis ao estatuto. De qualquer forma, não acredito que o Estatuto fará muita diferença.
Apesar de todas as críticas, o debate na Casa das Garças foi bom.
domingo, 1 de novembro de 2009
Saúde pública ou privada? (respondendo aos debates que eu vi no Brasil com relação à reforma americana)
A criação de um sistema público de saúde, com acesso universal, foi uma das propostas mais controversas do governo de Obama. Alguns amigos meus (brasileiros) criticam: criar um sistema de saúde público nos EUA não é lutar por acesso universal, é trazer filas de espera em hospitais, atendimento precário e os problemas que nós, como brasileiros, estamos acostumados a ver no nosso sistema de saúde público de acesso "universal". As teorias que apoiam essas críticas dos meus amigos são inúmeras - pessoas que tem acesso grátis à saúde vão usar o sistema sem se preocupar com os custos que elas geram, governos/empregados públicos são ineficientes em administrar sistemas públicos, entre outras.
O que os meus amigos não perceberam, porém, é que os americanos não tem como parâmetro de comparação o sistema brasileiro de saúde, mas sim, os sistemas europeus (em particular, o inglês). Na Europa, muitos países tem sistemas de saúde públicos com acesso universal e com bom atendimento. O que garante que os EUA terão o sistema de saúde público europeu, e não o brasileiro? Para isso, precisaremos responder: O que permite que os europeus (em particular, os ingleses) tenham bons sistemas de saúde públicos, enquanto que a gente não os tem?
Em primeiro lugar, o sistema de saúde inglês tem uma tecnologia, por assim dizer, de impedir o sobreuso do sistema de saúde (pessoas utilizando o sistema de saúde sem perceber o impacto que elas têm sobre os custos desse sistema). Com o aparecimento de um novo tratamento para uma nova doença, consultores da agência administradora do sistema de saúde inglês procuram saber: quantos anos de vida a mais o tratamento dá ao paciente? Durante esse tempo a mais de vida, o paciente tem boa ou má qualidade de vida? A isso, se associa estudos sobre (i) "quantos anos de vida saudável equivalem à 5 anos de vida doente para o paciente médio na Inglaterra?" e (ii) "qual é o valor monetário que as pessoas dão à um ano a mais de vida saudável?" (para esse último, o que se faz, em geral, é olhar para o salário que as pessoas têm que receber para aceitar empregos com maior risco de vida, se pode inferir, de alguma forma, o quanto as pessoas valorizam a própria vida). Desses dois tipos de estudo, se calcula o quantos anos de vida a mais (ajustados por qualidade de vida) o tratamento dá (medida conhecida como "QALY") e o quanto as pessoas estão dispostas a pagar por um QALY a mais. Em média, os estudos indicam que as pessoas pagariam cerca de 25 mil dólares por um QALY de vida a mais (ou seja, por um ano de vida saudável a mais). O sistema de saúde público inglês, em decorrência desses estudos, só oferece tratamentos que custem menos que 40 mil dólares por QALY oferecido (para dar alguma margem de confiança). Isso reduz o espaço para o oferecimento de tratamentos de saúde cujo custo é maior que a valorização que as pessoas dão ao tratamento. Apesar dos erros de mensuração dessas metodologias, isso é o melhor que se pode fazer em termos de saúde pública. Para uma discussão mais detalhada, recomendo esse texto (infelizmente, de acesso limitado). Na Alemanha, o sistema de saúde dá direito a uma consulta anual para cada cidadão com fins preventivos, e o não aproveitamento das consultas para detecção de doenças em estágios iniciais pode limitar o acesso à saúde da pessoa. Um fato conhecido é que tratamento de doenças em estágios iniciais e tratamentos preventivos é muito mais barato que o tratamento para curar doenças.
Um segundo ponto é que, independentemente de corrupção, alguns governos são mais eficientes em prover serviços (entre eles, o de saúde) que outros governos. Nos lugares mais eficientes, existe menos burocracia governamental, melhores instituições de governança, e tudo isso permite que se gaste menos com burocratas e mais com oferecimento de leitos hospitalares/equipamento e remédios para tratamentos de saúde.
O que garante que os EUA devem comparar a sua situação à européia, e não à brasileira, é que, em primeiro lugar, o governo americano e muitos governos europeus são muito mais eficientes que o governo brasileiro em prover bens públicos (e a eficiência do governo americano e desses governos europeus são semelhantes). São provas disso o fato de que os EUA são o 18o. no ranking de países percebidos como menos corruptos; a Inglaterra, 16o.; a França, 23o.; a Suiça, 5o.; a Alemanha o 14o. e o Brasil, 80o. (números do Transparency International 2008). Olhando-se para efetividade do governo, os EUA e os países europeus citados estão entre os 10% com mais efetividade de governo no mundo, enquanto que o Brasil ocupa o percentil 54.5. O mesmo exercício pode ser feito com diversos indicadores que mostram capacidade do governo em prover serviços, todos com resultados parecidos (uma página com os rankings é essa). Em segundo lugar, os sistemas de saúde públicos europeus, como mostrado anteriormente, desenvolveram diversas regras (que nós brasileiros não desenvolvemos) para evitar sobreuso do sistema de saúde público e melhorar a capacidade de ofertar saúde pública. Essas regras curam exatamente um dos maiores problemas do sistema americano (ele é excessivamente caro), e as regras aqui descritas foram, em parte, o que se tentou implementar nos EUA na proposta do Obama. Me parece claro que, com um governo ordens de magnitude mais eficiente em prover serviços públicos e com regras que permitem baratear a provisão dos serviços de saúde (regras essas coerentes com os gostos das pessoas), o problema de um sistema de saúde público americano não será o problema de filas e incapacidade de provisão que o sistema brasileiro enfrenta.
A pergunta natural é: quais são, então, os potenciais problemas que um sistema público americano pode enfrentar? Em primeiro lugar, os EUA são o maior produtor de tecnologia de saúde no mundo, e muitos estudos indicam que isso tenha a ver com a organização do setor de saúde americano. Diminuir a possibilidade de oferta de tratamentos caros, naturalmente, aumenta o custo de desenvolvimento tecnológico de tratamentos de saúde (os avanços tecnológicos passam a ter que ser maiores para serem adotados), e por isso, podem reduzir o ritmo de desenvolvimento de tratamentos para doenças ainda não tratáveis. Ainda mais, o sistema de saúde nos EUA possui o melhor sistema de saúde para tratamento de doenças raras, algo que pode deixar de ser verdade com a adoção das regras européias.
Colocando de outra forma: a questão do sistema de saúde americano é uma questão redistribuitiva. É melhor desenhar um sistema de saúde que tem acesso universal, atende bem doenças médias mas não tão bem doenças raras, ou um sistema de saúde sem acesso universal, que, porém, garante que quem tiver acesso sobreviverá a qualquer mal que lhe atacar? Não sei a resposta, mas sei que, nessa questão, não vale citar o trade-off equidade-eficiência que alguns economistas tanto gostam de frisar: a ocorrência de muitas doenças, por natureza, têm externalidades (esse é o caso de doenças transmissíveis). Principalmente no caso de doenças "muito transmissíveis", a solução que provê igualdade de tratamento diminui as externalidades de um tratamento desigual, fazendo eficiencia crescer com igualdade.
O que os meus amigos não perceberam, porém, é que os americanos não tem como parâmetro de comparação o sistema brasileiro de saúde, mas sim, os sistemas europeus (em particular, o inglês). Na Europa, muitos países tem sistemas de saúde públicos com acesso universal e com bom atendimento. O que garante que os EUA terão o sistema de saúde público europeu, e não o brasileiro? Para isso, precisaremos responder: O que permite que os europeus (em particular, os ingleses) tenham bons sistemas de saúde públicos, enquanto que a gente não os tem?
Em primeiro lugar, o sistema de saúde inglês tem uma tecnologia, por assim dizer, de impedir o sobreuso do sistema de saúde (pessoas utilizando o sistema de saúde sem perceber o impacto que elas têm sobre os custos desse sistema). Com o aparecimento de um novo tratamento para uma nova doença, consultores da agência administradora do sistema de saúde inglês procuram saber: quantos anos de vida a mais o tratamento dá ao paciente? Durante esse tempo a mais de vida, o paciente tem boa ou má qualidade de vida? A isso, se associa estudos sobre (i) "quantos anos de vida saudável equivalem à 5 anos de vida doente para o paciente médio na Inglaterra?" e (ii) "qual é o valor monetário que as pessoas dão à um ano a mais de vida saudável?" (para esse último, o que se faz, em geral, é olhar para o salário que as pessoas têm que receber para aceitar empregos com maior risco de vida, se pode inferir, de alguma forma, o quanto as pessoas valorizam a própria vida). Desses dois tipos de estudo, se calcula o quantos anos de vida a mais (ajustados por qualidade de vida) o tratamento dá (medida conhecida como "QALY") e o quanto as pessoas estão dispostas a pagar por um QALY a mais. Em média, os estudos indicam que as pessoas pagariam cerca de 25 mil dólares por um QALY de vida a mais (ou seja, por um ano de vida saudável a mais). O sistema de saúde público inglês, em decorrência desses estudos, só oferece tratamentos que custem menos que 40 mil dólares por QALY oferecido (para dar alguma margem de confiança). Isso reduz o espaço para o oferecimento de tratamentos de saúde cujo custo é maior que a valorização que as pessoas dão ao tratamento. Apesar dos erros de mensuração dessas metodologias, isso é o melhor que se pode fazer em termos de saúde pública. Para uma discussão mais detalhada, recomendo esse texto (infelizmente, de acesso limitado). Na Alemanha, o sistema de saúde dá direito a uma consulta anual para cada cidadão com fins preventivos, e o não aproveitamento das consultas para detecção de doenças em estágios iniciais pode limitar o acesso à saúde da pessoa. Um fato conhecido é que tratamento de doenças em estágios iniciais e tratamentos preventivos é muito mais barato que o tratamento para curar doenças.
Um segundo ponto é que, independentemente de corrupção, alguns governos são mais eficientes em prover serviços (entre eles, o de saúde) que outros governos. Nos lugares mais eficientes, existe menos burocracia governamental, melhores instituições de governança, e tudo isso permite que se gaste menos com burocratas e mais com oferecimento de leitos hospitalares/equipamento e remédios para tratamentos de saúde.
O que garante que os EUA devem comparar a sua situação à européia, e não à brasileira, é que, em primeiro lugar, o governo americano e muitos governos europeus são muito mais eficientes que o governo brasileiro em prover bens públicos (e a eficiência do governo americano e desses governos europeus são semelhantes). São provas disso o fato de que os EUA são o 18o. no ranking de países percebidos como menos corruptos; a Inglaterra, 16o.; a França, 23o.; a Suiça, 5o.; a Alemanha o 14o. e o Brasil, 80o. (números do Transparency International 2008). Olhando-se para efetividade do governo, os EUA e os países europeus citados estão entre os 10% com mais efetividade de governo no mundo, enquanto que o Brasil ocupa o percentil 54.5. O mesmo exercício pode ser feito com diversos indicadores que mostram capacidade do governo em prover serviços, todos com resultados parecidos (uma página com os rankings é essa). Em segundo lugar, os sistemas de saúde públicos europeus, como mostrado anteriormente, desenvolveram diversas regras (que nós brasileiros não desenvolvemos) para evitar sobreuso do sistema de saúde público e melhorar a capacidade de ofertar saúde pública. Essas regras curam exatamente um dos maiores problemas do sistema americano (ele é excessivamente caro), e as regras aqui descritas foram, em parte, o que se tentou implementar nos EUA na proposta do Obama. Me parece claro que, com um governo ordens de magnitude mais eficiente em prover serviços públicos e com regras que permitem baratear a provisão dos serviços de saúde (regras essas coerentes com os gostos das pessoas), o problema de um sistema de saúde público americano não será o problema de filas e incapacidade de provisão que o sistema brasileiro enfrenta.
A pergunta natural é: quais são, então, os potenciais problemas que um sistema público americano pode enfrentar? Em primeiro lugar, os EUA são o maior produtor de tecnologia de saúde no mundo, e muitos estudos indicam que isso tenha a ver com a organização do setor de saúde americano. Diminuir a possibilidade de oferta de tratamentos caros, naturalmente, aumenta o custo de desenvolvimento tecnológico de tratamentos de saúde (os avanços tecnológicos passam a ter que ser maiores para serem adotados), e por isso, podem reduzir o ritmo de desenvolvimento de tratamentos para doenças ainda não tratáveis. Ainda mais, o sistema de saúde nos EUA possui o melhor sistema de saúde para tratamento de doenças raras, algo que pode deixar de ser verdade com a adoção das regras européias.
Colocando de outra forma: a questão do sistema de saúde americano é uma questão redistribuitiva. É melhor desenhar um sistema de saúde que tem acesso universal, atende bem doenças médias mas não tão bem doenças raras, ou um sistema de saúde sem acesso universal, que, porém, garante que quem tiver acesso sobreviverá a qualquer mal que lhe atacar? Não sei a resposta, mas sei que, nessa questão, não vale citar o trade-off equidade-eficiência que alguns economistas tanto gostam de frisar: a ocorrência de muitas doenças, por natureza, têm externalidades (esse é o caso de doenças transmissíveis). Principalmente no caso de doenças "muito transmissíveis", a solução que provê igualdade de tratamento diminui as externalidades de um tratamento desigual, fazendo eficiencia crescer com igualdade.
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Altruísmo é manipulável?
Muitos acreditam que resolveremos os males do mundo passando a doar mais e sendo mais altruistas uns com os outros. Será que essa solução é factível, ou é mais uma fantasia dos "intelectuais" de hoje em dia?
O Levitt e o Dubner estão lançando um novo livro ("Superfreakonomics") no qual eles falam um pouco sobre isso. Eles citam diversos experimentos mostrando que aquilo que normalmente consideramos ser altruísmo é, em boa parte, motivado por egoísmo. Por exemplo, pais ricos em abrigos para idosos recebem mais visitas dos filhos que pais pobres. Verdade, não sabemos se é vingança do filho por, por exemplo, o pai mais pobre não ter lhe dado educação; ou se é egoísmo. Agora, se não tiver competição pela herança (por exemplo, um irmão que também pode levar a herança), os filhos param de ir visitar os pais (o que nos faz acreditar mais na tese do egoísmo).
Outros exemplos estão nesse vídeo curto, que divulga um programa que a rede de televisão americana ABC fará sobre o livro.
O Levitt e o Dubner estão lançando um novo livro ("Superfreakonomics") no qual eles falam um pouco sobre isso. Eles citam diversos experimentos mostrando que aquilo que normalmente consideramos ser altruísmo é, em boa parte, motivado por egoísmo. Por exemplo, pais ricos em abrigos para idosos recebem mais visitas dos filhos que pais pobres. Verdade, não sabemos se é vingança do filho por, por exemplo, o pai mais pobre não ter lhe dado educação; ou se é egoísmo. Agora, se não tiver competição pela herança (por exemplo, um irmão que também pode levar a herança), os filhos param de ir visitar os pais (o que nos faz acreditar mais na tese do egoísmo).
Outros exemplos estão nesse vídeo curto, que divulga um programa que a rede de televisão americana ABC fará sobre o livro.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
A economia política do aumento do IOF
Uma surpresa recente (pelo menos para quem achava que o Brasil tinha aprendido as lições de como fazer boa política econômica) foi a notícia de taxação em 2% de capitais estrangeiros via IOF. Por que o governo fez uma política sabidamente ruim, com histórico de fracasso? Quais são as motivações políticas para esse aumento do IOF? Quem ganha e quem perde com essa política?
Para saber quem ganha e quem perde com a política, em primeiro lugar, é importante saber o porquê dessa política ser ruim.
(1) A restrição à entrada de capital estrangeiro em bolsa limita a disponibilidade de financiamento via bolsa, o que pode ser um limite aos investimentos das empresas com ações em bolsa (ponto levantado pelo Espectro e pelo A Mão Visível).
(2) Mais ainda, a limitação à entrada de capitais estrangeiros para renda fixa pode aumentar o custo de financiamento do governo por reduzir a demanda pelos títulos do governo (ponto levantado pelo Adão). Para um governo que vem aumentando gastos permanentes, dificuldade de financiamento pode se tornar um problema.
(3) Adicionalmente, capital internacional se ajusta a "inovações fiscais" facilmente: ou os investidores estrangeiros escolhem novos destinos para o seu dinheiro (em outras palavras, investimentos têm uma "elasticidade-imposto" alta, se o imposto incidir de fato). Alternativamente, os investidores estrangeiros ou descobrem mecanismos/furos para fugir dos impostos e ainda vir para o Brasil (esse último, mostrado em um paper do Márcio Garcia).
(4) Por fim, existe um impacto de expectativas e percepção de segurança de um investimento no Brasil. Esse caso do IOF sobre entrada de capital é mais um episódio confirmando o fato: nunca se sabe quando um presidente ou um outro qualquer terá um surto forte o suficiente para induzir cagadas (ponto de comentários no Espectro pelo Marcos Pinheiro e pelo Caruso).
Desses pontos, uma tese da motivação para a adoção dessa política surge de cara: em final de mandato, o político não enxerga as conseqüências da queda de investimentos e das inseguranças/incertezas do ambiente econômico (quaisquer que sejam essas conseqüências, elas acontecerão no próximo mandato). Políticos também não vêem o impacto completo de taxar investidores estrangeiros: estrangeiros, por definição, têm pouco poder de mudar eleições no Brasil. Isso, por si só, pode motivar uma política miópica, como essa taxação de investidores estrangeiros. Adicionalmente, houve aumento significativo dos gastos permanentes pelo governo (contratação de servidores públicos, por exemplo) e, se houver aumento nos custos de financiamento do governo, o governo seguinte poderá enfrentar alguns problemas com ajustes fiscais. Essas dificuldades potenciais para o início do próximo mandato podem facilitar a volta do Lula para um terceiro mandato após o próximo governo. Não preciso falar que isso é motivação ainda maior para uma política economicamente ruim no momento em que vivemos.
Uma segunda tese, ligada à atuação de grupos de interesses especiais, pode também ser relevante. Uma política de controle de capitais efetiva teria conseqüências nefastas para a população como um todo, o que pode ser um risco político grande demais para ano eleitoral. Entre os riscos de controles de capitais efetivos (se é que eles existem), podem estar a alta do dólar e, como conseqüência, de inflação. Mais ainda, o custo do investimento subiria com a alta do dólar, via encarecimento de bens de capital importado. Ou seja, uma política de controle de capitais efetiva teria como conseqüências encarecimento do consumo e do investimento (e em particular, queda do investimento).
Observando o embate entre (i) pressão política por controles de capital feita por grupos de interesses de exportadores (que se beneficiam da alta do dólar) e (ii) perdas de bem estar geral (principalmente para consumidores e importadores), podemos entender a escolha do governo pelo IOF. Assim, se adota políticas que tem pouca efetividade em alterar a tendência de câmbio (de alguma forma, cedendo aos interesses da população em geral), mas que ainda assim passam a impressão de estar lutando contra o dolar baixo (mantendo proximidade ao grupo de interesse). Se essa é a motivação do governo, a adoção de uma política que se sabe ser ineficiente, surpreendentemente, é motivada por bem estar (pelo menos parcialmente). Vale notar, porém: esse argumento todo depende claramente (i) da ineficiência do IOF em reduzir o fluxo de capitais e alterar a trajetória de câmbio; (ii) da capacidade da sociedade se organizar para evitar perdas de bem estar grandes; e (iii) da capacidade do governo poder enganar os grupos de exportadores.
Porém, algumas dessas hipóteses podem não ser razoáveis. Ainda assim, outra tese de ação de grupos de interesse pode aparecer. Com a limitação ao fluxo de capitais estrangeiros, as vantagens de conseguir capital via bolsa se reduzem. Isso pode reduzir a competição na oferta de capital para empresas (por exemplo, pode ser que bancos passem a ter menos competição no mercado de empréstimos, pois um mercado concorrente, de equity, se tornou menos vantajoso para empresas). Em outras palavras, setores com dotações altas de capital podem ser os beneficiados pela política do IOF (apesar de eles perderem também o financiamento externo, até onde eu sei, existe relativamente pouco financiamento externo no setor financeiro brasileiro). Devemos perceber que, nessa tese, não estamos supondo que ninguém está sendo enganado, muito menos que todos têm capacidade de se organizar para fazer pressão por políticas mais eficientes. Apesar de toda essa argumentação, a agenda política das associações dos bancos parece ser diferente do controle de capitais.
Acho que, se alguma dessas teses é verdadeira (pode ser que nenhuma delas seja), a primeira me parece ser a mais provável. Agora que a política foi feita, vai sobrar para a política monetária consertar. Ou ela será que ser contracionista (para adequar a demanda à queda em investimentos que maturariam no final do ano que vem), ou uma reputação conquistada após 10 anos de política monetária será colocada a perder. A minha humilde opinião é de que nenhum dos potenciais benefícios políticos descritos acima compensam as perdas políticas de política monetária muito contracionista em ano eleitoral (que podem colocar a candidatura da Dilma a perder, o que não parece ser a vontade do governo), o que indicaria que a política monetária seria colocada de lado. Ao mesmo tempo, se a política monetária boa for colocada de lado, existem boas chances de um surto de inflação, o que seria suficiente para enterrar de vez a candidatura da Dilma em 2010 e podem matar a do Lula em 2014, eu acredito.
A impressão que fica é que o governo quer fazer algo como viajar para a India a nado. Eu não sei julgar se a intenção de viajar para a India é boa ou ruim, mas com certeza, sei que nado não é o melhor meio de transporte. Da mesma forma, sei que, quaisquer que sejam os objetivos políticos do governo, controles de capital não são o meio para atingí-los.
Para saber quem ganha e quem perde com a política, em primeiro lugar, é importante saber o porquê dessa política ser ruim.
(1) A restrição à entrada de capital estrangeiro em bolsa limita a disponibilidade de financiamento via bolsa, o que pode ser um limite aos investimentos das empresas com ações em bolsa (ponto levantado pelo Espectro e pelo A Mão Visível).
(2) Mais ainda, a limitação à entrada de capitais estrangeiros para renda fixa pode aumentar o custo de financiamento do governo por reduzir a demanda pelos títulos do governo (ponto levantado pelo Adão). Para um governo que vem aumentando gastos permanentes, dificuldade de financiamento pode se tornar um problema.
(3) Adicionalmente, capital internacional se ajusta a "inovações fiscais" facilmente: ou os investidores estrangeiros escolhem novos destinos para o seu dinheiro (em outras palavras, investimentos têm uma "elasticidade-imposto" alta, se o imposto incidir de fato). Alternativamente, os investidores estrangeiros ou descobrem mecanismos/furos para fugir dos impostos e ainda vir para o Brasil (esse último, mostrado em um paper do Márcio Garcia).
(4) Por fim, existe um impacto de expectativas e percepção de segurança de um investimento no Brasil. Esse caso do IOF sobre entrada de capital é mais um episódio confirmando o fato: nunca se sabe quando um presidente ou um outro qualquer terá um surto forte o suficiente para induzir cagadas (ponto de comentários no Espectro pelo Marcos Pinheiro e pelo Caruso).
Desses pontos, uma tese da motivação para a adoção dessa política surge de cara: em final de mandato, o político não enxerga as conseqüências da queda de investimentos e das inseguranças/incertezas do ambiente econômico (quaisquer que sejam essas conseqüências, elas acontecerão no próximo mandato). Políticos também não vêem o impacto completo de taxar investidores estrangeiros: estrangeiros, por definição, têm pouco poder de mudar eleições no Brasil. Isso, por si só, pode motivar uma política miópica, como essa taxação de investidores estrangeiros. Adicionalmente, houve aumento significativo dos gastos permanentes pelo governo (contratação de servidores públicos, por exemplo) e, se houver aumento nos custos de financiamento do governo, o governo seguinte poderá enfrentar alguns problemas com ajustes fiscais. Essas dificuldades potenciais para o início do próximo mandato podem facilitar a volta do Lula para um terceiro mandato após o próximo governo. Não preciso falar que isso é motivação ainda maior para uma política economicamente ruim no momento em que vivemos.
Uma segunda tese, ligada à atuação de grupos de interesses especiais, pode também ser relevante. Uma política de controle de capitais efetiva teria conseqüências nefastas para a população como um todo, o que pode ser um risco político grande demais para ano eleitoral. Entre os riscos de controles de capitais efetivos (se é que eles existem), podem estar a alta do dólar e, como conseqüência, de inflação. Mais ainda, o custo do investimento subiria com a alta do dólar, via encarecimento de bens de capital importado. Ou seja, uma política de controle de capitais efetiva teria como conseqüências encarecimento do consumo e do investimento (e em particular, queda do investimento).
Observando o embate entre (i) pressão política por controles de capital feita por grupos de interesses de exportadores (que se beneficiam da alta do dólar) e (ii) perdas de bem estar geral (principalmente para consumidores e importadores), podemos entender a escolha do governo pelo IOF. Assim, se adota políticas que tem pouca efetividade em alterar a tendência de câmbio (de alguma forma, cedendo aos interesses da população em geral), mas que ainda assim passam a impressão de estar lutando contra o dolar baixo (mantendo proximidade ao grupo de interesse). Se essa é a motivação do governo, a adoção de uma política que se sabe ser ineficiente, surpreendentemente, é motivada por bem estar (pelo menos parcialmente). Vale notar, porém: esse argumento todo depende claramente (i) da ineficiência do IOF em reduzir o fluxo de capitais e alterar a trajetória de câmbio; (ii) da capacidade da sociedade se organizar para evitar perdas de bem estar grandes; e (iii) da capacidade do governo poder enganar os grupos de exportadores.
Porém, algumas dessas hipóteses podem não ser razoáveis. Ainda assim, outra tese de ação de grupos de interesse pode aparecer. Com a limitação ao fluxo de capitais estrangeiros, as vantagens de conseguir capital via bolsa se reduzem. Isso pode reduzir a competição na oferta de capital para empresas (por exemplo, pode ser que bancos passem a ter menos competição no mercado de empréstimos, pois um mercado concorrente, de equity, se tornou menos vantajoso para empresas). Em outras palavras, setores com dotações altas de capital podem ser os beneficiados pela política do IOF (apesar de eles perderem também o financiamento externo, até onde eu sei, existe relativamente pouco financiamento externo no setor financeiro brasileiro). Devemos perceber que, nessa tese, não estamos supondo que ninguém está sendo enganado, muito menos que todos têm capacidade de se organizar para fazer pressão por políticas mais eficientes. Apesar de toda essa argumentação, a agenda política das associações dos bancos parece ser diferente do controle de capitais.
Acho que, se alguma dessas teses é verdadeira (pode ser que nenhuma delas seja), a primeira me parece ser a mais provável. Agora que a política foi feita, vai sobrar para a política monetária consertar. Ou ela será que ser contracionista (para adequar a demanda à queda em investimentos que maturariam no final do ano que vem), ou uma reputação conquistada após 10 anos de política monetária será colocada a perder. A minha humilde opinião é de que nenhum dos potenciais benefícios políticos descritos acima compensam as perdas políticas de política monetária muito contracionista em ano eleitoral (que podem colocar a candidatura da Dilma a perder, o que não parece ser a vontade do governo), o que indicaria que a política monetária seria colocada de lado. Ao mesmo tempo, se a política monetária boa for colocada de lado, existem boas chances de um surto de inflação, o que seria suficiente para enterrar de vez a candidatura da Dilma em 2010 e podem matar a do Lula em 2014, eu acredito.
A impressão que fica é que o governo quer fazer algo como viajar para a India a nado. Eu não sei julgar se a intenção de viajar para a India é boa ou ruim, mas com certeza, sei que nado não é o melhor meio de transporte. Da mesma forma, sei que, quaisquer que sejam os objetivos políticos do governo, controles de capital não são o meio para atingí-los.
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
O Nobel desse ano...
Esse ano, o Nobel de economia foi para Oliver Williamson e Elinor Ostrom. Os trabalhos dos premiados tem a ver com desenho de instituições que operem eficientemente. O primeiro trabalhou com essas questões no contexto de firmas: por exemplo, por que firmas se verticalizam ou por que elas decidem deixar suas operações no nível do mercado (mais especificamente, o que as leva a produzir ou comprar matérias primas)?
Não conhecia o trabalho de Ostrom, então, fui procurar uns blogs falando sobre ela (não achei/não tive tempo para download de papers). O trabalho dela, aparentemente, lida com o desenho de instituições diferentes das de mercado para lidar com problemas de recursos públicos. As discussões tradicionais em economia sobre uso de recursos públicos/produção de bens públicos se pautaram nos problemas de ação coletiva. Ostrom ganhou o Nobel por mostrar que, em diversas situações, empiricamente, as pessoas conseguem usar eficientemente bens públicos via organização de comunidades/criação de reputação e confiança mútua e sem ter que definir direitos de propriedade/mercados para "curar" os problemas de ação coletiva.
Fiquei na dúvida ao ler isso: como ela mediu uso eficiente de bens públicos? Será que foram mecanismos de reputação/confiança/organização coletiva que geraram uso eficiente dos bens públicos, ou outros mecanismos? Fui procurar um pouco mais.
O que eu achei mais engraçado foi o seguinte:
Paul Krugman Blog - "I wasn’t familiar with Ostrom’s work, [...]"
Justin Fox, no blog do Brad de Long - "I knew about Williamson, [...] But Ostrom is new to me."
Steven Levitt, no blog do Freakonomics - "I had to look her up on Wikipedia, and even after reading the entry, I have no recollection of ever seeing or hearing her name mentioned by an economist."
Michael Spence descrevendo os nobéis desse ano: aqui.
Vou ser honesto, não entendi a descrição do trabalho dela (eu acho que não foi descrito aí o trabalho dela). O único blog que eu vi falando dela em mais detalhes foi o Marginal Revolution, administrado por uns caras que trabalham em um departamento com muita public choice theory. Será que o trabalho dela é realmente conhecido e influente o suficiente em economia para ganhar o Nobel?
Ficam dois pontos. O primeiro, ela parece ser uma autora incrivelmente influente em ciências políticas, será que o prêmio de economia está para se tornar um prêmio de ciências sociais em geral (um ponto na verdade do Levitt)? Em segundo lugar, quem sabe, o prêmio dado à ela incentive ainda mais os estudos sobre instituições de escolha pública e como lidar com problemas de ação coletiva (esse é um tema que é foco de pesquisa de alguns economistas já).
Obs.: um bom texto falando sobre os achados de ambos os Nobeis é esse...
Não conhecia o trabalho de Ostrom, então, fui procurar uns blogs falando sobre ela (não achei/não tive tempo para download de papers). O trabalho dela, aparentemente, lida com o desenho de instituições diferentes das de mercado para lidar com problemas de recursos públicos. As discussões tradicionais em economia sobre uso de recursos públicos/produção de bens públicos se pautaram nos problemas de ação coletiva. Ostrom ganhou o Nobel por mostrar que, em diversas situações, empiricamente, as pessoas conseguem usar eficientemente bens públicos via organização de comunidades/criação de reputação e confiança mútua e sem ter que definir direitos de propriedade/mercados para "curar" os problemas de ação coletiva.
Fiquei na dúvida ao ler isso: como ela mediu uso eficiente de bens públicos? Será que foram mecanismos de reputação/confiança/organização coletiva que geraram uso eficiente dos bens públicos, ou outros mecanismos? Fui procurar um pouco mais.
O que eu achei mais engraçado foi o seguinte:
Paul Krugman Blog - "I wasn’t familiar with Ostrom’s work, [...]"
Justin Fox, no blog do Brad de Long - "I knew about Williamson, [...] But Ostrom is new to me."
Steven Levitt, no blog do Freakonomics - "I had to look her up on Wikipedia, and even after reading the entry, I have no recollection of ever seeing or hearing her name mentioned by an economist."
Michael Spence descrevendo os nobéis desse ano: aqui.
Vou ser honesto, não entendi a descrição do trabalho dela (eu acho que não foi descrito aí o trabalho dela). O único blog que eu vi falando dela em mais detalhes foi o Marginal Revolution, administrado por uns caras que trabalham em um departamento com muita public choice theory. Será que o trabalho dela é realmente conhecido e influente o suficiente em economia para ganhar o Nobel?
Ficam dois pontos. O primeiro, ela parece ser uma autora incrivelmente influente em ciências políticas, será que o prêmio de economia está para se tornar um prêmio de ciências sociais em geral (um ponto na verdade do Levitt)? Em segundo lugar, quem sabe, o prêmio dado à ela incentive ainda mais os estudos sobre instituições de escolha pública e como lidar com problemas de ação coletiva (esse é um tema que é foco de pesquisa de alguns economistas já).
Obs.: um bom texto falando sobre os achados de ambos os Nobeis é esse...
terça-feira, 15 de setembro de 2009
Debatendo metodologia
Os debates entre economistas heterodoxos e ortodoxos no Brasil tem focado em (1) resultados e (2) enfoques metodológicos. Infelizmente, quando um dos tópicos é debatido, existe confusão com o outro, e o debate não sai do lugar. Por isso, esse texto foca no debate metodológico entre ortodoxos e heterodoxos. Os motivos são, além de procurar evitar confusão, o fato de que debater resultados sem debater os meios e métodos é mais religioso que científico (não que isso tenha problemas, porém, eu não tenho formação de catequisador*). Adicionalmente, porque acredito que categorizar entre heterodoxos e ortodoxos com base em conclusões é muito pouco produtivo.
O debate metodológico parece ter evoluído no sentido da melhor forma de buscar pela verdade. Ortodoxos defendem que a refutabilidade das teses e o uso do método dedutivo de forma evolucionária são as únicas formas logicamente válidas de se obter resultados. Por outro lado, me parece que heterodoxos defendem que o conjunto dos argumentos verdadeiros é mais amplo que o conjunto dos argumentos lógicos, o que os levaria a procurar maior pluralidade de métodos, que desse conta da amplitude dos argumentos verdadeiros.
Agora, podemos notar que tem um passo filosófico-lógico faltando nessa demanda por pluralidade de métodos . É verdade que queremos chegar no grupo dos argumentos verdadeiros e que não podemos mostrar que todos os argumentos verdadeiros são logicamente demonstráveis. Isso deveria nos levar à maior pluralidade de métodos, usando outros que não a lógica pura. Porém, isso não quer dizer que devemos aceitar qualquer método em nome da pluralidade: antes de usar um método qualquer, devemos mostrar que ele nos leva a argumentos verdadeiros (ou chega próximo disso).
Nessa linha de descobrir um bom método que nos aproxime dos argumentos verdadeiros, podemos partir do ponto de que queremos usar o máximo de informação que tivermos disponível para descobrir a verdade. As consequências dessa suposição são:
(i) Esse requerimento nos leva a demandar que novas teses científicas sejam consistentes com teses antigas ainda não refutadas (para usar a informação obtida com a não refutação das teses antigas na nova tese). Um exemplo desse tipo de requerimento em economia é a demanda por microfundamentação de modelos macroeconômicos.
(ii) Ainda mais, vem dessa suposição o desejo de querermos usar constantes testes empíricos para os nossos modelos (para adquirir nova informação sobre a validade deles).
(iii) Por fim, a refutabilidade das teses propostas é imprescindível para podermos adquirir informação sobre as nossas teses (acontecimentos não mudam as nossas crenças em teses impossíveis de serem negadas) e para podermos desenvolver novas teses no futuro.
Em outras palavras, o uso do máximo de informação possível coincide com o método proposto pelos ortodoxos (tanto na refutabilidade, quanto no caráter evolucionário da ciência).
Porém, a demanda por teses consistentes com teses anteriores faz o nosso conhecimento de agora ser altamente dependente da tese inicial. Se esta estiver errada, ficaremos errados por um bom tempo. A refutabilidade nos serve de seguro, mas com toda certeza, não é um seguro completo. Dessa discussão, podemos concluir que usar toda a informação disponível provavelmente não nos levará à verdade. Apesar de tudo isso, isso é, por definição, o melhor que temos a fazer.
Ou seja, apesar de discordar parcialmente da justificativa original dada, o lado dos ortodoxos econômicos me parece estar certo no debate apresentado acima. Para heterodoxos se acertarem metodologicamente sem tornar-se ortodoxos (para mim, a diferença entre os grupos é somente metodológica), seria necessário propor um critério que tivesse melhor performance (em termos de proximidade da verdade) que "usar toda a informação disponível". Quão impossível isso parece ser?
*apesar de apelidos...
O debate metodológico parece ter evoluído no sentido da melhor forma de buscar pela verdade. Ortodoxos defendem que a refutabilidade das teses e o uso do método dedutivo de forma evolucionária são as únicas formas logicamente válidas de se obter resultados. Por outro lado, me parece que heterodoxos defendem que o conjunto dos argumentos verdadeiros é mais amplo que o conjunto dos argumentos lógicos, o que os levaria a procurar maior pluralidade de métodos, que desse conta da amplitude dos argumentos verdadeiros.
Agora, podemos notar que tem um passo filosófico-lógico faltando nessa demanda por pluralidade de métodos . É verdade que queremos chegar no grupo dos argumentos verdadeiros e que não podemos mostrar que todos os argumentos verdadeiros são logicamente demonstráveis. Isso deveria nos levar à maior pluralidade de métodos, usando outros que não a lógica pura. Porém, isso não quer dizer que devemos aceitar qualquer método em nome da pluralidade: antes de usar um método qualquer, devemos mostrar que ele nos leva a argumentos verdadeiros (ou chega próximo disso).
Nessa linha de descobrir um bom método que nos aproxime dos argumentos verdadeiros, podemos partir do ponto de que queremos usar o máximo de informação que tivermos disponível para descobrir a verdade. As consequências dessa suposição são:
(i) Esse requerimento nos leva a demandar que novas teses científicas sejam consistentes com teses antigas ainda não refutadas (para usar a informação obtida com a não refutação das teses antigas na nova tese). Um exemplo desse tipo de requerimento em economia é a demanda por microfundamentação de modelos macroeconômicos.
(ii) Ainda mais, vem dessa suposição o desejo de querermos usar constantes testes empíricos para os nossos modelos (para adquirir nova informação sobre a validade deles).
(iii) Por fim, a refutabilidade das teses propostas é imprescindível para podermos adquirir informação sobre as nossas teses (acontecimentos não mudam as nossas crenças em teses impossíveis de serem negadas) e para podermos desenvolver novas teses no futuro.
Em outras palavras, o uso do máximo de informação possível coincide com o método proposto pelos ortodoxos (tanto na refutabilidade, quanto no caráter evolucionário da ciência).
Porém, a demanda por teses consistentes com teses anteriores faz o nosso conhecimento de agora ser altamente dependente da tese inicial. Se esta estiver errada, ficaremos errados por um bom tempo. A refutabilidade nos serve de seguro, mas com toda certeza, não é um seguro completo. Dessa discussão, podemos concluir que usar toda a informação disponível provavelmente não nos levará à verdade. Apesar de tudo isso, isso é, por definição, o melhor que temos a fazer.
Ou seja, apesar de discordar parcialmente da justificativa original dada, o lado dos ortodoxos econômicos me parece estar certo no debate apresentado acima. Para heterodoxos se acertarem metodologicamente sem tornar-se ortodoxos (para mim, a diferença entre os grupos é somente metodológica), seria necessário propor um critério que tivesse melhor performance (em termos de proximidade da verdade) que "usar toda a informação disponível". Quão impossível isso parece ser?
*apesar de apelidos...
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Instituições em fotos...
Para quem não percebeu: isso é uma foto espacial da Coréia do Sul e da Coréia do Norte a noite. Impressionante a diferença de urbanização, não? Será que existe alguma explicação plausível para isso e alternativa à impacto do comunismo/falta de direitos de propriedade?Essa é outra foto que mostra o Haiti delineado. O seu vizinho (mais iluminado) é a República Dominicana, e o país mais a direita, Porto Rico. Só pra lembrar: capacidade de Estado (de chegar nos lugares e fazer as regras valerem) é tão importante quanto as regras escolhidas.
(Fonte: palestra do Paul Romer no TED, via um blog novo de desenvolvimento, Roving Bandit).
(Fonte: palestra do Paul Romer no TED, via um blog novo de desenvolvimento, Roving Bandit).
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Revoluções ajudam?
Um blog novo (sobalupadoeconomista.blogspot.com/, indicação do "A Mão Visível") trouxe um post interessante, resumindo um artigo do Acemoglu, Cantoni, Johnson e Robinson. O artigo mostra o impacto da revolução francesa sobre desenvolvimento de diferentes regiões na Europa após 1850. A conclusão do artigo é de que a revolução francesa trouxe desenvolvimento para as áreas invadidas (desenvolvimento é medido por maiores taxas de urbanização, mais estradas e por uma estimativa do PIB per capita da época). A explicação dos autores: a revolução francesa, por ter trazido ideais de igualdade perante as leis e por ter tirado do poder elites tradicionais, permitiu o desenvolvimento de melhores instituições que, por vez, trouxeram maior desenvolvimento econômico. Ainda mais, esses achados empíricos contrariam as teses de que instituições criadas no país são "melhores" que instituições importadas.
São necessários alguns cuidados com essas conclusões . Em primeiro lugar, existem vários estudos que mostram a dificuldade de se implementar de forma efetiva instituições por cima (ao invés de deixa-las aparecer naturalmente). São exemplos (i) um experimento feito na Índia mostrando que a criação de conselhos de pais em escolas (que deveriam fiscalizar a atividade escolar) foi pouco capaz de gerar maior participação dos pais nas escolas e maior esforço dos professores (Banerjee e Duflo (2008), Banerjee et al (2008)), (ii) um estudo que mostra que conselhos democráticos criados em vilas indianas por uma emenda constitucional (o propósito do conselho era a alocação de bens públicos no nível da vila) acabaram por ter suas pautas dominadas principalmente por donos de terras (Ban e Rao (2008)). Em geral, diversos estudos mostram a dificuldade de se implementar uma instituição de cima pra baixo em países pobres e, ao mesmo tempo, fazer as pessoas aderirem à instituição da forma desejada.
Em segundo lugar, mesmo que fossemos capazes de implementar instituições "importadas" forma efetiva, a qualidade da instituição naturalmente dependerá não somente da vontade do exportador, como também de outros fatores político-históricos. Por exemplo, é difícil acreditar que a invasão do Hugo Chávez em algum país geraria desenvolvimento. Porém, menos radical que esse exemplo, podemos ver os casos de mudanças institucionais patrocinadas pelos EUA na Guerra Fria. Mais formalmente, Easterly, Satyanath e Berger (2008) mostram que, na guerra fria, uma intervenção americana gerava o mesmo efeito (prejudicial) sobre democracia que uma intervenção da União Soviética.
Daí, vêm as dúvidas com relação ao artigo citado no início do texto: o que garante que a revolução francesa não teve somente o efeito de substituir uma elite por outra, deixando a elite de ser agrária e passando ela a ser urbana? Isso seria coerente com as maiores taxas de urbanização e maior construção de estradas (para abastecer as cidades que, agora, ficaram maiores). Ainda mais, os efeitos da revolução francesa sobre desenvolvimento (medidos por PIB per capita) me pareceram não ser tão robustos no artigo, não só pelas próprias estimativas dos efeitos, como também pela precariedade da medida do PIB per capita antes dos anos 1900 para a Europa.
Acemoglu et al trazem muitas conclusões interessantes no seu artigo, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista de desenvolvimento econômico e institucional. Agora, daí, para concluir que instituições artificialmente implementadas funcionam tão bem quanto instituições criadas naturalmente, precisamos não somente acreditar cegamente no artigo, quanto esquecer diversos outros estudos. Não sei se é pra tanto...
Referências:
ACEMOGLU, Daron, Davide CANTONI, Simon JOHNSON, James ROBINSON; "The Consequences of Radical Reform: The French Revolution", http://econ-www.mit.edu/files/3951
BANERJEE, Abhijit, Esther DUFLO; "Mandated Empowerment Handling Antipoverty Policy Back to the Poor", http://econ-www.mit.edu/files/2887
BANERJEE, Abhijit, Rukmini BANERJI, Esther DUFLO, Rachel GLENNESTER, Stuti KHEMANI, "Pitfalls of Participatory Programs: Evidence from a Randomized Evaluation in Education in India", NBER Working Paper no. 14311
BAN, Radu, Vijayendra RAO; "Is Deliberation Equitable? Evidence from Transcripts of Village Meetings in South India", mimeo
EASTERLY, William, Shanker SATYANATH, Daniel BERGER; "Superpower Interventions and their Consequences for Democracy: An Empirical Inquiry", NBER Working Paper no. 13992
São necessários alguns cuidados com essas conclusões . Em primeiro lugar, existem vários estudos que mostram a dificuldade de se implementar de forma efetiva instituições por cima (ao invés de deixa-las aparecer naturalmente). São exemplos (i) um experimento feito na Índia mostrando que a criação de conselhos de pais em escolas (que deveriam fiscalizar a atividade escolar) foi pouco capaz de gerar maior participação dos pais nas escolas e maior esforço dos professores (Banerjee e Duflo (2008), Banerjee et al (2008)), (ii) um estudo que mostra que conselhos democráticos criados em vilas indianas por uma emenda constitucional (o propósito do conselho era a alocação de bens públicos no nível da vila) acabaram por ter suas pautas dominadas principalmente por donos de terras (Ban e Rao (2008)). Em geral, diversos estudos mostram a dificuldade de se implementar uma instituição de cima pra baixo em países pobres e, ao mesmo tempo, fazer as pessoas aderirem à instituição da forma desejada.
Em segundo lugar, mesmo que fossemos capazes de implementar instituições "importadas" forma efetiva, a qualidade da instituição naturalmente dependerá não somente da vontade do exportador, como também de outros fatores político-históricos. Por exemplo, é difícil acreditar que a invasão do Hugo Chávez em algum país geraria desenvolvimento. Porém, menos radical que esse exemplo, podemos ver os casos de mudanças institucionais patrocinadas pelos EUA na Guerra Fria. Mais formalmente, Easterly, Satyanath e Berger (2008) mostram que, na guerra fria, uma intervenção americana gerava o mesmo efeito (prejudicial) sobre democracia que uma intervenção da União Soviética.
Daí, vêm as dúvidas com relação ao artigo citado no início do texto: o que garante que a revolução francesa não teve somente o efeito de substituir uma elite por outra, deixando a elite de ser agrária e passando ela a ser urbana? Isso seria coerente com as maiores taxas de urbanização e maior construção de estradas (para abastecer as cidades que, agora, ficaram maiores). Ainda mais, os efeitos da revolução francesa sobre desenvolvimento (medidos por PIB per capita) me pareceram não ser tão robustos no artigo, não só pelas próprias estimativas dos efeitos, como também pela precariedade da medida do PIB per capita antes dos anos 1900 para a Europa.
Acemoglu et al trazem muitas conclusões interessantes no seu artigo, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista de desenvolvimento econômico e institucional. Agora, daí, para concluir que instituições artificialmente implementadas funcionam tão bem quanto instituições criadas naturalmente, precisamos não somente acreditar cegamente no artigo, quanto esquecer diversos outros estudos. Não sei se é pra tanto...
Referências:
ACEMOGLU, Daron, Davide CANTONI, Simon JOHNSON, James ROBINSON; "The Consequences of Radical Reform: The French Revolution", http://econ-www.mit.edu/files/3951
BANERJEE, Abhijit, Esther DUFLO; "Mandated Empowerment Handling Antipoverty Policy Back to the Poor", http://econ-www.mit.edu/files/2887
BANERJEE, Abhijit, Rukmini BANERJI, Esther DUFLO, Rachel GLENNESTER, Stuti KHEMANI, "Pitfalls of Participatory Programs: Evidence from a Randomized Evaluation in Education in India", NBER Working Paper no. 14311
BAN, Radu, Vijayendra RAO; "Is Deliberation Equitable? Evidence from Transcripts of Village Meetings in South India", mimeo
EASTERLY, William, Shanker SATYANATH, Daniel BERGER; "Superpower Interventions and their Consequences for Democracy: An Empirical Inquiry", NBER Working Paper no. 13992
sexta-feira, 24 de julho de 2009
Liberdade por si própria
Será que liberdade tem um valor intrínseco, ou é somente um instrumento útil para que as pessoas atinjam seus objetivos? Na história do pensamento econômico (originado como pensamento filosófico, na verdade), a defesa das liberdades veio motivada pela segunda hipótese. Pessoas têm seus objetivos e gostos e, muitas vezes, têm os meios para atingí-los. Nesse caso, pelo fato de que as pessoas conhecem melhor que qualquer um as próprias metas, deveríamos deixar as pessoas agirem por conta própria, ao invés de tomarmos as decisões por elas. Ou seja, esse argumento mais tradicional diz que a liberdade tem um valor somente porque escolhas livres refletem melhor que "escolhas forçadas" os gostos das pessoas .
Porém, em muitas situações atuais, o argumento em favor da liberdade parece ter sido estendido: a liberdade passou a ser defendida como um valor em si próprio. Um exemplo claro desse caso foi a defesa do não à proibição de armas de fogo no referendo sobre o tema em 2005: proibir a comercialização de armas de fogo significava cercear a liberdade dos brasileiros. No caso das armas, a compra de armas por uma pessoa tem um impacto negativo sobre a vida de outros (que não é levado em conta na hora da compra da arma), e portanto, deveria ser restrita se considerássemos somente o argumento tradicional.
Não sei se as pessoas valorizam a própria liberdade por si só. Para saber isso, poderíamos testar a tese em dados. Seguindo a literatura de experimentos em economia, poderíamos convocar sujeitos, dá-los 5 reais, e colocá-los a se deparar com duas salas:
A - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos ou (ii) duas canecas e um biscoito;
B - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos, (ii) duas canecas e um biscoito ou (iii) uma caneca e um biscoito.
Os sujeitos devem pagar uma entrada para a sala em que forem entrar. Sabemos que a sala B dá mais liberdade de escolha aos sujeitos no experimento. Porém, se todos gostarem de canecas e biscoitos ilimitadamente, ninguém escolherá a opção (iii) da sala B. Ou seja, se a liberdade de escolha dos indivíduos só tem valor pela escolha final feita (melhor, pela felicidade que essa escolha final propicia), a sala A e a sala B deveriam ter o mesmo valor para todos os indivíduos. Se o blog ainda tem leitores, quanto vocês pagariam para estar em cada uma das salas?
Por mais que isso distorça os resultados, eis as conclusões que apareceriam do experimento:
(i) Se os indivíduos pagassem a mesma coisa para estar nas duas salas, os pensadores tradicionais estariam certos, e liberdade só teria um valor por permitir que as decisões sejam feitas mais de acordo com os gostos das pessoas.
(ii) Se os indivíduos pagassem mais para estar na sala B que na sala A, a liberdade de escolha, até nessa situação simples, teria um valor em si próprio, por mais que não permitisse nada a mais em termos de satisfação vinda do consumo de canecas e biscoitos.
PS.: Dado o tempo que eu fiquei sem publicar no blog, a minha estimativa é de perda de cerca de 80% dos leitores que o blog tinha.
PS2.: A estimativa é uma atualização da minha crença inicial pelo comentário do Marcelo...
Porém, em muitas situações atuais, o argumento em favor da liberdade parece ter sido estendido: a liberdade passou a ser defendida como um valor em si próprio. Um exemplo claro desse caso foi a defesa do não à proibição de armas de fogo no referendo sobre o tema em 2005: proibir a comercialização de armas de fogo significava cercear a liberdade dos brasileiros. No caso das armas, a compra de armas por uma pessoa tem um impacto negativo sobre a vida de outros (que não é levado em conta na hora da compra da arma), e portanto, deveria ser restrita se considerássemos somente o argumento tradicional.
Não sei se as pessoas valorizam a própria liberdade por si só. Para saber isso, poderíamos testar a tese em dados. Seguindo a literatura de experimentos em economia, poderíamos convocar sujeitos, dá-los 5 reais, e colocá-los a se deparar com duas salas:
A - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos ou (ii) duas canecas e um biscoito;
B - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos, (ii) duas canecas e um biscoito ou (iii) uma caneca e um biscoito.
Os sujeitos devem pagar uma entrada para a sala em que forem entrar. Sabemos que a sala B dá mais liberdade de escolha aos sujeitos no experimento. Porém, se todos gostarem de canecas e biscoitos ilimitadamente, ninguém escolherá a opção (iii) da sala B. Ou seja, se a liberdade de escolha dos indivíduos só tem valor pela escolha final feita (melhor, pela felicidade que essa escolha final propicia), a sala A e a sala B deveriam ter o mesmo valor para todos os indivíduos. Se o blog ainda tem leitores, quanto vocês pagariam para estar em cada uma das salas?
Por mais que isso distorça os resultados, eis as conclusões que apareceriam do experimento:
(i) Se os indivíduos pagassem a mesma coisa para estar nas duas salas, os pensadores tradicionais estariam certos, e liberdade só teria um valor por permitir que as decisões sejam feitas mais de acordo com os gostos das pessoas.
(ii) Se os indivíduos pagassem mais para estar na sala B que na sala A, a liberdade de escolha, até nessa situação simples, teria um valor em si próprio, por mais que não permitisse nada a mais em termos de satisfação vinda do consumo de canecas e biscoitos.
PS.: Dado o tempo que eu fiquei sem publicar no blog, a minha estimativa é de perda de cerca de 80% dos leitores que o blog tinha.
PS2.: A estimativa é uma atualização da minha crença inicial pelo comentário do Marcelo...
segunda-feira, 13 de julho de 2009
Jornalismo só para jornalistas...
Há coisa de um mês atrás, o STF julgou ser inconstitucional a lei que dizia que somente jornalistas podem escrever matérias de jornais. Diversas vozes (melhor, associações de jornalistas) foram rápidas em mostrar sua reprovação à medida. Como poderíamos ter jornais não escritos por jornalistas sem a perda da imparcialidade das matérias? Ainda mais, como notícias de economia, política e mundo seriam compreendidas por um público amplo sem um jornalista para traduzir o jargão das profissões?
Em primeiro lugar, olhar para a realidade pensando que a imparcialidade dos jornais depende de quem é membro da redação é mais ilusão de ótica que realidade. Em última instância, o que vira matéria de primeira página, o layout das manchetes no jornal e as principais manchetes são decisões centralizadas nas mãos do editor chefe da redação e da diretoria do jornal (sejam os membros da redação jornalistas ou não jornalistas).
Pode-se achar demonstrações dessa centralização de decisões com relativa facilidade: há poucos anos atrás, no Ceará, o governo local implementou uma política que agradou a população. Discussões nas salas de diretoria de dois jornais da capital ocorreram para discutir se a manchete do dia seguinte anunciaria “uma vitória da população” ou uma “benesse do governo”. Os jornais, no final, decidiram por focos opostos em suas respectivas manchetes.
O caso acima ainda traz mais um ponto: o que é imparcial, a vitória da população, a benesse do governo, os dois ou nenhum? Em muitos casos, é ambíguo dizer o que é imparcial, e haverá jornalistas e pessoas achando que uma frase é imparcial, enquanto que outros acreditarão que a mesma frase é parcial. Sendo assim, se jornalistas tiverem tanta paixão e capacidade de manter a “imparcialidade” das matérias, esperaríamos que cada jornalista desse prioridade à trabalhar no jornal que ele acredita ser mais imparcial (ou seja, aquele alinhado com a sua ideologia). O resultado desse processo seria uma aglomeração de jornalistas de direita em um jornal e de jornalistas de esquerda noutro (não é difícil perceber que, nesse caso, jornalistas ditando a linha do jornal também geraria parcialidade das notícias). Não somente isso, dizer que os jornalistas são mais capazes de manter a imparcialidade do jornal é dizer que a opinião do jornalista vale mais que a de outro profissional.
Porém, será que permitir que somente jornalistas entrem na redação não poderia facilitar que haja um balanço entre redação e diretoria do jornal? Afinal, se tivéssemos somente jornalistas escrevendo jornais, o passado semelhante dos jornalistas, assim como códigos de ética similares aprendidos na faculdade poderia facilitar a associação dos membros da redação e criar maior equilíbrio na barganha entre redação e diretoria pela ideologia das notícias. O que esse argumento ignora, porém, é que as diretorias dos jornais têm poder de selecionar o jornalista que escreve a notícia: é comum pedir, no processo seletivo de jornais, que o candidato escreva uma notícia (o que permite à diretoria rastrear – por mais que imperfeitamente – a ideologia do jornalista). Da mesma forma, se um jornalista escreve muitas notícias que vão a contra-gosto da diretoria, esta pode simplesmente demitir aquele.
Existe ainda outro ponto favorável ao fim da necessidade do diploma de jornalismo. Já existem não jornalistas trabalhando na escrita dos jornais, eles, porém, só não podem assinar as notícias que escrevem. Nesse sentido, o fim do requerimento do diploma de jornalista pode, na verdade, tornar os jornais mais imparciais, por deixar mais transparente quem é o redator responsável pela parcialidade da notícia.
Por fim, existe o argumento de que jornalistas são profissionais responsáveis por pegar um texto ou notícia da área de algum especialista e torná-lo compreensível para um público leigo. Sem o jornalista na redação, o noticiário de economia, por exemplo, se tornaria incompreensível para um grupo de leitores mais amplo.
Sem tratar da qualidade das faculdades de jornalismo em formar bons “tradutores de jargão”, vale dizer: é do interesse da diretoria dos jornais que as notícias sejam compreensíveis. Jornais querem ter tiragem alta para ganhar na venda de anúncios e comerciais (tanta é a vontade de tiragem alta que o preço do jornal na banca é subsidiado). Notícias incompreensíveis significarão menos leitores e menos venda de anúncios. Sendo assim, se são jornalistas que sabem fazer a tradução do jargão, serão jornalistas os contratados, independente da lei dizer que não jornalistas podem ser contratados. Ou seja, a nova medida do STF só tem o potencial de aumentar a base de candidatos à redatores, tendo o potencial de melhorar a acessibilidade pelos leitores aos textos dos jornais.
É difícil acreditar que a proibição de não jornalistas nas redações gerasse maior imparcialidade das notícias publicadas. Mais difícil ainda de acreditar é que a antiga proibição tornasse os textos mais legíveis para um público alvo grande. Vale dizer, nos Estados Unidos, onde não há restrições de quem pode entrar nas redações, as notícias são escritas majoritariamente por jornalistas. Sendo assim, o único impacto da decisão do STF parece ser tornar os mercados de trabalho de redação de jornais mais eficientes.
Em primeiro lugar, olhar para a realidade pensando que a imparcialidade dos jornais depende de quem é membro da redação é mais ilusão de ótica que realidade. Em última instância, o que vira matéria de primeira página, o layout das manchetes no jornal e as principais manchetes são decisões centralizadas nas mãos do editor chefe da redação e da diretoria do jornal (sejam os membros da redação jornalistas ou não jornalistas).
Pode-se achar demonstrações dessa centralização de decisões com relativa facilidade: há poucos anos atrás, no Ceará, o governo local implementou uma política que agradou a população. Discussões nas salas de diretoria de dois jornais da capital ocorreram para discutir se a manchete do dia seguinte anunciaria “uma vitória da população” ou uma “benesse do governo”. Os jornais, no final, decidiram por focos opostos em suas respectivas manchetes.
O caso acima ainda traz mais um ponto: o que é imparcial, a vitória da população, a benesse do governo, os dois ou nenhum? Em muitos casos, é ambíguo dizer o que é imparcial, e haverá jornalistas e pessoas achando que uma frase é imparcial, enquanto que outros acreditarão que a mesma frase é parcial. Sendo assim, se jornalistas tiverem tanta paixão e capacidade de manter a “imparcialidade” das matérias, esperaríamos que cada jornalista desse prioridade à trabalhar no jornal que ele acredita ser mais imparcial (ou seja, aquele alinhado com a sua ideologia). O resultado desse processo seria uma aglomeração de jornalistas de direita em um jornal e de jornalistas de esquerda noutro (não é difícil perceber que, nesse caso, jornalistas ditando a linha do jornal também geraria parcialidade das notícias). Não somente isso, dizer que os jornalistas são mais capazes de manter a imparcialidade do jornal é dizer que a opinião do jornalista vale mais que a de outro profissional.
Porém, será que permitir que somente jornalistas entrem na redação não poderia facilitar que haja um balanço entre redação e diretoria do jornal? Afinal, se tivéssemos somente jornalistas escrevendo jornais, o passado semelhante dos jornalistas, assim como códigos de ética similares aprendidos na faculdade poderia facilitar a associação dos membros da redação e criar maior equilíbrio na barganha entre redação e diretoria pela ideologia das notícias. O que esse argumento ignora, porém, é que as diretorias dos jornais têm poder de selecionar o jornalista que escreve a notícia: é comum pedir, no processo seletivo de jornais, que o candidato escreva uma notícia (o que permite à diretoria rastrear – por mais que imperfeitamente – a ideologia do jornalista). Da mesma forma, se um jornalista escreve muitas notícias que vão a contra-gosto da diretoria, esta pode simplesmente demitir aquele.
Existe ainda outro ponto favorável ao fim da necessidade do diploma de jornalismo. Já existem não jornalistas trabalhando na escrita dos jornais, eles, porém, só não podem assinar as notícias que escrevem. Nesse sentido, o fim do requerimento do diploma de jornalista pode, na verdade, tornar os jornais mais imparciais, por deixar mais transparente quem é o redator responsável pela parcialidade da notícia.
Por fim, existe o argumento de que jornalistas são profissionais responsáveis por pegar um texto ou notícia da área de algum especialista e torná-lo compreensível para um público leigo. Sem o jornalista na redação, o noticiário de economia, por exemplo, se tornaria incompreensível para um grupo de leitores mais amplo.
Sem tratar da qualidade das faculdades de jornalismo em formar bons “tradutores de jargão”, vale dizer: é do interesse da diretoria dos jornais que as notícias sejam compreensíveis. Jornais querem ter tiragem alta para ganhar na venda de anúncios e comerciais (tanta é a vontade de tiragem alta que o preço do jornal na banca é subsidiado). Notícias incompreensíveis significarão menos leitores e menos venda de anúncios. Sendo assim, se são jornalistas que sabem fazer a tradução do jargão, serão jornalistas os contratados, independente da lei dizer que não jornalistas podem ser contratados. Ou seja, a nova medida do STF só tem o potencial de aumentar a base de candidatos à redatores, tendo o potencial de melhorar a acessibilidade pelos leitores aos textos dos jornais.
É difícil acreditar que a proibição de não jornalistas nas redações gerasse maior imparcialidade das notícias publicadas. Mais difícil ainda de acreditar é que a antiga proibição tornasse os textos mais legíveis para um público alvo grande. Vale dizer, nos Estados Unidos, onde não há restrições de quem pode entrar nas redações, as notícias são escritas majoritariamente por jornalistas. Sendo assim, o único impacto da decisão do STF parece ser tornar os mercados de trabalho de redação de jornais mais eficientes.
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Lobbies - bons ou ruins? (ou...mais um argumento polêmico do blog)
A influência de recursos privados na decisão política é normalmente vista com maus olhos. A interferência de interesses especiais podem afastar a decisão política daquela (potencialmente) mais representativa da maioria e pode abrir espaço para subrepresentação dos membros da população mais pobre na política. Sendo assim, a interferência de lobbies e grupos de pressão política seria uma afronta a valores democráticos.
Apesar da grande relevância desses argumentos, alguns pontos desses argumentos são excessivamente simplistas, ao ponto de mudar dramaticamente algumas conclusões. Em primeiro lugar, o processo decisório por maioria não é o valor único dos regimes democráticos. Em especial, também é um valor democrático a preservação da liberdade e dos direitos de todos. Se escolhas majoritárias fossem suficiente para gerar democracias, um país no qual a maioria expropria toda a renda da minoria poderia ser considerado democrático.
Nesse sentido, lobbies podem atuar como controles para abusos das minorias pelas maiorias: enquanto que estas têm o poder do voto para controlar políticas, aquelas têm maior poder de fazer pressão política. O balanço entre essas duas forças pode garantir um meio termo entre a preservação da liberdade de todos e a escolha pela maioria.
Agora, além desse canal, os grupos de pressão política podem ter uma outra utilidade: a de criar, informalmente, uma arena para negociação de políticas. Em última instância, se todos os indivíduos da sociedade conseguissem fazer lobbies efetivos, provavelmente teríamos um mecanismo de escolha melhor que o voto: afinal, os lobbies levam em conta a valorização que cada agente dá para cada política e podem criar um mercado eficiente para política.
Mesmo tendo esses pontos em vista, a crítica inicial continua relevante. Não podemos argumentar aqui que, ao invés de proibir/restringir os grupos de interesses especiais, deveríamos redistribuir renda de forma que todos pudessem criar os seus próprios grupos de pressão. Afinal, se existem poucos lobbies inicialmente, eles lutarão para impedir a ocorrência de redistribuição de renda (que permitiria o aparecimento de novos lobbies concorrentes). Ainda assim, os pontos servem para uma nova conclusão: se por um lado, não ter lobbies seria bom, por outro, ter lobbies efetivos representando todos os interesses privados possíveis poderia ser ainda melhor. Nesse texto, fica em aberto a questão: uma vez tendo lobbies, qual seria a regulação ideal deles? Quanto restringir a sua atuação, como restringir e como as condições de desigualdade de renda e de poder político alterariam essa regulação ótima?
Referências:
Gary S. Becker [1983], "A Theory of Competition Among Pressure Groups for Political Influence", Quarterly Journal of Economics
Apesar da grande relevância desses argumentos, alguns pontos desses argumentos são excessivamente simplistas, ao ponto de mudar dramaticamente algumas conclusões. Em primeiro lugar, o processo decisório por maioria não é o valor único dos regimes democráticos. Em especial, também é um valor democrático a preservação da liberdade e dos direitos de todos. Se escolhas majoritárias fossem suficiente para gerar democracias, um país no qual a maioria expropria toda a renda da minoria poderia ser considerado democrático.
Nesse sentido, lobbies podem atuar como controles para abusos das minorias pelas maiorias: enquanto que estas têm o poder do voto para controlar políticas, aquelas têm maior poder de fazer pressão política. O balanço entre essas duas forças pode garantir um meio termo entre a preservação da liberdade de todos e a escolha pela maioria.
Agora, além desse canal, os grupos de pressão política podem ter uma outra utilidade: a de criar, informalmente, uma arena para negociação de políticas. Em última instância, se todos os indivíduos da sociedade conseguissem fazer lobbies efetivos, provavelmente teríamos um mecanismo de escolha melhor que o voto: afinal, os lobbies levam em conta a valorização que cada agente dá para cada política e podem criar um mercado eficiente para política.
Mesmo tendo esses pontos em vista, a crítica inicial continua relevante. Não podemos argumentar aqui que, ao invés de proibir/restringir os grupos de interesses especiais, deveríamos redistribuir renda de forma que todos pudessem criar os seus próprios grupos de pressão. Afinal, se existem poucos lobbies inicialmente, eles lutarão para impedir a ocorrência de redistribuição de renda (que permitiria o aparecimento de novos lobbies concorrentes). Ainda assim, os pontos servem para uma nova conclusão: se por um lado, não ter lobbies seria bom, por outro, ter lobbies efetivos representando todos os interesses privados possíveis poderia ser ainda melhor. Nesse texto, fica em aberto a questão: uma vez tendo lobbies, qual seria a regulação ideal deles? Quanto restringir a sua atuação, como restringir e como as condições de desigualdade de renda e de poder político alterariam essa regulação ótima?
Referências:
Gary S. Becker [1983], "A Theory of Competition Among Pressure Groups for Political Influence", Quarterly Journal of Economics
segunda-feira, 18 de maio de 2009
Descriminalização das drogas - o caso português
Existe uma enorme dificuldade de avaliar o impacto de políticas de legalização/descriminalização de drogas, afinal, são poucos os países que fizeram alguma política nesse sentido. Não só isso, conseguimos observar com maior facilidade o consumo de drogas quando elas são legais do que quando elas são ilegais.
Um novo estudo do CATO Institute, porém, mostra uma análise empírica sobre o tema. Portugal, em 2001, aprovou leis que tiravam o consumo de drogas da esfera criminal (apesar de mantê-las na ilegalidade). Muitos foram os argumentos contra: Portugal, com essas leis, passaria a ser destino de turismo para aqueles que quisessem comprar drogas; que o consumo de drogas cresceria muito (o que teria impacto certo sobre sistemas de saúde pública, por exemplo), entre outros.
O que o estudo mostra porém, é que o consumo de drogas não subiu (na verdade, caiu moderadamente comparado à tendência do consumo de drogas em outros países na Europa). Principalmente, a taxa de mortalidade e doenças associadas ao uso de drogas caiu. Os autores especulam: a descriminalização aumentou a capacidade do Estado Português de provisão de tratamentos anti-drogas. Ainda não li o estudo todo, então não posso falar da seriedade dele. Apesar disso, este foi o primeiro estudo empírico que vi sobre legalização/descriminalização do uso de drogas, apesar do tempo decorrido desde que a Holanda (e Canadá, se eu não me engano) legalizaram o uso de algumas drogas. Talvez, as primeiras evidências sérias sobre a legalização das drogas estejam por aparecer em breve...
Um novo estudo do CATO Institute, porém, mostra uma análise empírica sobre o tema. Portugal, em 2001, aprovou leis que tiravam o consumo de drogas da esfera criminal (apesar de mantê-las na ilegalidade). Muitos foram os argumentos contra: Portugal, com essas leis, passaria a ser destino de turismo para aqueles que quisessem comprar drogas; que o consumo de drogas cresceria muito (o que teria impacto certo sobre sistemas de saúde pública, por exemplo), entre outros.
O que o estudo mostra porém, é que o consumo de drogas não subiu (na verdade, caiu moderadamente comparado à tendência do consumo de drogas em outros países na Europa). Principalmente, a taxa de mortalidade e doenças associadas ao uso de drogas caiu. Os autores especulam: a descriminalização aumentou a capacidade do Estado Português de provisão de tratamentos anti-drogas. Ainda não li o estudo todo, então não posso falar da seriedade dele. Apesar disso, este foi o primeiro estudo empírico que vi sobre legalização/descriminalização do uso de drogas, apesar do tempo decorrido desde que a Holanda (e Canadá, se eu não me engano) legalizaram o uso de algumas drogas. Talvez, as primeiras evidências sérias sobre a legalização das drogas estejam por aparecer em breve...
quarta-feira, 13 de maio de 2009
Reforma política - Lista fechada
A necessidade de uma revisão do sistema político brasileiro foi tema para muitas cabeças preocupadas desde o escândalo do mensalão. Porém, apesar de muito se falar do tema, os tópicos da reforma pareceram ter sido pouco discutidas até há pouco. Há pouco tempo, esse cenário mudou, e veio à tona a discussão sobre eleições com lista fechada/aberta para o legislativo.
A proposta é de que ao invés de votarmos em cada congressista, votaríamos em cada partido, cada um com uma lista rankeando os seus candidatos ao congresso. O número de votos recebidos pelo partido determinaria quantos candidatos do ranking do partido iriam para a câmara/senado.
Muitas críticas tem sido feitas à essa proposta. Em primeiro lugar, a lista fechada perpetuaria os líderes dos partidos no congresso, já que eles teriam mais influência para se colocar nos topos das listas dos partidos e se eleger com maior probabilidade. Sendo assim, a competição pelos assentos do congresso se tornaria menor. Não só isso, o voto no partido, ao invés do voto no deputado, incentivaria cada deputado a pegar carona na potencial boa reputação do outro: como o efeito de um deputado ser corrupto seria diluído pelo efeito do seu companheiro de partido ser honesto, cada deputado teria menos incentivo que o desejável a agir eticamente. De fato, em estudos empíricos com dados para vários países, observa-se que em países com sistema de lista fechada, a percepção de corrupção é maior.
Porém, o sistema tem mais qualidades do que o que vem sendo mencionado. Com o voto no partido, e não no deputado, a fiscalização das propostas aprovadas no legislativo pelo eleitor é facilitada. Afinal, no sistema atual, são poucos os eleitores capazes de basear o seu voto na observação dos discursos e leis aprovadas pelo deputado (diga-se de passagem, possibilitada pela TV Câmara e pelo site da Câmara). Por outro lado, com o voto no partido, é mais fácil saber em quem votar, já que é mais fácil conhecer a ideologia do partido que a do deputado (e a lista fechada permite ao partido controlar melhor as ações dos seus deputados). Não existem evidências empíricas para essa tese, mas o motivo é a dificuldade de definir o que é uma lei alinhada com os interesses ideológicos do partido e do eleitor, e não sua falsidade.
Por fim, fica a dúvida: o sistema de voto proporcional brasileiro já faz, em parte, o que o voto em lista fechada faz. Afinal, como vimos há poucas eleições atrás, somente Enéas Carneiro se elegeu pelo PRONA para a Câmara dos Deputados. Porém, sua eleição com mais de um milhão de votos permitiu que outros deputados do PRONA fossem para o congresso. Sendo assim, o sistema proporcional já garante que os líderes dos partidos, de uma forma ou de outra, irão para o congresso. Ou seja, muitos dos incentivos para corrupção gerados pela lista fechada já são gerados pelo voto proporcional brasileiro. Ainda, o sistema de lista fechada não agravaria esses incentivos no Brasil, eu acredito.
Por isso, acho que, no Brasil, os ganhos da lista fechada (advindos de maior alinhamento das propostas aprovadas com a ideologia dos partidos e dos eleitores) superam as perdas do sistema.
Referências
Torsten Persson, Guido Tabellini, Francesco Trebbi, "Electoral Rules and Corruption", Journal of the European Economic Association
A proposta é de que ao invés de votarmos em cada congressista, votaríamos em cada partido, cada um com uma lista rankeando os seus candidatos ao congresso. O número de votos recebidos pelo partido determinaria quantos candidatos do ranking do partido iriam para a câmara/senado.
Muitas críticas tem sido feitas à essa proposta. Em primeiro lugar, a lista fechada perpetuaria os líderes dos partidos no congresso, já que eles teriam mais influência para se colocar nos topos das listas dos partidos e se eleger com maior probabilidade. Sendo assim, a competição pelos assentos do congresso se tornaria menor. Não só isso, o voto no partido, ao invés do voto no deputado, incentivaria cada deputado a pegar carona na potencial boa reputação do outro: como o efeito de um deputado ser corrupto seria diluído pelo efeito do seu companheiro de partido ser honesto, cada deputado teria menos incentivo que o desejável a agir eticamente. De fato, em estudos empíricos com dados para vários países, observa-se que em países com sistema de lista fechada, a percepção de corrupção é maior.
Porém, o sistema tem mais qualidades do que o que vem sendo mencionado. Com o voto no partido, e não no deputado, a fiscalização das propostas aprovadas no legislativo pelo eleitor é facilitada. Afinal, no sistema atual, são poucos os eleitores capazes de basear o seu voto na observação dos discursos e leis aprovadas pelo deputado (diga-se de passagem, possibilitada pela TV Câmara e pelo site da Câmara). Por outro lado, com o voto no partido, é mais fácil saber em quem votar, já que é mais fácil conhecer a ideologia do partido que a do deputado (e a lista fechada permite ao partido controlar melhor as ações dos seus deputados). Não existem evidências empíricas para essa tese, mas o motivo é a dificuldade de definir o que é uma lei alinhada com os interesses ideológicos do partido e do eleitor, e não sua falsidade.
Por fim, fica a dúvida: o sistema de voto proporcional brasileiro já faz, em parte, o que o voto em lista fechada faz. Afinal, como vimos há poucas eleições atrás, somente Enéas Carneiro se elegeu pelo PRONA para a Câmara dos Deputados. Porém, sua eleição com mais de um milhão de votos permitiu que outros deputados do PRONA fossem para o congresso. Sendo assim, o sistema proporcional já garante que os líderes dos partidos, de uma forma ou de outra, irão para o congresso. Ou seja, muitos dos incentivos para corrupção gerados pela lista fechada já são gerados pelo voto proporcional brasileiro. Ainda, o sistema de lista fechada não agravaria esses incentivos no Brasil, eu acredito.
Por isso, acho que, no Brasil, os ganhos da lista fechada (advindos de maior alinhamento das propostas aprovadas com a ideologia dos partidos e dos eleitores) superam as perdas do sistema.
Referências
Torsten Persson, Guido Tabellini, Francesco Trebbi, "Electoral Rules and Corruption", Journal of the European Economic Association
sábado, 25 de abril de 2009
Favelização
Apesar de pouco entendidas como tal, as favelas são problemas sérios urbanos. De início, a construção de favelas significa por em risco áreas de preservação ambiental. Colocando-se de forma simples: um novo morador de uma favela gera um impacto sobre o meio ambiente que é sentido pelos antigos moradores, e sendo assim, o novo morador não se depara com todos os custos ambientais que gera, causando mais danos ambientais do que o socialmente desejável. Ainda, além do problema ambiental, existe um problema habitacional. A construção de casas em favelas é feita em áreas com riscos de deslizamento, além de, potencialmente, usarem materiais de pior qualidade e engenharia menos que formal. A existência desses problemas pode não ser de conhecimento dos moradores das favelas, o que torna a problemática especialmente injusta. Por fim, um problema de inclusão e igualdade de oportunidades existe como decorrência do status de favelado: o morador da favela tem difícil acesso à crédito, pode ter sua casa tomada – afinal, não existe nenhuma formalização dos direitos do favelado sobre a sua casa –, e por esses problemas todos, tem muito menos capacidade e vontade de fazer investimentos produtivos.
Por esses e muitos outros motivos, as políticas dirigidas aos moradores de favelas e direcionadas à contenção do crescimento de favelas são de grande importância. Em especial, advogados de diversos lados argumentam por algumas soluções: a concessão de direitos de propriedade das casas aos favelados, a criação de novas políticas habitacionais por parte do Estado (criação de casas e apartamentos a preços subsidiados para os pobres), e mais recentemente, a construção de muros para conter o avanço das favelas.
Naturalmente, cada uma dessas políticas tem suas vantagens, porém, também tem várias falhas. Considerando de início a política de criação de casas e apartamentos a preços subsidiados, a grande vantagem dela parece estar associada ao sério problema de crédito enfrentado pelos favelados: por não terem sua própria residência, os favelados não conseguem crédito, o que por vez, os impede de comprar uma casa. Dar uma casa a preços subsidiados parece, nesse sentido, ser equivalente a tirar os favelados de uma armadilha de pobreza. Por outro lado, essa política tem seus problemas também: se as pessoas compram casas em favelas, por exemplo, por proximidade do trabalho (e não por incapacidade de comprar uma casa fora da favela), essa política não ajuda em nada. Ainda, se queremos aliviar o problema de crédito dos mais pobres, o melhor a fazer é atuar para tornar os mercados de crédito mais eficientes, e não usar políticas habitacionais para resolver o problema.
Nesse sentido, a política de concessão de direitos de propriedade das casas parece ser mais eficiente. Os problemas de acesso a crédito se tornam menores e a capacidade de investimentos produtivos por parte dos favelados cresce. Ainda, essa política faz crescer os incentivos a usar melhores materiais e engenharia nas casas na favela: afinal, uma reforma em uma casa alugada vale muito menos para o morador do que uma reforma em uma casa própria. Por outro lado, muitas ambigüidades existem: o ideal é conceder a propriedade para o morador da casa ou para o dono que a aluga? Enquanto que a concessão ao morador parece ser mais efetiva em atingir aqueles que realmente tem restrições de acesso a crédito, a concessão ao morador pode diminuir o valor da casa na favela: quem quisesse comprar uma casa na favela para alugar poderia enfrentar o problema de perder sua propriedade no futuro. Além disso, ainda existe um problema de curto prazo de que a concessão de direitos de propriedade poderia destruir redes sociais que atualmente fazem os acordos valerem. Por fim, ainda existe o problema ambiental: a concessão de direitos de propriedade pode ser um incentivo à invasão de novas áreas de preservação ambiental.
Para evitar o problema ambiental, uma política alternativa foi proposta recentemente: a construção de muros que evitem a expansão da favela. Essa política claramente impede a expansão das favelas já existentes, podendo ser usada em conjunto com a anterior para evitar o problema ambiental. Ainda assim, existem falhas nessa política: esses muros não tem como impedir construção de novas favelas, para as quais iriam os moradores que, antes do muro, expandiriam as favelas antigas. Ainda, os muros não são suficientes para resolver boa parte dos problemas econômicos dos favelados.
Todas essas políticas parecem amplamente incompletas. Uma política, por outro lado, que parece pouco discutida, apesar de amplamente relacionada com o problema, é a de transporte público. Em última instância, pode-se pensar que as pessoas, na hora de decidir onde morar, ponderam a distância entre o lugar onde moram e seus respectivos trabalhos versus o preço da moradia e a expectativa de valorização da propriedade. A escolha de morar em favelas sem direito de propriedade sobre a casa (ou seja, morar perto do trabalho mas não ter expectativa de valorização da propriedade) versus morar longe com direito de propriedade sobre a casa depende, em última instância, dos custos de transporte. Se o transporte é rápido e eficiente, os benefícios de ter a propriedade sobre a própria casa vencem a distância do trabalho, o que leva as pessoas a adquirirem casas longe do trabalho e da favela.
Ou seja, será que a favelização é um efeito colateral de más condições de mobilidade dentro das cidades grandes brasileiras? Além desse problema, e restrições de crédito, o que mais pode gerar favelização? Entender isso é a raíz para achar soluções para o problema.
Por esses e muitos outros motivos, as políticas dirigidas aos moradores de favelas e direcionadas à contenção do crescimento de favelas são de grande importância. Em especial, advogados de diversos lados argumentam por algumas soluções: a concessão de direitos de propriedade das casas aos favelados, a criação de novas políticas habitacionais por parte do Estado (criação de casas e apartamentos a preços subsidiados para os pobres), e mais recentemente, a construção de muros para conter o avanço das favelas.
Naturalmente, cada uma dessas políticas tem suas vantagens, porém, também tem várias falhas. Considerando de início a política de criação de casas e apartamentos a preços subsidiados, a grande vantagem dela parece estar associada ao sério problema de crédito enfrentado pelos favelados: por não terem sua própria residência, os favelados não conseguem crédito, o que por vez, os impede de comprar uma casa. Dar uma casa a preços subsidiados parece, nesse sentido, ser equivalente a tirar os favelados de uma armadilha de pobreza. Por outro lado, essa política tem seus problemas também: se as pessoas compram casas em favelas, por exemplo, por proximidade do trabalho (e não por incapacidade de comprar uma casa fora da favela), essa política não ajuda em nada. Ainda, se queremos aliviar o problema de crédito dos mais pobres, o melhor a fazer é atuar para tornar os mercados de crédito mais eficientes, e não usar políticas habitacionais para resolver o problema.
Nesse sentido, a política de concessão de direitos de propriedade das casas parece ser mais eficiente. Os problemas de acesso a crédito se tornam menores e a capacidade de investimentos produtivos por parte dos favelados cresce. Ainda, essa política faz crescer os incentivos a usar melhores materiais e engenharia nas casas na favela: afinal, uma reforma em uma casa alugada vale muito menos para o morador do que uma reforma em uma casa própria. Por outro lado, muitas ambigüidades existem: o ideal é conceder a propriedade para o morador da casa ou para o dono que a aluga? Enquanto que a concessão ao morador parece ser mais efetiva em atingir aqueles que realmente tem restrições de acesso a crédito, a concessão ao morador pode diminuir o valor da casa na favela: quem quisesse comprar uma casa na favela para alugar poderia enfrentar o problema de perder sua propriedade no futuro. Além disso, ainda existe um problema de curto prazo de que a concessão de direitos de propriedade poderia destruir redes sociais que atualmente fazem os acordos valerem. Por fim, ainda existe o problema ambiental: a concessão de direitos de propriedade pode ser um incentivo à invasão de novas áreas de preservação ambiental.
Para evitar o problema ambiental, uma política alternativa foi proposta recentemente: a construção de muros que evitem a expansão da favela. Essa política claramente impede a expansão das favelas já existentes, podendo ser usada em conjunto com a anterior para evitar o problema ambiental. Ainda assim, existem falhas nessa política: esses muros não tem como impedir construção de novas favelas, para as quais iriam os moradores que, antes do muro, expandiriam as favelas antigas. Ainda, os muros não são suficientes para resolver boa parte dos problemas econômicos dos favelados.
Todas essas políticas parecem amplamente incompletas. Uma política, por outro lado, que parece pouco discutida, apesar de amplamente relacionada com o problema, é a de transporte público. Em última instância, pode-se pensar que as pessoas, na hora de decidir onde morar, ponderam a distância entre o lugar onde moram e seus respectivos trabalhos versus o preço da moradia e a expectativa de valorização da propriedade. A escolha de morar em favelas sem direito de propriedade sobre a casa (ou seja, morar perto do trabalho mas não ter expectativa de valorização da propriedade) versus morar longe com direito de propriedade sobre a casa depende, em última instância, dos custos de transporte. Se o transporte é rápido e eficiente, os benefícios de ter a propriedade sobre a própria casa vencem a distância do trabalho, o que leva as pessoas a adquirirem casas longe do trabalho e da favela.
Ou seja, será que a favelização é um efeito colateral de más condições de mobilidade dentro das cidades grandes brasileiras? Além desse problema, e restrições de crédito, o que mais pode gerar favelização? Entender isso é a raíz para achar soluções para o problema.
segunda-feira, 16 de março de 2009
Diversidade religiosa e desenvolvimento
A pergunta tradicional de quem quer entender desenvolvimento econômico é: "por que os noroeste europeu e os Estados Unidos se desenvolveram, enquanto que outros países não se desenvolveram?". Muito já foi escrito sobre isso. Uma pergunta bem menos comum, mas provavelmente tão informativa quanto a anterior, é: "por que os impérios árabes eram muito desenvolvidos comparativamente à Europa na Idade Média, e por que isso se reverteu?"
A resposta mais conhecida às mudanças de ventos no desenvolvimento dos países foi dada por Acemoglu, Johnson e Robinson: durante o período colonial, as colônias de extração eram mais bem sucedidas que as colônias de povoamento. Porém, após a independência, as melhores instituições econômicas destas colônias as levaram ao desenvolvimento, enquanto que as instituições extrativas daquelas colônias as levaram ao subdesenvolvimento.
Essa tese, porém, parece ser pouco aplicável ao caso do desenvolvimento árabe. Afinal, os impérios árabes se desenvolveram a medida que foram conquistando novas regiões, o que os coloca em posição diferente das colônias descritas acima. Ao mesmo tempo, é necessário algum esforço para dizer que o desenvolvimento árabe foi gerado pelas conquistas. Não foram poucos os países que conquistaram muitas terras, e permaneceram subdesenvolvidos (ex.: ao contrário da cultura popular, se relata que Espanha e Portugal entre 1500 e 1700 tiveram problemas com inflação e endividamento, não tendo se desenvolvido como a Holanda, por exemplo, que teve poucas colônias nesse período).
Eric Chaney, economista de Harvard, tem uma tese alternativa interessante. As conquistas árabes da Idade Média, ao criar diversidade religiosa nos impérios árabes, incentivou a elite religiosa a patrocinar o estudo de lógica e ciências. Apesar de o estudo de lógica ter sido visto por essas elites como ameaça a religiosidade dos islâmicos da época, a lógica inicialmente foi instrumento útil para o proselitismo islâmico. Proibidos religiosamente e oficialmente de usar coerção na conversão, o aprendizado de lógica helênica em conjunto com impostos oficiais pagos por não islâmicos foram os únicos instrumentos de conversão possíveis.
Essa tese tem uma afirmação clara. Quanto mais homogeneamente islâmicos fossem os impérios árabes, menor o incentivo ao proselitismo e ao estudo da lógica. Chaney consegue, em seu trabalho, uma medida (imperfeita) de produção intelectual árabe, dividida em produção filosófica-lógica (vista como ameaças à religião) versus produção médica (que não era vista como ameaça às elites religiosas). Ao mesmo tempo, registros históricos dão conta de quando cada império árabe se tornou homogeneamente islâmico. O que se observa nos dados é uma queda da produção filosófica-lógica nos impérios que passam a ser homogeneamente islâmicos (não acompanhada da queda da produção médica). Dado que os estudos de lógica da época estão relacionados à desenvolvimento dos algarismos, de algebra e matemática atualmente ensinada nas escolas, é bem possível que tais estudos estejam relacionados ao desenvolvimento econômico dos árabes da época.
A tese, resumidamente, é: a tolerância religiosa da época (via proibição de conversão forçada), em conjunto com a diversidade religiosa, produziram avanço tecnológico e desenvolvimento econômico. Essa é uma tese bastante surpreendente, principalmente tendo em vista estudos que mostram fragmentação étnica como uma explicação para baixa provisão de bens públicos e subdesenvolvimento. Como a divisão da sociedade em grupos religiosos - divisão essa que provavelmente gera dificuldades de comunicação e transação entre membros da sociedade - pode gerar incentivos ao desenvolvimento, como no caso dos árabes da Idade Média? A resposta à essa pergunta, provavelmente, nos fará aprender muito do caso "rise and fall" dos árabes na Idade Média.
Referências:
Acemoglu, Johnson e Robinson, "Institutions as the Fundamental Cause of Long-Run Growth"
Eric Chaney, "Tolerance, Religious Competition, and the Rise and Fall of Muslim Science", Working Paper
A resposta mais conhecida às mudanças de ventos no desenvolvimento dos países foi dada por Acemoglu, Johnson e Robinson: durante o período colonial, as colônias de extração eram mais bem sucedidas que as colônias de povoamento. Porém, após a independência, as melhores instituições econômicas destas colônias as levaram ao desenvolvimento, enquanto que as instituições extrativas daquelas colônias as levaram ao subdesenvolvimento.
Essa tese, porém, parece ser pouco aplicável ao caso do desenvolvimento árabe. Afinal, os impérios árabes se desenvolveram a medida que foram conquistando novas regiões, o que os coloca em posição diferente das colônias descritas acima. Ao mesmo tempo, é necessário algum esforço para dizer que o desenvolvimento árabe foi gerado pelas conquistas. Não foram poucos os países que conquistaram muitas terras, e permaneceram subdesenvolvidos (ex.: ao contrário da cultura popular, se relata que Espanha e Portugal entre 1500 e 1700 tiveram problemas com inflação e endividamento, não tendo se desenvolvido como a Holanda, por exemplo, que teve poucas colônias nesse período).
Eric Chaney, economista de Harvard, tem uma tese alternativa interessante. As conquistas árabes da Idade Média, ao criar diversidade religiosa nos impérios árabes, incentivou a elite religiosa a patrocinar o estudo de lógica e ciências. Apesar de o estudo de lógica ter sido visto por essas elites como ameaça a religiosidade dos islâmicos da época, a lógica inicialmente foi instrumento útil para o proselitismo islâmico. Proibidos religiosamente e oficialmente de usar coerção na conversão, o aprendizado de lógica helênica em conjunto com impostos oficiais pagos por não islâmicos foram os únicos instrumentos de conversão possíveis.
Essa tese tem uma afirmação clara. Quanto mais homogeneamente islâmicos fossem os impérios árabes, menor o incentivo ao proselitismo e ao estudo da lógica. Chaney consegue, em seu trabalho, uma medida (imperfeita) de produção intelectual árabe, dividida em produção filosófica-lógica (vista como ameaças à religião) versus produção médica (que não era vista como ameaça às elites religiosas). Ao mesmo tempo, registros históricos dão conta de quando cada império árabe se tornou homogeneamente islâmico. O que se observa nos dados é uma queda da produção filosófica-lógica nos impérios que passam a ser homogeneamente islâmicos (não acompanhada da queda da produção médica). Dado que os estudos de lógica da época estão relacionados à desenvolvimento dos algarismos, de algebra e matemática atualmente ensinada nas escolas, é bem possível que tais estudos estejam relacionados ao desenvolvimento econômico dos árabes da época.
A tese, resumidamente, é: a tolerância religiosa da época (via proibição de conversão forçada), em conjunto com a diversidade religiosa, produziram avanço tecnológico e desenvolvimento econômico. Essa é uma tese bastante surpreendente, principalmente tendo em vista estudos que mostram fragmentação étnica como uma explicação para baixa provisão de bens públicos e subdesenvolvimento. Como a divisão da sociedade em grupos religiosos - divisão essa que provavelmente gera dificuldades de comunicação e transação entre membros da sociedade - pode gerar incentivos ao desenvolvimento, como no caso dos árabes da Idade Média? A resposta à essa pergunta, provavelmente, nos fará aprender muito do caso "rise and fall" dos árabes na Idade Média.
Referências:
Acemoglu, Johnson e Robinson, "Institutions as the Fundamental Cause of Long-Run Growth"
Eric Chaney, "Tolerance, Religious Competition, and the Rise and Fall of Muslim Science", Working Paper
sábado, 7 de março de 2009
Bailout americano - teorias e fatos estilizados
Em geral, quando vivemos crises como a atual, a teoria macroeconômica desenvolvida por Keynes sugere que uma boa forma de sair da crise é criar pacotes de estímulo fiscal. Keynes explica: quando a renda das pessoas cresce, uma parte desse aumento de renda vira consumo. Sendo assim, o maior gasto do governo (do pacote de estímulo fiscal), ao aumentar a renda de algumas pessoas, estimula o consumo delas, que por sua vez, aumenta a renda de outras pessoas. Ou seja, o bailout americano iniciaria, nas atuais circunstâncias (de demanda baixa), um ciclo virtuoso que levaria a um aumento de renda maior do que o correspondente ao aumento dos gastos do governo.
Porém, não existe consenso nesse campo. Alguns economistas argumentam que aumentos de gastos do governo são acompanhados por expectativas de impostos mais altos no futuro (para compensar o endividamento do governo). Por esse motivo, os gastos do governo deixariam de incentivar maior consumo. Dessa forma, sendo os gastos do governo também associados a ineficiências no nível micro-econômico e menor taxa de investimento privado, pacotes de estimulo fiscal acabam perdendo razão.
É difícil, porém, obter nos dados uma resposta definitiva para qual teoria está certa. Não existe evidência estrita nenhuma para a teoria do parágrafo anterior, porém, as evidências não confirmam exatamente a tese de Keynes. O motivo para isso me parece ser, em parte, o fato de que ambas as teorias foram descritas de forma muito rígida.
Vamos agora supor que existem dois países enfrentando a crise atual, um com governo endividado e outro sem dívida pública. Ambos os governos começam a gastar para que seus respectivos países saiam da crise. Porém, é razoável crer que no país sem dívida, o governo consiga gastar sem ter que subir impostos no futuro. Por outro lado, no país endividado, é mais provável que o governo tenha que subir impostos em breve para reajustar seu orçamento. Sendo assim, o aumento de gastos governamentais teria mais efeito sobre PIB no país sem dívida que no país com dívida.
O gráfico acima mostra países da OECD entre 1999 e 2004. Os pontos em azul indicam países-ano em que o índice de dívida pública sobre PIB estava abaixo de 60%, enquanto que os pontos em vermelhor indicam países-ano em que o índice de dívida pública sobre PIB estava acima de 60%. O eixo horizontal indica variação de gastos do governo, enquanto que o eixo vertical indica crescimento do PIB. O que o gráfico mostra: em países mais endividados, a correlação entre crescimento de gastos públicos e crescimento do PIB é menor.
Essa evidência talvez seja um pouco mais forte do que ela parece a primeira vista: (1) estamos controlando para características não observadas dos países (ao ver o impacto do crescimento de gastos sobre crescimento do PIB); (2) estamos, ao considerar somente a OECD, reduzindo potenciais problemas relacionados a calote de dívida (o que furaria a idéia teórica descrita antes). Porém, com certeza, essa evidência não é causal: (1) É bem provável que o impacto dos gastos de governo sobre PIB varie entre países; (2) pode ser que os gastos do governo estejam sendo gerados por crescimento do PIB, ao invés do contrário; (3) pode ser que ao selecionar Dívida/PIB como indicador, capturemos os países que crescem menos como aqueles muito endividados. Para completar o trabalho, falta: (a) achar uma variável instrumental para gastos do governo, (b) procurar outros determinantes de expectativas (eu pensei em filiação política do governo), (c) expandir a base de dados para englobar mais anos e mais países (controlando para risco de calote e prazo médio de vencimento da dívida) e (d) obviamente, tornar a análise estatística mais precisa.
Talvez eu esteja falando isso por não ser macroeconomista, mas isso me deixa mais cético com relação ao bailout americano contra a crise (vamos relembrar: os EUA estão bastante endividados).
Porém, não existe consenso nesse campo. Alguns economistas argumentam que aumentos de gastos do governo são acompanhados por expectativas de impostos mais altos no futuro (para compensar o endividamento do governo). Por esse motivo, os gastos do governo deixariam de incentivar maior consumo. Dessa forma, sendo os gastos do governo também associados a ineficiências no nível micro-econômico e menor taxa de investimento privado, pacotes de estimulo fiscal acabam perdendo razão.
É difícil, porém, obter nos dados uma resposta definitiva para qual teoria está certa. Não existe evidência estrita nenhuma para a teoria do parágrafo anterior, porém, as evidências não confirmam exatamente a tese de Keynes. O motivo para isso me parece ser, em parte, o fato de que ambas as teorias foram descritas de forma muito rígida.
Vamos agora supor que existem dois países enfrentando a crise atual, um com governo endividado e outro sem dívida pública. Ambos os governos começam a gastar para que seus respectivos países saiam da crise. Porém, é razoável crer que no país sem dívida, o governo consiga gastar sem ter que subir impostos no futuro. Por outro lado, no país endividado, é mais provável que o governo tenha que subir impostos em breve para reajustar seu orçamento. Sendo assim, o aumento de gastos governamentais teria mais efeito sobre PIB no país sem dívida que no país com dívida.
O gráfico acima mostra países da OECD entre 1999 e 2004. Os pontos em azul indicam países-ano em que o índice de dívida pública sobre PIB estava abaixo de 60%, enquanto que os pontos em vermelhor indicam países-ano em que o índice de dívida pública sobre PIB estava acima de 60%. O eixo horizontal indica variação de gastos do governo, enquanto que o eixo vertical indica crescimento do PIB. O que o gráfico mostra: em países mais endividados, a correlação entre crescimento de gastos públicos e crescimento do PIB é menor.
Essa evidência talvez seja um pouco mais forte do que ela parece a primeira vista: (1) estamos controlando para características não observadas dos países (ao ver o impacto do crescimento de gastos sobre crescimento do PIB); (2) estamos, ao considerar somente a OECD, reduzindo potenciais problemas relacionados a calote de dívida (o que furaria a idéia teórica descrita antes). Porém, com certeza, essa evidência não é causal: (1) É bem provável que o impacto dos gastos de governo sobre PIB varie entre países; (2) pode ser que os gastos do governo estejam sendo gerados por crescimento do PIB, ao invés do contrário; (3) pode ser que ao selecionar Dívida/PIB como indicador, capturemos os países que crescem menos como aqueles muito endividados. Para completar o trabalho, falta: (a) achar uma variável instrumental para gastos do governo, (b) procurar outros determinantes de expectativas (eu pensei em filiação política do governo), (c) expandir a base de dados para englobar mais anos e mais países (controlando para risco de calote e prazo médio de vencimento da dívida) e (d) obviamente, tornar a análise estatística mais precisa.
Talvez eu esteja falando isso por não ser macroeconomista, mas isso me deixa mais cético com relação ao bailout americano contra a crise (vamos relembrar: os EUA estão bastante endividados).
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
História pra que?
Saíram notícias hoje com relação aos novos planos do presidente Barack Obama para o combate a crise. Entre as medidas, estavam o anúncio de protecionismo sofisticado para ferro e aço americano: o governo quer aprovar, junto com um pacote de 819 bilhões de dólares, uma medida que proíbe o tesouro americano de comprar ferro e aço estrangeiros para obras de infraestrutura.
Para entender melhor o cenário e as percepções políticas nos EUA com relação ao pacote, o jornal "O Globo" entrevistou o deputado democrata americano, Brian Baird, com relação a essas medidas. O que pode ser falado de melhor (talvez, de mais otimista) sobre a entrevista é: a classe política brasileira, comparativamente, é até mediana...
Entre as pérolas criadas pelo deputado, estão as frases:
"Até Adam Smith [...] acreditava que há algumas áreas essenciais para a segurança doméstica, e que precisam ter algum tipo de proteção. Acredito que a produção de aço é uma dessas áreas." (Vejam o misto: um argumento de autoridade mal dado, junto com a hipótese pífia de que um país sem uma indústria de aço não tem segurança nacional. (1) O Brasil tem indústria de aço, mas será que tem um exército forte o suficiente pra lutar uma guerra? (2) Por que será que só em períodos de crise econômica que o aço é relevante pra segurança nacional, e só em períodos de crise é necessário defender a indústria de aço?)
(Em resposta a pergunta: "Se outros países reagirem, não há risco de uma guerra comercial?") "Isso seria um erro terrível. Não é do interesse da Europa ou do resto do mundo ver a economia americana continuar no estado que está." (Realmente, por esse desinteresse na crise americana, o mundo começará a ser caridoso com os EUA, e não retaliar medidas de proteção comercial. Se bobear, para o deputado, o mundo vai mais longe, e deixarão de haver ameaças terroristas contra os EUA....por que os EUA não pensaram nisso antes? Medida para acabar com ameaças a segurança nacional: entrar em crise econômica...)
"Se você acredita que é preciso ter um pacote de estímulo para ajudar a economia americana e, portanto, a economia global, você vai ter que engolir, pelo menos temporariamente, a cláusula 'Compre EUA'." (Essa é uma pérola que precisa de esforço pra ser criada. Eu não acredito que as pessoas consigam ser tão burras naturalmente - talvez eu seja esperançoso demais. Basicamente, o deputado começa com uma hipótese bem estranha de que protecionismo é necessário ao pacote de estímulo à economia americana. E para fechar com chave de ouro, o deputado propõe: para ajudar o resto do mundo - mundo menos EUA -, o resto do mundo tem que redistribuir renda para os EUA e engolir a cláusula 'Compre EUA'.)
Os EUA têm na sua história um caso parecido com o atual, ocorrido há cerca de 80 anos atrás, em que houve crise na Bolsa de Valores de NY, a taxa de desemprego chegou a níveis estratosféricos e tudo mais que pode acontecer numa crise aconteceu. Eles tentaram a mesma saída pra crise: criar proteção comercial com a passagem da lei Smoot-Hawley e adivinhem: não deu certo. Ao mesmo tempo, o Senado Americano (ou a Câmara dos Deputados americana) tem a maior biblioteca do mundo. Não é possível que aprender a história americana seja tão caro para esse deputado, e nem que seja tão caro para o Obama.
Para entender melhor o cenário e as percepções políticas nos EUA com relação ao pacote, o jornal "O Globo" entrevistou o deputado democrata americano, Brian Baird, com relação a essas medidas. O que pode ser falado de melhor (talvez, de mais otimista) sobre a entrevista é: a classe política brasileira, comparativamente, é até mediana...
Entre as pérolas criadas pelo deputado, estão as frases:
"Até Adam Smith [...] acreditava que há algumas áreas essenciais para a segurança doméstica, e que precisam ter algum tipo de proteção. Acredito que a produção de aço é uma dessas áreas." (Vejam o misto: um argumento de autoridade mal dado, junto com a hipótese pífia de que um país sem uma indústria de aço não tem segurança nacional. (1) O Brasil tem indústria de aço, mas será que tem um exército forte o suficiente pra lutar uma guerra? (2) Por que será que só em períodos de crise econômica que o aço é relevante pra segurança nacional, e só em períodos de crise é necessário defender a indústria de aço?)
(Em resposta a pergunta: "Se outros países reagirem, não há risco de uma guerra comercial?") "Isso seria um erro terrível. Não é do interesse da Europa ou do resto do mundo ver a economia americana continuar no estado que está." (Realmente, por esse desinteresse na crise americana, o mundo começará a ser caridoso com os EUA, e não retaliar medidas de proteção comercial. Se bobear, para o deputado, o mundo vai mais longe, e deixarão de haver ameaças terroristas contra os EUA....por que os EUA não pensaram nisso antes? Medida para acabar com ameaças a segurança nacional: entrar em crise econômica...)
"Se você acredita que é preciso ter um pacote de estímulo para ajudar a economia americana e, portanto, a economia global, você vai ter que engolir, pelo menos temporariamente, a cláusula 'Compre EUA'." (Essa é uma pérola que precisa de esforço pra ser criada. Eu não acredito que as pessoas consigam ser tão burras naturalmente - talvez eu seja esperançoso demais. Basicamente, o deputado começa com uma hipótese bem estranha de que protecionismo é necessário ao pacote de estímulo à economia americana. E para fechar com chave de ouro, o deputado propõe: para ajudar o resto do mundo - mundo menos EUA -, o resto do mundo tem que redistribuir renda para os EUA e engolir a cláusula 'Compre EUA'.)
Os EUA têm na sua história um caso parecido com o atual, ocorrido há cerca de 80 anos atrás, em que houve crise na Bolsa de Valores de NY, a taxa de desemprego chegou a níveis estratosféricos e tudo mais que pode acontecer numa crise aconteceu. Eles tentaram a mesma saída pra crise: criar proteção comercial com a passagem da lei Smoot-Hawley e adivinhem: não deu certo. Ao mesmo tempo, o Senado Americano (ou a Câmara dos Deputados americana) tem a maior biblioteca do mundo. Não é possível que aprender a história americana seja tão caro para esse deputado, e nem que seja tão caro para o Obama.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
Israel vs. Hamas - Comentário sobre as discussões atuais
Em face à nova escalada de violência na região próxima à Faixa de Gaza, o assunto do conflito entre Israel e a Palestina voltou a ser discutido. A discussão de agora, como era de se esperar, contém os mesmos argumentos das últimas quinhentas discussões sobre o tema (o que pode ser uma grande surpresa para alguns: como as pessoas, quando se trata de política, têm cabeça dura).
De um lado, defensores das ações israelenses dizem que os ataques do governo são estrategicamente e moralmente justificáveis, tanto por criar uma punição ao terrorismo quanto pelo direito do Estado de Israel de se defender. Outro argumento, de Alan Dershowitz, conhecido advogado de Harvard, joga a culpa por mortes civis palestinas aos movimentos terroristas: a atuação moral e democrática de Israel, evitando mortes civis, incentiva o uso de escudos humanos como proteção por parte do Hamas, o que não ocorreria fosse Israel uma autocracia.
Por outro lado, os opositores da estratégia israelense argumentam que os ataques israelenses só geram ódio dos palestinos contra judeus, o que motiva mais terrorismo. Além do mais, mortes civis palestinas não são justificáveis por mortes civis israelenses; e a desproporcionalidade dos ataques israelenses, muito mais fortes que os ataques terroristas, é um absurdo humanitário.
Apesar das defesas apaixonadas dessas teses, o debate seguiu o caminho errado. Qualquer julgamento a ser feito, assim como qualquer solução a ser proposta, depende essencialmente do entendimento das motivações reais de cada lado. E os debatedores acima, ao contar com má análise de dados e seguir uma teoria de divinização e demonização, são incapazes de comprovar seus argumentos e, portanto, de julgar ou propor soluções para o fim da violência.
O que as experiências indicam, ao passarem por análises melhores (que, pelo menos, são mais precisas e representativas que as historinhas contados pelos lados), é que o Estado de Israel age motivado pela criação de sanções contra terroristas. Afinal, em momentos com mais terrorismo, Israel ataca mais. Mais ainda, as análises mostram que ataques de Israel não geram aumentos de terrorismo no curto prazo, o que pode indicar que Israel não age preventivamente (o que é coerente com a lógica de sanções). Ao mesmo tempo, parecem haver motivações políticas para as ações israelenses: Israel parece atacar também em função das negociações para o acordo de paz.
Por outro lado, a tese de que mais ataques de Israel levam a mais ódio e mais terrorismo parece infundada. Como dito anteriormente, em média, os movimentos terroristas não atacam mais nem menos nos dias e semanas após uma incursão israelense em território palestino. Isso não quer dizer que as sanções não estejam sendo efetivas no longo prazo (podem não estar sendo efetivas, como podem estar sendo). Somente mostra que terrorismo não responde a ataques israelenses. Dados de pesquisa de opiniões políticas entre palestinos confirmam isso: em média, ataques israelenses não têm efeito duradouro sobre a quantidade de palestinos apoiando movimentos e teses radicais (mais precisamente, dentro de três meses de um ataque de Israel, o "nível de radicalismo" já voltou ao normal).
Do lado moral, os dois lados (de defesa e oposição a estratégia israelense) parecem ter conceitos errados. Em primeiro lugar, a idéia de reação (des)proporcional pode, em alguns contextos, não fazer sentido. O motivo para isso é que a expectativa de uma reação desproporcional pode desencorajar os ataques terroristas. Ou seja, se o Estado de Israel pudesse se comprometer com reações desproporcionais, é pouco provável que terrorismo existisse. Na realidade, algo do tipo ocorreu na Colômbia entre 1946-1950: Chacón, Robinson e Torvik mostram que em distritos colombianos nos quais um dos lados do embate era desproporcionalmente mais forte que outro, o conflito era menos provável. Se isso ocorre em Israel, porém, como ocorreu na Colômbia, não sabemos ainda.
Por fim, a teoria de Dershowitz parece ter pouco apoio na realidade. É verdade, países que passam por democratizações, em média, passam a enfrentar mais terrorismo. Porém, devemos perceber que a estratégia de usar casas e abrigos civis para proteger revolucionários é usada por diversas guerrilhas do mundo atuando em democracias e não democracias. Sendo assim, não é alguma questão ligada a democracia e à moral inerente a ela que leva ao uso de escudos humanos e a morte de civis. Mas sim, uma questão de que paises autocráticos tem o apoio da lei para inibir participação política de qualquer ordem, inclusive, em movimentos terroristas.
Se o objetivo for apontar culpados, devemos apontar como culpado pelas mortes civis israelenses os movimentos palestinos, sem dúvida. Julgar as mortes palestinas, porém, é mais complicado. Movimentos terroristas provavelmente antevêem a reação de Israel a seus ataques. Ou seja, pelo direito de defesa israelense (e não pela tese de Dershowitz), os movimentos palestinos são culpados pelas mortes de seus co-nacionais. Israel, por outro lado, apesar de co-responsável pelas mortes civis palestinas, pode ser julgado como adotando ações morais ou não dependendo do peso que atribuímos a mortes de civis e a direito de auto-defesa.
Porém, muito mais relevante e produtivo é a discussão de soluções. Para isso, sugiro alguns caminhos, e todos eles passam pela compreensão dos motivadores de terrorismo e pela redução do número de mortes civis geradas por Israel. O primeiro se inicia pela asserção óbvia de que, independente do sucesso das punições, ainda existe terrorismo. Portanto, devemos propor políticas complementares às punições, para torná-las mais efetivas. O segundo é oferecer formas alternativas dos palestinos participarem da política e conseguirem seu Estado. O terceiro, é entender o porquê da falta de capacidade de Israel e dos movimentos terroristas se comprometerem com um acordo de paz. Tento falar delas noutro texto.
Referências:
Berrebi e Klor (2006), "On Terrorism and Electoral Outcomes: Theory and Evidence from the Israeli Palestinian Conflict", Journal of Conflict Resolution no.6
Chacón, Robinson e Torvik (2006), "When is Democracy an Equilibrium? Evidence from Colombia's La Violencia", Trabalho em progresso
Jaeger e Paserman (2008), "The Cycle of Violence? An Empirical Analysis of the Fatalities in the Israeli-Palestinian Conflict", American Economic Review 3
Jaeger e Paserman (2006), "Israel, the Palestinian Factions, and the Cycle of Violence", American Economic Review P&P
Jaeger; Klor; Miaari; Paserman (2008), "The Struggle for Palestinian Hearts and Minds: Violence and Public Opinion in the Second Intifada", NBER Working Paper no. 13956.
De um lado, defensores das ações israelenses dizem que os ataques do governo são estrategicamente e moralmente justificáveis, tanto por criar uma punição ao terrorismo quanto pelo direito do Estado de Israel de se defender. Outro argumento, de Alan Dershowitz, conhecido advogado de Harvard, joga a culpa por mortes civis palestinas aos movimentos terroristas: a atuação moral e democrática de Israel, evitando mortes civis, incentiva o uso de escudos humanos como proteção por parte do Hamas, o que não ocorreria fosse Israel uma autocracia.
Por outro lado, os opositores da estratégia israelense argumentam que os ataques israelenses só geram ódio dos palestinos contra judeus, o que motiva mais terrorismo. Além do mais, mortes civis palestinas não são justificáveis por mortes civis israelenses; e a desproporcionalidade dos ataques israelenses, muito mais fortes que os ataques terroristas, é um absurdo humanitário.
Apesar das defesas apaixonadas dessas teses, o debate seguiu o caminho errado. Qualquer julgamento a ser feito, assim como qualquer solução a ser proposta, depende essencialmente do entendimento das motivações reais de cada lado. E os debatedores acima, ao contar com má análise de dados e seguir uma teoria de divinização e demonização, são incapazes de comprovar seus argumentos e, portanto, de julgar ou propor soluções para o fim da violência.
O que as experiências indicam, ao passarem por análises melhores (que, pelo menos, são mais precisas e representativas que as historinhas contados pelos lados), é que o Estado de Israel age motivado pela criação de sanções contra terroristas. Afinal, em momentos com mais terrorismo, Israel ataca mais. Mais ainda, as análises mostram que ataques de Israel não geram aumentos de terrorismo no curto prazo, o que pode indicar que Israel não age preventivamente (o que é coerente com a lógica de sanções). Ao mesmo tempo, parecem haver motivações políticas para as ações israelenses: Israel parece atacar também em função das negociações para o acordo de paz.
Por outro lado, a tese de que mais ataques de Israel levam a mais ódio e mais terrorismo parece infundada. Como dito anteriormente, em média, os movimentos terroristas não atacam mais nem menos nos dias e semanas após uma incursão israelense em território palestino. Isso não quer dizer que as sanções não estejam sendo efetivas no longo prazo (podem não estar sendo efetivas, como podem estar sendo). Somente mostra que terrorismo não responde a ataques israelenses. Dados de pesquisa de opiniões políticas entre palestinos confirmam isso: em média, ataques israelenses não têm efeito duradouro sobre a quantidade de palestinos apoiando movimentos e teses radicais (mais precisamente, dentro de três meses de um ataque de Israel, o "nível de radicalismo" já voltou ao normal).
Do lado moral, os dois lados (de defesa e oposição a estratégia israelense) parecem ter conceitos errados. Em primeiro lugar, a idéia de reação (des)proporcional pode, em alguns contextos, não fazer sentido. O motivo para isso é que a expectativa de uma reação desproporcional pode desencorajar os ataques terroristas. Ou seja, se o Estado de Israel pudesse se comprometer com reações desproporcionais, é pouco provável que terrorismo existisse. Na realidade, algo do tipo ocorreu na Colômbia entre 1946-1950: Chacón, Robinson e Torvik mostram que em distritos colombianos nos quais um dos lados do embate era desproporcionalmente mais forte que outro, o conflito era menos provável. Se isso ocorre em Israel, porém, como ocorreu na Colômbia, não sabemos ainda.
Por fim, a teoria de Dershowitz parece ter pouco apoio na realidade. É verdade, países que passam por democratizações, em média, passam a enfrentar mais terrorismo. Porém, devemos perceber que a estratégia de usar casas e abrigos civis para proteger revolucionários é usada por diversas guerrilhas do mundo atuando em democracias e não democracias. Sendo assim, não é alguma questão ligada a democracia e à moral inerente a ela que leva ao uso de escudos humanos e a morte de civis. Mas sim, uma questão de que paises autocráticos tem o apoio da lei para inibir participação política de qualquer ordem, inclusive, em movimentos terroristas.
Se o objetivo for apontar culpados, devemos apontar como culpado pelas mortes civis israelenses os movimentos palestinos, sem dúvida. Julgar as mortes palestinas, porém, é mais complicado. Movimentos terroristas provavelmente antevêem a reação de Israel a seus ataques. Ou seja, pelo direito de defesa israelense (e não pela tese de Dershowitz), os movimentos palestinos são culpados pelas mortes de seus co-nacionais. Israel, por outro lado, apesar de co-responsável pelas mortes civis palestinas, pode ser julgado como adotando ações morais ou não dependendo do peso que atribuímos a mortes de civis e a direito de auto-defesa.
Porém, muito mais relevante e produtivo é a discussão de soluções. Para isso, sugiro alguns caminhos, e todos eles passam pela compreensão dos motivadores de terrorismo e pela redução do número de mortes civis geradas por Israel. O primeiro se inicia pela asserção óbvia de que, independente do sucesso das punições, ainda existe terrorismo. Portanto, devemos propor políticas complementares às punições, para torná-las mais efetivas. O segundo é oferecer formas alternativas dos palestinos participarem da política e conseguirem seu Estado. O terceiro, é entender o porquê da falta de capacidade de Israel e dos movimentos terroristas se comprometerem com um acordo de paz. Tento falar delas noutro texto.
Referências:
Berrebi e Klor (2006), "On Terrorism and Electoral Outcomes: Theory and Evidence from the Israeli Palestinian Conflict", Journal of Conflict Resolution no.6
Chacón, Robinson e Torvik (2006), "When is Democracy an Equilibrium? Evidence from Colombia's La Violencia", Trabalho em progresso
Jaeger e Paserman (2008), "The Cycle of Violence? An Empirical Analysis of the Fatalities in the Israeli-Palestinian Conflict", American Economic Review 3
Jaeger e Paserman (2006), "Israel, the Palestinian Factions, and the Cycle of Violence", American Economic Review P&P
Jaeger; Klor; Miaari; Paserman (2008), "The Struggle for Palestinian Hearts and Minds: Violence and Public Opinion in the Second Intifada", NBER Working Paper no. 13956.
sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
Brasil e crise
Tendo em vista a atual crise econômica, muitos aconselham que o Brasil sustente o seu crescimento via demanda interna. A motivação para tal vem do fato de que o Brasil, no último ano, cresceu muito em função de crescimento do consumo e investimento nacional (e menos em função de exportações). Argumenta-se: por mais que a queda nas exportações (decorrente da recessão mundial) possa vir a gerar desemprego, ainda assim, deveríamos poder sustentar o crescimento do pais, via política monetária mais frouxa e maiores gastos do governo. Por que devemos deixar que o nosso crescimento seja dependente do resto do mundo?
A defesa de tal tese, porém, incorre em um grave esquecimento da história brasileira. Na época do governo Geisel, para evitar as conseqüências do primeiro choque do petróleo, criou-se o II PND (que, com verbas do governo, procurava incentivar o desenvolvimento de indústrias de bens de capital e insumos) e o Pró-Álcool (focado em reduzir a dependência brasileira do petróleo). Por mais que o governo Geisel tenha sido bem sucedido em sustentar algum crescimento, o resultado foi endividamento externo. Uma vez tendo explodido o segundo choque do petróleo, apareceu a crise no Brasil.
Algo semelhante poderia ocorrer atualmente. Fosse o Brasil começar a crescer com base em demanda interna, teríamos um aumento nas importações (acompanhado de queda das exportações), o que geraria endividamento externo. Em um cenário ruim, no qual o mercado financeiro americano permaneça com problemas durante muito tempo, estaríamos, dentro de alguns anos, numa posição desconfortável de grande endividamento externo e pouco capital internacional disponível.
É verdade, em 2008, o Brasil teve crescimento em torno da demanda interna (com queda nas exportações líquidas), e ao mesmo tempo, a dívida externa líquida brasileira chegou no seu mínimo. Ou seja, exatamente o contrário do que enunciei acima. Porém, o que possibilitou esse acontecimento em 2008 foi a grande quantidade de Investimentos Diretos Estrangeiros no Brasil. Em momentos de crise como a atual, o pouco capital internacional disponível dificultaria os investimentos diretos, e portanto, a repetição de 2008.
Só seria capaz de conter esse cenário a possibilidade de depreciação cambial sem inflação (isso conteria o avanço das importações e do endividamento externo). Porém, isso só é factível se tivermos um Banco Central com capacidade de ancorar as expectativas inflacionárias, mais normalmente feito via sistema de metas para inflação, e com autonomia para agir contra a inflação.
Vivemos um momento de crise internacional, a mais grave desde a crise de 29. Ao mesmo tempo, não enfrentamos nenhum grande choque de demanda interna (via consumo ou investimentos). Nesse caso, se existe alguma possibilidade de sustentarmos algum crescimento, ela depende crucialmente de independência do Banco Central e de gastos governamentais responsáveis. Qualquer alternativa tem grande risco de resultar, a médio prazo, numa nova década perdida. Só teremos espaço para uso de políticas de estímulo econômico se tivermos queda forte de demanda interna (via consumo e investimentos).
Obs.: Agradeço sugestões do Ricardo, e como não podia faltar, "all further mistakes are of my own responsibility".
A defesa de tal tese, porém, incorre em um grave esquecimento da história brasileira. Na época do governo Geisel, para evitar as conseqüências do primeiro choque do petróleo, criou-se o II PND (que, com verbas do governo, procurava incentivar o desenvolvimento de indústrias de bens de capital e insumos) e o Pró-Álcool (focado em reduzir a dependência brasileira do petróleo). Por mais que o governo Geisel tenha sido bem sucedido em sustentar algum crescimento, o resultado foi endividamento externo. Uma vez tendo explodido o segundo choque do petróleo, apareceu a crise no Brasil.
Algo semelhante poderia ocorrer atualmente. Fosse o Brasil começar a crescer com base em demanda interna, teríamos um aumento nas importações (acompanhado de queda das exportações), o que geraria endividamento externo. Em um cenário ruim, no qual o mercado financeiro americano permaneça com problemas durante muito tempo, estaríamos, dentro de alguns anos, numa posição desconfortável de grande endividamento externo e pouco capital internacional disponível.
É verdade, em 2008, o Brasil teve crescimento em torno da demanda interna (com queda nas exportações líquidas), e ao mesmo tempo, a dívida externa líquida brasileira chegou no seu mínimo. Ou seja, exatamente o contrário do que enunciei acima. Porém, o que possibilitou esse acontecimento em 2008 foi a grande quantidade de Investimentos Diretos Estrangeiros no Brasil. Em momentos de crise como a atual, o pouco capital internacional disponível dificultaria os investimentos diretos, e portanto, a repetição de 2008.
Só seria capaz de conter esse cenário a possibilidade de depreciação cambial sem inflação (isso conteria o avanço das importações e do endividamento externo). Porém, isso só é factível se tivermos um Banco Central com capacidade de ancorar as expectativas inflacionárias, mais normalmente feito via sistema de metas para inflação, e com autonomia para agir contra a inflação.
Vivemos um momento de crise internacional, a mais grave desde a crise de 29. Ao mesmo tempo, não enfrentamos nenhum grande choque de demanda interna (via consumo ou investimentos). Nesse caso, se existe alguma possibilidade de sustentarmos algum crescimento, ela depende crucialmente de independência do Banco Central e de gastos governamentais responsáveis. Qualquer alternativa tem grande risco de resultar, a médio prazo, numa nova década perdida. Só teremos espaço para uso de políticas de estímulo econômico se tivermos queda forte de demanda interna (via consumo e investimentos).
Obs.: Agradeço sugestões do Ricardo, e como não podia faltar, "all further mistakes are of my own responsibility".
Assinar:
Postagens (Atom)