Aprendemos, desde os nossos anos de escola, que a globalização vem tornando o mundo mais desigual. Os defensores da tese dizem: a globalização faz os países pobres produzirem produtos agrícolas (sem valor comercial, supostamente) e leva os ricos a produzirem produtos industriais (com valor). Sendo assim, a globalização prenderia os pobres aos males do subdesenvolvimento, enquanto que os ricos seriam ajudados por ela. Naturalmente, daí chega-se na tese: a globalização gera desigualdade. Um professor meu de escola chegou a dizer numa aula: se descobríssemos que essa tese é falsa, ganharíamos um Nobel (ou algum outro prêmio igualmente difícil de conquistar).
Será que essa tese é tão robusta assim? Façamos um exercício levemente diferente. Se a desigualdade de renda entre países estivesse crescendo, necessariamente, a renda dos países mais ricos teria que estar crescendo mais que a dos mais pobres. Consequentemente, o consumo dos países ricos cresceria mais que o dos países pobres. Daí, a demanda dos paises ricos pelos produtos do país pobre cresceria (junto com o consumo). Imediatamente, os preços dos produtos agrícolas subiriam, e os produtos produzidos pelos pobres deixariam de ser sem valor. Ou seja, a tese de que a globalização gera desigualdade, por este raciocínio, parece ser inconsistente: é mais provável, por essa lógica, que o comércio internacional gere maior igualdade.
O meu professor reclamaria desta lógica. Afinal, ele diria, se os preços forem rígidos (por exemplo, se os preços forem fixados em contratos), o comércio internacional não gera maior igualdade. Celso Furtado, conhecido por seus estudos de história econômica brasileira, foi até mais radical: disse que os preços de produtos agrícolas cairiam pelo resto de nossas vidas. Porém, esse contra-argumento parece pouco razoável nos dias de hoje: os últimos anos presenciaram preços de commodities agrícolas e metálicas chegando a picos históricos (isso está se revertendo só agora, com a recessão americana).
Ainda mais, podemos ver uma correlação interessante. Os últimos 30 anos foram de crescente globalização, com crescentes fluxos financeiros e de produtos. Ao mesmo tempo, o economista Xavier Sala-i-Martin (um dos campeões de citações em economia) mostra em um de seus trabalhos uma estimativa da distribuição da renda mundial para o período entre 1970-2000. O resultado do estudo é claro em alguns aspectos: a renda média do mundo cresceu e o número de pessoas abaixo da linha de pobreza caiu*. Ainda mais, a renda dos mais ricos cresceu menos que a renda dos mais pobres. Ou seja, houve redução da desigualdade de renda mundial. Outros economistas e historiadores econômicos perceberam a mesma correlação: a crescente globalização no pós-guerra esteve associada a menor desigualdade de renda entre os países.
Ou seja, sabemos que a tese que aprendemos na escola não é tão robusta quanto dizia o meu professor. É verdade, não existem evidências inequívocas de que a globalização está reduzindo a desigualdade. Afinal, educação, instituições, saúde, entre outros, podem estar influindo na redução da desigualdade. Porém, até agora, não lembro de nenhum dado que mostre a desigualdade de renda do mundo crescendo como decorrência da globalização. Pena que isso não dá o prêmio Nobel, nem 10 milhões de coroas suecas.
Notas:
* Para deixar mais claro: não foi especificada nenhuma linha de pobreza. Considere QUALQUER nível de renda x. O percentual de pessoas no mundo com renda abaixo de x foi decrescente entre as décadas de 1970-1990. Se desconsiderarmos a República Democrática do Congo (abalada por guerras na década de 90), o percentual de pessoas no mundo com renda abaixo de x foi decrescente no período entre 1970-2000.
Referências:
Deininger, Klaus; Lyn Squire (1996), “A New Data Set Measuring Income Inequality,” World Bank Economic Review
Sala-i-Martin, Xavier (2006), "The World Distribution of Income: Falling Poverty and...Convergence, Period", Quarterly Journal of Economics
Ben-David, Dan (1993), "Equalizing Exchange: Trade Liberalization and Income Convergence", Quarterly Journal of Economics
Frankel, Jeffrey A.; David Romer (1999), "Does Trade Cause Growth?", American Economic Review
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
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