quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Israel vs. Hamas - Comentário sobre as discussões atuais

Em face à nova escalada de violência na região próxima à Faixa de Gaza, o assunto do conflito entre Israel e a Palestina voltou a ser discutido. A discussão de agora, como era de se esperar, contém os mesmos argumentos das últimas quinhentas discussões sobre o tema (o que pode ser uma grande surpresa para alguns: como as pessoas, quando se trata de política, têm cabeça dura).

De um lado, defensores das ações israelenses dizem que os ataques do governo são estrategicamente e moralmente justificáveis, tanto por criar uma punição ao terrorismo quanto pelo direito do Estado de Israel de se defender. Outro argumento, de Alan Dershowitz, conhecido advogado de Harvard, joga a culpa por mortes civis palestinas aos movimentos terroristas: a atuação moral e democrática de Israel, evitando mortes civis, incentiva o uso de escudos humanos como proteção por parte do Hamas, o que não ocorreria fosse Israel uma autocracia.

Por outro lado, os opositores da estratégia israelense argumentam que os ataques israelenses só geram ódio dos palestinos contra judeus, o que motiva mais terrorismo. Além do mais, mortes civis palestinas não são justificáveis por mortes civis israelenses; e a desproporcionalidade dos ataques israelenses, muito mais fortes que os ataques terroristas, é um absurdo humanitário.

Apesar das defesas apaixonadas dessas teses, o debate seguiu o caminho errado. Qualquer julgamento a ser feito, assim como qualquer solução a ser proposta, depende essencialmente do entendimento das motivações reais de cada lado. E os debatedores acima, ao contar com má análise de dados e seguir uma teoria de divinização e demonização, são incapazes de comprovar seus argumentos e, portanto, de julgar ou propor soluções para o fim da violência.

O que as experiências indicam, ao passarem por análises melhores (que, pelo menos, são mais precisas e representativas que as historinhas contados pelos lados), é que o Estado de Israel age motivado pela criação de sanções contra terroristas. Afinal, em momentos com mais terrorismo, Israel ataca mais. Mais ainda, as análises mostram que ataques de Israel não geram aumentos de terrorismo no curto prazo, o que pode indicar que Israel não age preventivamente (o que é coerente com a lógica de sanções). Ao mesmo tempo, parecem haver motivações políticas para as ações israelenses: Israel parece atacar também em função das negociações para o acordo de paz.

Por outro lado, a tese de que mais ataques de Israel levam a mais ódio e mais terrorismo parece infundada. Como dito anteriormente, em média, os movimentos terroristas não atacam mais nem menos nos dias e semanas após uma incursão israelense em território palestino. Isso não quer dizer que as sanções não estejam sendo efetivas no longo prazo (podem não estar sendo efetivas, como podem estar sendo). Somente mostra que terrorismo não responde a ataques israelenses. Dados de pesquisa de opiniões políticas entre palestinos confirmam isso: em média, ataques israelenses não têm efeito duradouro sobre a quantidade de palestinos apoiando movimentos e teses radicais (mais precisamente, dentro de três meses de um ataque de Israel, o "nível de radicalismo" já voltou ao normal).

Do lado moral, os dois lados (de defesa e oposição a estratégia israelense) parecem ter conceitos errados. Em primeiro lugar, a idéia de reação (des)proporcional pode, em alguns contextos, não fazer sentido. O motivo para isso é que a expectativa de uma reação desproporcional pode desencorajar os ataques terroristas. Ou seja, se o Estado de Israel pudesse se comprometer com reações desproporcionais, é pouco provável que terrorismo existisse. Na realidade, algo do tipo ocorreu na Colômbia entre 1946-1950: Chacón, Robinson e Torvik mostram que em distritos colombianos nos quais um dos lados do embate era desproporcionalmente mais forte que outro, o conflito era menos provável. Se isso ocorre em Israel, porém, como ocorreu na Colômbia, não sabemos ainda.

Por fim, a teoria de Dershowitz parece ter pouco apoio na realidade. É verdade, países que passam por democratizações, em média, passam a enfrentar mais terrorismo. Porém, devemos perceber que a estratégia de usar casas e abrigos civis para proteger revolucionários é usada por diversas guerrilhas do mundo atuando em democracias e não democracias. Sendo assim, não é alguma questão ligada a democracia e à moral inerente a ela que leva ao uso de escudos humanos e a morte de civis. Mas sim, uma questão de que paises autocráticos tem o apoio da lei para inibir participação política de qualquer ordem, inclusive, em movimentos terroristas.

Se o objetivo for apontar culpados, devemos apontar como culpado pelas mortes civis israelenses os movimentos palestinos, sem dúvida. Julgar as mortes palestinas, porém, é mais complicado. Movimentos terroristas provavelmente antevêem a reação de Israel a seus ataques. Ou seja, pelo direito de defesa israelense (e não pela tese de Dershowitz), os movimentos palestinos são culpados pelas mortes de seus co-nacionais. Israel, por outro lado, apesar de co-responsável pelas mortes civis palestinas, pode ser julgado como adotando ações morais ou não dependendo do peso que atribuímos a mortes de civis e a direito de auto-defesa.

Porém, muito mais relevante e produtivo é a discussão de soluções. Para isso, sugiro alguns caminhos, e todos eles passam pela compreensão dos motivadores de terrorismo e pela redução do número de mortes civis geradas por Israel. O primeiro se inicia pela asserção óbvia de que, independente do sucesso das punições, ainda existe terrorismo. Portanto, devemos propor políticas complementares às punições, para torná-las mais efetivas. O segundo é oferecer formas alternativas dos palestinos participarem da política e conseguirem seu Estado. O terceiro, é entender o porquê da falta de capacidade de Israel e dos movimentos terroristas se comprometerem com um acordo de paz. Tento falar delas noutro texto.

Referências:
Berrebi e Klor (2006), "On Terrorism and Electoral Outcomes: Theory and Evidence from the Israeli Palestinian Conflict", Journal of Conflict Resolution no.6

Chacón, Robinson e Torvik (2006), "When is Democracy an Equilibrium? Evidence from Colombia's La Violencia", Trabalho em progresso

Jaeger e Paserman (2008), "The Cycle of Violence? An Empirical Analysis of the Fatalities in the Israeli-Palestinian Conflict", American Economic Review 3

Jaeger e Paserman (2006), "Israel, the Palestinian Factions, and the Cycle of Violence", American Economic Review P&P

Jaeger; Klor; Miaari; Paserman (2008), "The Struggle for Palestinian Hearts and Minds: Violence and Public Opinion in the Second Intifada", NBER Working Paper no. 13956.

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