Por que pessoas se odeiam? Nos debates sobre preconceito, aparecem muitas teorias relacionando ódio a conflitos entre classes e grupos sociais. As teorias que tratam das motivações individuais para a ocorrência de ódio são muito menos debatidas ou levadas em conta. Se debatêssemos essas teorias “individualistas” de ódio poderíamos, a luz delas, discutir políticas para reduzir o preconceito entre diferentes grupos.
Uma primeira teoria individualista do preconceito diz que o ódio é simplesmente um desgosto de uma pessoa por outra. Ou seja, essa teoria (que, apesar de ser a mais simples que se pode enunciar, tem conclusões profundas) afirma que preconceito contra negros é resultado de brancos que têm desgosto inato por negros. Em casos de mercado de trabalho, isso implicaria que brancos preconceituosos prefeririam contratar um branco a um negro igualmente produtivo. Conseqüentemente, o salário dos negros seria menor do que o dos brancos.
Entretanto, um branco sem preconceito (vamos chamá-lo de “profissional”) estaria indiferente entre contratar qualquer um dos dois. O “profissional”, nessa situação, se aproveitaria do salário mais baixo dos negros, os contrataria e assim, produziria de forma mais eficiente que o branco preconceituoso. Com isso, o “profissional” conseguiria roubar o mercado do preconceituoso. Essa lógica tem alguma confirmação empírica. Levine, Levkov e Rubinstein (2008) mostram que choques de aumento de competitividade no setor bancário reduziram, para os empregados no setor, a diferença de salários entre negros e brancos numa magnitude de 20-30%. Assim como no caso do mercado de trabalho, pode-se construir raciocínios semelhantes para outras relações sociais, sem alterar a conclusão principal dessa teoria: desde que haja gente o suficiente sem preconceito, não haverá preconceito algum nas relações sociais.
A teoria, porém, deixa de explicar diversos “fatos estilizados” da ocorrência de preconceito. A começar, essa teoria não explica o porquê de grandes massas terem “preconceitos coletivos” contra um outro grupo (vide mulçumanos e americanos, alemães contra judeus, ciganos e homossexuais na época da Alemanha nazista e brancos do sul americano contra negros). Ainda mais, essa teoria diria que, desde que haja um número suficientemente grande de pessoas “iluminadas”, não haverá preconceito algum nas relações sociais. Claramente, existem evidências de ocorrência de preconceito na decisão de moradia (vide toda a literatura de sorting), em relações de fundos de investimento com empresas listadas em bolsa, em contratações em pequenas empresas, entre outros.
Um fator que deve ser adicionado à teoria acima é que preconceito se forma via “consenso” social. Com isso, não quero dizer que grupos se odeiem por conflitos de classes/etnias. Quero dizer que, em face de falta de informação sobre o mundo, o melhor que muitos indivíduos podem fazer é simplesmente seguir o que os outros fazem, como explicado em Banerjee (1992). Ou seja, desde que haja convívio moderadamente segregado entre pessoas de raças diferentes, não é difícil vislumbrar o ódio de um por negros rapidamente sendo adotado pelo grupo. Essa teoria explica porque é comum ver pessoas que, de antemão, dizem que nunca agiriam com preconceito, porém, na hora da prática, discriminam contra um certo grupo (ocorrências registradas em Arrow (1998)). Ainda mais, esse fator explica porque existe o “preconceito coletivo”, e porque os “iluminados” não têm tanto efeito sobre o fim do preconceito.
Com isso, entende-se que preconceito é muito mais o resultado de falta de informação, e que o “desgosto” aparece em decorrência da falta de informação. Assim sendo, é muito mais natural defender limitação aos preconceitos que considerá-los normais. Como fazer isso, porém, é uma questão muito mais complicada.
Referências
- Gary S. Becker, “The Economics of Discrimination”, Chicago, University of Chicago Press, 1957
- Ross Levine, Alexey Levkov, Yona Rubinstein (2008), “Racial Discrimination and Competition”, NBER Working Paper no. 14273
- Thomas Schelling (1971), “Dynamic Models of Segregation”, Journal of Mathematical Sociology
- Lauren Cohen, Andrea Frazzini, e Christopher Malloy (2007), “The Small World of Investing: Board Connections and Mutual Funds Returns”, NBER Working Paper no. 13121
- Abhijit Banerjee, “A Simple Model of Herd Behavior”, Quarterly Journal of Economics, 1992
- Kenneth J. Arrow, “What Has Economics to Say About Discrimination?”, Journal of Economic Perspectives, 1998
Observação: Agradeço ao Caruso pelos comentários sobre a escrita.
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Antes de tudo vamos definir umas coisas. Preconceito é uma infelicidade da lingua portuguesa. Todo conceito é prévio. Pegue as traduções de preconceito: prejuicio, prejugé, prejudice. Todas são ligadas ao pré-julgamento. Em português, temos prejuízo, cuja origem são essas palavaras, mas é associado ao dano do pré-julgamento.
ResponderExcluirAntigamente conhecíamos poucas pessoas profundamente, hoje temos contato superficial com uma infinidade de pessoas. Assim, para que não fiquemos loucos com a falta de informação sobre a multidão, nosso cérebro as encaixa em categorias, idéias pré-concebidas.
Não há nada de errada com isso. Errado é basear o nosso julgamento nessas simplificações. Discriminar quer dizer separar. O que devemos combater é a separação das pessoas por seus rótulos, a disciminação, o pré-julgamento.
Concordo plenamente. O único motivo pra usar no texto a palavra "preconceito" ao invés de pré-julgamento é que essa palavra é usada rotineiramente, na língua portuguesa, com significado de discriminação.
ResponderExcluirIgnorância, no seu verdadeiro sentido: falta de conhecimento!
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