terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Por que a conferência de Copenhagen não deu certo?

A conferência em Copenhagem foi a primeira esperança de um acordo multilateral para conter o aquecimento global após Kyoto. Porém, mesmo com apoio popular amplo a medidas de contenção do aquecimento global, nada aconteceu. A princípio, é um desafio entender: como, em um mundo mais democrático que nunca, uma medida com bastante apoio popular não é adotada?

Em primeiro lugar, me parece ocorrer que, se por um lado, muitos apoiam as medidas de contenção de emissões de CO2 e coisas do tipo, por outro, essa não é a questão principal na cabeça do eleitorado, mais preocupado com questões econômicas e cotidianas. Ainda, as medidas de contenção de emissão de CO2 e de contenção de poluentes em geral são extremamente caras para alguns poucos, que tem muitos incentivos a lutar contra essas medidas. Por esses motivos, é de se esperar que os políticos levem bastante em conta os custos de não poluir.

Agora, os custos de controlar as emissões de CO2 são bastante convexos: o economista William Nordhaus, de Yale, estima que um aumento de 1% no nível de controle de emissão de CO2 aumenta em 2,8% os custos médios (ou seja, por nível de CO2 emitido) do controle. O que isso significa é que existe uma complementariedade entre os esforços dos países para atingir uma meta de redução de CO2: quando um país tenta alcançar à meta sozinho, o custo médio com o qual esse país se depara é muito maior que o custo médio de tentar atingir uma meta em conjunto. Essa lógica, porém, nos levaria a apostar mais em tentativas de acordos multilaterais (que encontraram pouco sucesso). Em outras palavras, isso não nos permite entender o fracasso dos acordos de Kyoto e Copenhagem.

O problema aparece, na realidade, na definição do direito de emitir: podendo emitir mais CO2, os países não só podem pagar menos custos de controle de emissões como podem ganhar vantagens comparativas na produção de produtos que emitem muitos gases poluentes, por exemplo. Porém, uma vez que todos estão emitindo mais CO2, ninguém ganhou vantagem comparativa em nada, e todos estão piores que estariam caso se controlassem as emissões. O jogo que os países enfrentam é, nada mais nada menos, que um dilema dos prisioneiros (com 190 participantes, porém). Se tivermos uma negociação a cada 5 anos, de fato, é impossível fazer os países cooperarem para trazer a tona um acordo sobre o clima. Ainda mais, a necessidade de sustentar os 190 participantes no jogo (como definida no parágrafo anterior) impede as possibilidades tradicionais para trazer cooperação em um dilema dos prisioneiros (usar rodadas de negociação repetidas e progressivas, nas quais países que foram permitidos emitir demais numa rodada sejam punidos com mais controles nas próximas rodadas).

Algumas soluções que eu pensei serem possíveis: (i) começar a utilizar acordos bilaterais (que têm a desvantagem de serem mais custosos, porém, com a vantagem de diminuir os problemas do parágrafo anterior); (ii) amarrar acordos de comércio internacional aos direitos de emissão em acordos futuros (algo do tipo: os 20 países que mais puderem emitir terão um imposto sobre produtos poluentes exportados de x%); (iii) partir para soluções alternativas para controle do aquecimento global. Usar a alternativa atual de negociação multilateral é equivalente a delegar a solução para quando o problema estiver muito grave (ou seja, dadas as incertezas da questão, delegar a solução para quando pode ser tarde demais).

Há muito tempo ouço: "Michel, você deveria comprar uma esteira para sua casa, para se exercitar quando tiver tempo livre". A resposta que normalmente dou é: "não adianta comprar esteira quando eu sei que ela não será usada", resposta que normalmente encontra a tréplica "mas Michel, isso não é correto de se fazer" (referindo-se a não usar a esteira). Agora, em face da iminente falta de uso da esteira, nada muda o fato de que comprar o aparelho mais chato das academias não me fará me exercitar (nem mesmo o fato "o não uso da esteira seria um erro" muda esse problema).

Algo parecido ocorre com ambientalistas: as propostas de acordos multilaterais de redução de emissões de gases poluentes são feitas porque simplesmente "não é correto" continuar emitindo gases poluentes. Darei exatamente a mesma resposta ao problema da esteira: não adianta propor acordos multilaterais megalomaníacos quando sabemos que eles nunca serão implementados. Propô-los é equivalente a não propor nada para conter o aquecimento global.

4 comentários:

  1. Acordos bilaterais não são solução, pois, qualquer acordo entre 2 países terá 188 freeriders. Não há incentivo para que o seu país seja um dos 2 que pagará pela melhora dos 190. É isso que desestimula acordos menores e força a imposição de acordos mais amplos, "megalomaníacos", complicados demais para serem aceitos por todas as partes.

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  2. Caro anônimo,

    Concordo contigo que tem mais freeriders. Agora, propus isso baseado no fato de que a California já aprovou um sistema que eu considero exemplo de como conter emissões de carbono, outros países já impuseram metas para emissões de carbono sem precisar acordar com ninguém, e acordos bilaterais podem ser usados para limitar a poluição de recursos comuns aos dois países. Fica faltando a cooperação entre países, por isso mesmo, concordo contigo que essa proposta é mais que imperfeita, e não será ela que salvará o mundo...

    Com relação aos "acordos megalomaniacos": eu acho que eles não só se caracterizam pelo número gigantesco de países, como pelas metas ambiciosas demais. Seria muito mais fácil atingirmos a nossa meta com negociações mais progressivas, que tratem de questões menores, mas sobre as quais se consigam chegar em consensos. Isso também não é solução, pois a tendência será empurrar com a barriga os principais pontos (que não são consensuais).

    Mas, pelo menos, com as propostas acima, se obtém alguma coisa incompleta, com acordos a la Copenhagen, não se obtém nada. Isso reforça a necessidade de alternativas...se comenta muito sobre geoengineering lá fora atualmente...mas eu não entendo nada disso...vo te deixar me dizer se isso realmente tem como ser feito.

    Abs.

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  3. atualmente acredito que essa questão não vai ser resolvida por iniciativa diplomática, mas sim por fonte de dois esforços:

    (i) de cientistas, desenvolvendo por exemplo vacinas para diminuir a emissão de gases estufa resíduos da digestão de ruminantes como vacas e ovelhas;

    (ii) inovação tecnológica, motivada por lucro. Tecnologias limpas e também mais eficientes.

    Na linha do Bursztyn e Acemoglu, se existe mesmo o processo de 'subir no ombros de gigantes' e se outros países podem copiar (pelo menos em alguma medida) a tecnologia desenvolvida pelo país 'líder', então (ii) pode motivar uma redução global das emissões a partir do esforço individual de uma economia.

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  4. Concordo contigo Lichand...não acredito que essas soluções diplomáticas nos levarão a algum lugar....

    Eu soube que o Acemoglu tava trabalhando em teorias de desenvolvimento tecnológico endógeno e meio ambiente, mas ainda não li. Sugestão interessante. Agora...me diz uma coisa:vc lembra se no paper, (ii) leva a um nível eficiente de produção tecnológica (ou é sub-eficiente)? A minha intuição diz que deveria ser sub-eficiente...mas como eu não li o modelo e não entendo nada da questão, num posso falar. Se for de fato sub-eficiente...acho que aí entra a preocupação das pessoas em fazer um esforço global.

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