Será que liberdade tem um valor intrínseco, ou é somente um instrumento útil para que as pessoas atinjam seus objetivos? Na história do pensamento econômico (originado como pensamento filosófico, na verdade), a defesa das liberdades veio motivada pela segunda hipótese. Pessoas têm seus objetivos e gostos e, muitas vezes, têm os meios para atingí-los. Nesse caso, pelo fato de que as pessoas conhecem melhor que qualquer um as próprias metas, deveríamos deixar as pessoas agirem por conta própria, ao invés de tomarmos as decisões por elas. Ou seja, esse argumento mais tradicional diz que a liberdade tem um valor somente porque escolhas livres refletem melhor que "escolhas forçadas" os gostos das pessoas .
Porém, em muitas situações atuais, o argumento em favor da liberdade parece ter sido estendido: a liberdade passou a ser defendida como um valor em si próprio. Um exemplo claro desse caso foi a defesa do não à proibição de armas de fogo no referendo sobre o tema em 2005: proibir a comercialização de armas de fogo significava cercear a liberdade dos brasileiros. No caso das armas, a compra de armas por uma pessoa tem um impacto negativo sobre a vida de outros (que não é levado em conta na hora da compra da arma), e portanto, deveria ser restrita se considerássemos somente o argumento tradicional.
Não sei se as pessoas valorizam a própria liberdade por si só. Para saber isso, poderíamos testar a tese em dados. Seguindo a literatura de experimentos em economia, poderíamos convocar sujeitos, dá-los 5 reais, e colocá-los a se deparar com duas salas:
A - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos ou (ii) duas canecas e um biscoito;
B - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos, (ii) duas canecas e um biscoito ou (iii) uma caneca e um biscoito.
Os sujeitos devem pagar uma entrada para a sala em que forem entrar. Sabemos que a sala B dá mais liberdade de escolha aos sujeitos no experimento. Porém, se todos gostarem de canecas e biscoitos ilimitadamente, ninguém escolherá a opção (iii) da sala B. Ou seja, se a liberdade de escolha dos indivíduos só tem valor pela escolha final feita (melhor, pela felicidade que essa escolha final propicia), a sala A e a sala B deveriam ter o mesmo valor para todos os indivíduos. Se o blog ainda tem leitores, quanto vocês pagariam para estar em cada uma das salas?
Por mais que isso distorça os resultados, eis as conclusões que apareceriam do experimento:
(i) Se os indivíduos pagassem a mesma coisa para estar nas duas salas, os pensadores tradicionais estariam certos, e liberdade só teria um valor por permitir que as decisões sejam feitas mais de acordo com os gostos das pessoas.
(ii) Se os indivíduos pagassem mais para estar na sala B que na sala A, a liberdade de escolha, até nessa situação simples, teria um valor em si próprio, por mais que não permitisse nada a mais em termos de satisfação vinda do consumo de canecas e biscoitos.
PS.: Dado o tempo que eu fiquei sem publicar no blog, a minha estimativa é de perda de cerca de 80% dos leitores que o blog tinha.
PS2.: A estimativa é uma atualização da minha crença inicial pelo comentário do Marcelo...
sexta-feira, 24 de julho de 2009
segunda-feira, 13 de julho de 2009
Jornalismo só para jornalistas...
Há coisa de um mês atrás, o STF julgou ser inconstitucional a lei que dizia que somente jornalistas podem escrever matérias de jornais. Diversas vozes (melhor, associações de jornalistas) foram rápidas em mostrar sua reprovação à medida. Como poderíamos ter jornais não escritos por jornalistas sem a perda da imparcialidade das matérias? Ainda mais, como notícias de economia, política e mundo seriam compreendidas por um público amplo sem um jornalista para traduzir o jargão das profissões?
Em primeiro lugar, olhar para a realidade pensando que a imparcialidade dos jornais depende de quem é membro da redação é mais ilusão de ótica que realidade. Em última instância, o que vira matéria de primeira página, o layout das manchetes no jornal e as principais manchetes são decisões centralizadas nas mãos do editor chefe da redação e da diretoria do jornal (sejam os membros da redação jornalistas ou não jornalistas).
Pode-se achar demonstrações dessa centralização de decisões com relativa facilidade: há poucos anos atrás, no Ceará, o governo local implementou uma política que agradou a população. Discussões nas salas de diretoria de dois jornais da capital ocorreram para discutir se a manchete do dia seguinte anunciaria “uma vitória da população” ou uma “benesse do governo”. Os jornais, no final, decidiram por focos opostos em suas respectivas manchetes.
O caso acima ainda traz mais um ponto: o que é imparcial, a vitória da população, a benesse do governo, os dois ou nenhum? Em muitos casos, é ambíguo dizer o que é imparcial, e haverá jornalistas e pessoas achando que uma frase é imparcial, enquanto que outros acreditarão que a mesma frase é parcial. Sendo assim, se jornalistas tiverem tanta paixão e capacidade de manter a “imparcialidade” das matérias, esperaríamos que cada jornalista desse prioridade à trabalhar no jornal que ele acredita ser mais imparcial (ou seja, aquele alinhado com a sua ideologia). O resultado desse processo seria uma aglomeração de jornalistas de direita em um jornal e de jornalistas de esquerda noutro (não é difícil perceber que, nesse caso, jornalistas ditando a linha do jornal também geraria parcialidade das notícias). Não somente isso, dizer que os jornalistas são mais capazes de manter a imparcialidade do jornal é dizer que a opinião do jornalista vale mais que a de outro profissional.
Porém, será que permitir que somente jornalistas entrem na redação não poderia facilitar que haja um balanço entre redação e diretoria do jornal? Afinal, se tivéssemos somente jornalistas escrevendo jornais, o passado semelhante dos jornalistas, assim como códigos de ética similares aprendidos na faculdade poderia facilitar a associação dos membros da redação e criar maior equilíbrio na barganha entre redação e diretoria pela ideologia das notícias. O que esse argumento ignora, porém, é que as diretorias dos jornais têm poder de selecionar o jornalista que escreve a notícia: é comum pedir, no processo seletivo de jornais, que o candidato escreva uma notícia (o que permite à diretoria rastrear – por mais que imperfeitamente – a ideologia do jornalista). Da mesma forma, se um jornalista escreve muitas notícias que vão a contra-gosto da diretoria, esta pode simplesmente demitir aquele.
Existe ainda outro ponto favorável ao fim da necessidade do diploma de jornalismo. Já existem não jornalistas trabalhando na escrita dos jornais, eles, porém, só não podem assinar as notícias que escrevem. Nesse sentido, o fim do requerimento do diploma de jornalista pode, na verdade, tornar os jornais mais imparciais, por deixar mais transparente quem é o redator responsável pela parcialidade da notícia.
Por fim, existe o argumento de que jornalistas são profissionais responsáveis por pegar um texto ou notícia da área de algum especialista e torná-lo compreensível para um público leigo. Sem o jornalista na redação, o noticiário de economia, por exemplo, se tornaria incompreensível para um grupo de leitores mais amplo.
Sem tratar da qualidade das faculdades de jornalismo em formar bons “tradutores de jargão”, vale dizer: é do interesse da diretoria dos jornais que as notícias sejam compreensíveis. Jornais querem ter tiragem alta para ganhar na venda de anúncios e comerciais (tanta é a vontade de tiragem alta que o preço do jornal na banca é subsidiado). Notícias incompreensíveis significarão menos leitores e menos venda de anúncios. Sendo assim, se são jornalistas que sabem fazer a tradução do jargão, serão jornalistas os contratados, independente da lei dizer que não jornalistas podem ser contratados. Ou seja, a nova medida do STF só tem o potencial de aumentar a base de candidatos à redatores, tendo o potencial de melhorar a acessibilidade pelos leitores aos textos dos jornais.
É difícil acreditar que a proibição de não jornalistas nas redações gerasse maior imparcialidade das notícias publicadas. Mais difícil ainda de acreditar é que a antiga proibição tornasse os textos mais legíveis para um público alvo grande. Vale dizer, nos Estados Unidos, onde não há restrições de quem pode entrar nas redações, as notícias são escritas majoritariamente por jornalistas. Sendo assim, o único impacto da decisão do STF parece ser tornar os mercados de trabalho de redação de jornais mais eficientes.
Em primeiro lugar, olhar para a realidade pensando que a imparcialidade dos jornais depende de quem é membro da redação é mais ilusão de ótica que realidade. Em última instância, o que vira matéria de primeira página, o layout das manchetes no jornal e as principais manchetes são decisões centralizadas nas mãos do editor chefe da redação e da diretoria do jornal (sejam os membros da redação jornalistas ou não jornalistas).
Pode-se achar demonstrações dessa centralização de decisões com relativa facilidade: há poucos anos atrás, no Ceará, o governo local implementou uma política que agradou a população. Discussões nas salas de diretoria de dois jornais da capital ocorreram para discutir se a manchete do dia seguinte anunciaria “uma vitória da população” ou uma “benesse do governo”. Os jornais, no final, decidiram por focos opostos em suas respectivas manchetes.
O caso acima ainda traz mais um ponto: o que é imparcial, a vitória da população, a benesse do governo, os dois ou nenhum? Em muitos casos, é ambíguo dizer o que é imparcial, e haverá jornalistas e pessoas achando que uma frase é imparcial, enquanto que outros acreditarão que a mesma frase é parcial. Sendo assim, se jornalistas tiverem tanta paixão e capacidade de manter a “imparcialidade” das matérias, esperaríamos que cada jornalista desse prioridade à trabalhar no jornal que ele acredita ser mais imparcial (ou seja, aquele alinhado com a sua ideologia). O resultado desse processo seria uma aglomeração de jornalistas de direita em um jornal e de jornalistas de esquerda noutro (não é difícil perceber que, nesse caso, jornalistas ditando a linha do jornal também geraria parcialidade das notícias). Não somente isso, dizer que os jornalistas são mais capazes de manter a imparcialidade do jornal é dizer que a opinião do jornalista vale mais que a de outro profissional.
Porém, será que permitir que somente jornalistas entrem na redação não poderia facilitar que haja um balanço entre redação e diretoria do jornal? Afinal, se tivéssemos somente jornalistas escrevendo jornais, o passado semelhante dos jornalistas, assim como códigos de ética similares aprendidos na faculdade poderia facilitar a associação dos membros da redação e criar maior equilíbrio na barganha entre redação e diretoria pela ideologia das notícias. O que esse argumento ignora, porém, é que as diretorias dos jornais têm poder de selecionar o jornalista que escreve a notícia: é comum pedir, no processo seletivo de jornais, que o candidato escreva uma notícia (o que permite à diretoria rastrear – por mais que imperfeitamente – a ideologia do jornalista). Da mesma forma, se um jornalista escreve muitas notícias que vão a contra-gosto da diretoria, esta pode simplesmente demitir aquele.
Existe ainda outro ponto favorável ao fim da necessidade do diploma de jornalismo. Já existem não jornalistas trabalhando na escrita dos jornais, eles, porém, só não podem assinar as notícias que escrevem. Nesse sentido, o fim do requerimento do diploma de jornalista pode, na verdade, tornar os jornais mais imparciais, por deixar mais transparente quem é o redator responsável pela parcialidade da notícia.
Por fim, existe o argumento de que jornalistas são profissionais responsáveis por pegar um texto ou notícia da área de algum especialista e torná-lo compreensível para um público leigo. Sem o jornalista na redação, o noticiário de economia, por exemplo, se tornaria incompreensível para um grupo de leitores mais amplo.
Sem tratar da qualidade das faculdades de jornalismo em formar bons “tradutores de jargão”, vale dizer: é do interesse da diretoria dos jornais que as notícias sejam compreensíveis. Jornais querem ter tiragem alta para ganhar na venda de anúncios e comerciais (tanta é a vontade de tiragem alta que o preço do jornal na banca é subsidiado). Notícias incompreensíveis significarão menos leitores e menos venda de anúncios. Sendo assim, se são jornalistas que sabem fazer a tradução do jargão, serão jornalistas os contratados, independente da lei dizer que não jornalistas podem ser contratados. Ou seja, a nova medida do STF só tem o potencial de aumentar a base de candidatos à redatores, tendo o potencial de melhorar a acessibilidade pelos leitores aos textos dos jornais.
É difícil acreditar que a proibição de não jornalistas nas redações gerasse maior imparcialidade das notícias publicadas. Mais difícil ainda de acreditar é que a antiga proibição tornasse os textos mais legíveis para um público alvo grande. Vale dizer, nos Estados Unidos, onde não há restrições de quem pode entrar nas redações, as notícias são escritas majoritariamente por jornalistas. Sendo assim, o único impacto da decisão do STF parece ser tornar os mercados de trabalho de redação de jornais mais eficientes.
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