Aluno que disse que nunca mais vai ter que ler uma página de Marx é repreendido por professor por apresentar pensamento que leva ao "obscurantismo, à censura e à criação de Goulags"
Goulags, aqueles mesmos que administravam campos de trabalho forçado na URSS? Tudo bem...vamos supor que o professor ache que Marx não defendia isso. Quem propõe (1) uma teoria toda baseada em firmas maximizando lucros e extraindo mais-valia do trabalhador e (2) faz meio mundo acreditar que economia afeta instituições, cultura, religião mas o oposto não ocorre (como se não pudesse existir causalidade nos dois sentidos) não merece ser lido mesmo...já estamos a frente disso.
Notícia via De Gustibus.
quarta-feira, 10 de março de 2010
quarta-feira, 3 de março de 2010
Torcendo pelo futuro dos filhos da senadora Ideli Salvatti
O PSDB lançou um projeto de lei (aprovado ontem pelo Senado) para acrescentar no Bolsa Família um benefício extra condicional em desempenho escolar das crianças da família. A senadora Ideli Salvatti, líder do PT, votou contra, argumentando: "Não consigo entender o motivo esdrúxulo e cruel (da proposta). Isso vai provocar uma pressão sobre a criança, que passa a ser responsável pela renda maior da família". O presidente Lula disse: "Eu não vi a decisão deles ainda, mas só espero que eles tenham colocado de onde vai tirar o dinheiro. Todo gasto proposto tem de ter uma fonte de receita" (link para as notícias no Jornal O Globo aqui e aqui).
O que eu acho engraçado é que o governo tem medo de não ter dinheiro para criar benefícios indexados a educação, mas tem dinheiro para querer ampliar em 500 mil o número de beneficiários do Bolsa Família nesse ano; e para aumentar os benefícios pagos em 10%, aumentar o número de beneficiários do Bolsa Família e chegar ao recorde histórico de gastos de 12,4 bilhões de reais com o programa em 2009 (lembrando que 2009 foi ano de queda de arrecadação).
Passando ao comentário da senadora Ideli Salvatti: parabéns, senadora, pela criatividade do discurso. É uma grande infelicidade, porém, que essa criatividade só é permitida a quem não nunca viu as evidências dos benefícios de bolsas por mérito escolar. Bolsas escolares por mérito aumentam as notas do alunos no curto e no longo prazo, tem efeitos positivos sobre o desempenho dos alunos que recebem a bolsa e sobre o desempenho dos alunos que não recebem a bolsa (aqueles que estão próximos a recipientes de bolsa). Isso é verdade no Quênia [1], na Colômbia ([2], [3]) ou nos EUA ([4]); no ensino médio, na faculdade ou na 6a. série. Ainda mais, não existem muitas evidências de que a concessão de bolsas faça o aluno perder o gosto pelo estudo ([5]); poucas evidências de que as bolsas só afetam os bons alunos (que estão naturalmente mais propensos a ganhá-las; por exemplo, ver [1]). Por fim, pelo menos no Quênia, prover bolsas por mérito é a melhor forma de fazer as notas dos alunos crescerem (comparando-se o custo-benefício de bolsas por mérito com o de 5 outros programas, [1]). Realmente senadora, é uma coisa tão maligna dar incentivos para as crianças estudarem e terem um futuro melhor, que é difícil imaginar que mente perversa faria isso com a criança...torço pelo bem dos filhos da senadora...
A gente já sabia, desde o governo FHC, que a forma do PT agir é votar contra qualquer projeto de um partido contrário ao PT. O que a gente não sabia é que alguns deles chegariam a votar contra a melhora do "próprio" projeto (o Bolsa Família) para barrar os partidos opostos a eles.
Referências:
[1] Edward Miguel, Michael Kremer and Rebecca Thornton (2009), "Incentives to Learn", Rev. Econ. & Stats, 91(3).
[2] Joshua Angrist, Eric Bettinger, Michael Kremer (2006), "Long-Term Educational Consequences of Secondary School Vouchers: Evidence from Administrative Records from Colombia", AER 96(3)
[3] Joshua Angrist, Eric Bettinger, Erik Bloom, Elizabeth King and Michael Kremer (2002), "Vouchers for Private Schooling in Colombia: Evidence from a Randomized Natural Experiment", AER 92(5)
[4] Susan M. Dynarski, "The New Merit Aid". in Caroline Hoxby, ed., College Choices: The Economics of Where to Go, When to Go, and How To Pay for It. 2004.
[5] Judy Cameron (2001), "Negative Effects of Reward on Intrinsic Motivation—A Limited Phenomenon: Comment on Deci, Koestner, and Ryan (2001)", Review of Educational Research 71(1)
O que eu acho engraçado é que o governo tem medo de não ter dinheiro para criar benefícios indexados a educação, mas tem dinheiro para querer ampliar em 500 mil o número de beneficiários do Bolsa Família nesse ano; e para aumentar os benefícios pagos em 10%, aumentar o número de beneficiários do Bolsa Família e chegar ao recorde histórico de gastos de 12,4 bilhões de reais com o programa em 2009 (lembrando que 2009 foi ano de queda de arrecadação).
Passando ao comentário da senadora Ideli Salvatti: parabéns, senadora, pela criatividade do discurso. É uma grande infelicidade, porém, que essa criatividade só é permitida a quem não nunca viu as evidências dos benefícios de bolsas por mérito escolar. Bolsas escolares por mérito aumentam as notas do alunos no curto e no longo prazo, tem efeitos positivos sobre o desempenho dos alunos que recebem a bolsa e sobre o desempenho dos alunos que não recebem a bolsa (aqueles que estão próximos a recipientes de bolsa). Isso é verdade no Quênia [1], na Colômbia ([2], [3]) ou nos EUA ([4]); no ensino médio, na faculdade ou na 6a. série. Ainda mais, não existem muitas evidências de que a concessão de bolsas faça o aluno perder o gosto pelo estudo ([5]); poucas evidências de que as bolsas só afetam os bons alunos (que estão naturalmente mais propensos a ganhá-las; por exemplo, ver [1]). Por fim, pelo menos no Quênia, prover bolsas por mérito é a melhor forma de fazer as notas dos alunos crescerem (comparando-se o custo-benefício de bolsas por mérito com o de 5 outros programas, [1]). Realmente senadora, é uma coisa tão maligna dar incentivos para as crianças estudarem e terem um futuro melhor, que é difícil imaginar que mente perversa faria isso com a criança...torço pelo bem dos filhos da senadora...
A gente já sabia, desde o governo FHC, que a forma do PT agir é votar contra qualquer projeto de um partido contrário ao PT. O que a gente não sabia é que alguns deles chegariam a votar contra a melhora do "próprio" projeto (o Bolsa Família) para barrar os partidos opostos a eles.
Referências:
[1] Edward Miguel, Michael Kremer and Rebecca Thornton (2009), "Incentives to Learn", Rev. Econ. & Stats, 91(3).
[2] Joshua Angrist, Eric Bettinger, Michael Kremer (2006), "Long-Term Educational Consequences of Secondary School Vouchers: Evidence from Administrative Records from Colombia", AER 96(3)
[3] Joshua Angrist, Eric Bettinger, Erik Bloom, Elizabeth King and Michael Kremer (2002), "Vouchers for Private Schooling in Colombia: Evidence from a Randomized Natural Experiment", AER 92(5)
[4] Susan M. Dynarski, "The New Merit Aid". in Caroline Hoxby, ed., College Choices: The Economics of Where to Go, When to Go, and How To Pay for It. 2004.
[5] Judy Cameron (2001), "Negative Effects of Reward on Intrinsic Motivation—A Limited Phenomenon: Comment on Deci, Koestner, and Ryan (2001)", Review of Educational Research 71(1)
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Geografia importa para desenvolvimento? (esse post tá vindo com algum atraso...mas tudo bem...)
São vários os motivos pelos quais geografia pode deixar um país mais rico. Duas teses bastante proeminentes dessas são: (1) países mais distantes dos grandes centros consumidores mundiais podem ter menos acesso a mercados internacionais (em outras palavras, ser mais fechado ao comércio internacional por causas naturais), e por isso, ter renda menor e (2) ter recursos naturais aumenta a quantidade de recursos políticos, reduzindo pressões por menor corrupção e aumentando conflitos políticos (em outras palavras, piora as instituições políticas e acaba por gerar danos econômicos ao país). Será que essas teses são, de fato, reais? Ou será que o subdesenvolvimento econômico decorre de outras variáveis que andam juntas com geografia, comércio internacional e instituições políticas, mas variáveis essas que não tem nada a ver com os canais descritos acima?
Com relação a primeira tese, saiu um artigo do James Feyrer que usa uma "mudança na distância entre países" para ver o impacto que isso tem sobre comércio internacional, e como essa mudança em quantidade de comércio internacional teve impacto sobre renda. Não, os continentes não se mexeram. O que o autor faz é se aproveitar do fechamento do Canal de Suez entre 1967 e 75, que liga o Mar Vermelho ao Mar Mediterraneo no Egito. O fechamento do canal de Suez, mostra o autor, gerou uma queda do comércio entre a Ásia e a Europa, e essa queda de comércio internacional teve impactos negativos sobre a renda per capita dos países afetados, mesmo controlando para efeitos fixos do país. Para os que conhecem os artigos sobre o tema, percebam a diferença para o Frankel e Romer (1999) e que o instrumento do Feyrer é necessário...
Com relação a segunda tese, saiu um artigo aplicado ao Brasil do Caselli e Michaels (artigo que já foi citado aqui, para aqueles que acompanham blogs de economia brasileiros). Receitas de petróleo tem pouco impacto (ou impacto zero) sobre PIB municipal (contando-se somente as atividades não petrolíferas, naturalmente). Pior que isso, a provisão de bens públicos, infraestrutura e transferências de renda nesses municípios não crescem na mesma medida que os gastos públicos crescem. Para confirmar ainda melhor a tese, receitas de petróleo estão associadas com maior número de reportagens na mídia de prefeitos em atividades ilegais.
Com relação a primeira tese, saiu um artigo do James Feyrer que usa uma "mudança na distância entre países" para ver o impacto que isso tem sobre comércio internacional, e como essa mudança em quantidade de comércio internacional teve impacto sobre renda. Não, os continentes não se mexeram. O que o autor faz é se aproveitar do fechamento do Canal de Suez entre 1967 e 75, que liga o Mar Vermelho ao Mar Mediterraneo no Egito. O fechamento do canal de Suez, mostra o autor, gerou uma queda do comércio entre a Ásia e a Europa, e essa queda de comércio internacional teve impactos negativos sobre a renda per capita dos países afetados, mesmo controlando para efeitos fixos do país. Para os que conhecem os artigos sobre o tema, percebam a diferença para o Frankel e Romer (1999) e que o instrumento do Feyrer é necessário...
Com relação a segunda tese, saiu um artigo aplicado ao Brasil do Caselli e Michaels (artigo que já foi citado aqui, para aqueles que acompanham blogs de economia brasileiros). Receitas de petróleo tem pouco impacto (ou impacto zero) sobre PIB municipal (contando-se somente as atividades não petrolíferas, naturalmente). Pior que isso, a provisão de bens públicos, infraestrutura e transferências de renda nesses municípios não crescem na mesma medida que os gastos públicos crescem. Para confirmar ainda melhor a tese, receitas de petróleo estão associadas com maior número de reportagens na mídia de prefeitos em atividades ilegais.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Notícia preocupante
Notícia nova do jornal O Globo:
Não nego a necessidade de reformar algumas instituições eleitorais: essas reformas são necessárias para reduzir corrupção e fazer as decisões políticas serem mais representativas dos gostos da população. Porém, aprovar uma assembléia constituinte para mudar essas regras é desculpa para fugir das regras de maioria qualificada. E mudando regras eleitorais sem maiorias qualificadas, se torna bem mais fácil implementar uma ditadura de facto sem recorrer a golpes. Eu tinha resistência a aceitar a idéia do PT tentando implementar a solução do Chávez no Brasil (me parecia muito teoria da conspiração), mas essa notícia mudou a minha cabeça...
domingo, 14 de fevereiro de 2010
Resposta a algumas críticas de expectativas racionais
Nas discussões de blog que participo, muita gente aparece criticando expectativas racionais. Em outro post, citei algumas entrevistas nas quais o entrevistador tentava, frequentemente, criticar o uso de expectativas racionais em macroeconomia. Heterodoxos, e um sem fim de comentaristas econômicos aumentaram as críticas a esse conceito teórico com o surgimento da crise. Como a hipótese de expectativas racionais pode ser tão amplamente adotada quando ela é claramente irrealista?
O motivo para levar essa hipótese em conta na hora de fazer teoria macroeconomica, pelo menos para mim, não é a falta de hipóteses alternativas. Mankiw e Reis (2002) trabalham com a hipótese de custos de informação limitando reajustes de expectativas, Akerlof (1979, 2000) fez trabalhos mostrando tendências psicológicas dos agentes a cometerem erros na formação de expectativas. Outras possibilidades abundam na literatura.
Existe, porém, um motivo bastante razoável para levar em conta a idéia de expectativas racionais na formulação de modelos macroeconomicos. Muitas decisões que as pessoas tomam (por exemplo, qual preço o dono do boteco colocará para a cerveja, qual salário o sindicato/trabalhador pedirá para o empregador) dependem de previsões dos preços futuros. É natural, portanto, que as pessoas se esforcem para tentar fazer alguma previsão do preço que esteja, de alguma forma, relacionada com o preço futuro de que fato ocorrerá. Essa tentativa das pessoas - de tentar prever preços futuros - é relevante para política. Uma forma de captar essa idéia é adicionar expectativas racionais (bem na linha do Einstein de "simple but not simpler").
O questionamento geral, porém, me parece ser o de "será que essa idéia não está na categoria do 'simpler'?". Será que os resultados radicais (por exemplo, de neutralidade da moeda) não são resultado da hipótese extremada de expectativas racionais? E a resposta é, obviamente, "não". Modelos que adicionam rigidez de preço, de mercado de trabalho, entre outros tipos de rigidez, são suficientes para nos dar resultados menos radicais com relação a efeitos de política monetária sobre atividade econômica.
Por esse motivo, eu realmente não entendo porque no Brasil muitos se recusam a aceitar qualquer resultado de qualquer modelo que inclua expectativas racionais. Nenhuma conclusão com relação a efeitos de política monetária está sendo presumida somente com essa hipótese. Mais ainda, aqueles que dizem que a culpa da crise está em parte na idéia de expectativas racionais (como o autor dessas entrevistas) dá a impressão de estar dando tiro as cegas.
O motivo para levar essa hipótese em conta na hora de fazer teoria macroeconomica, pelo menos para mim, não é a falta de hipóteses alternativas. Mankiw e Reis (2002) trabalham com a hipótese de custos de informação limitando reajustes de expectativas, Akerlof (1979, 2000) fez trabalhos mostrando tendências psicológicas dos agentes a cometerem erros na formação de expectativas. Outras possibilidades abundam na literatura.
Existe, porém, um motivo bastante razoável para levar em conta a idéia de expectativas racionais na formulação de modelos macroeconomicos. Muitas decisões que as pessoas tomam (por exemplo, qual preço o dono do boteco colocará para a cerveja, qual salário o sindicato/trabalhador pedirá para o empregador) dependem de previsões dos preços futuros. É natural, portanto, que as pessoas se esforcem para tentar fazer alguma previsão do preço que esteja, de alguma forma, relacionada com o preço futuro de que fato ocorrerá. Essa tentativa das pessoas - de tentar prever preços futuros - é relevante para política. Uma forma de captar essa idéia é adicionar expectativas racionais (bem na linha do Einstein de "simple but not simpler").
O questionamento geral, porém, me parece ser o de "será que essa idéia não está na categoria do 'simpler'?". Será que os resultados radicais (por exemplo, de neutralidade da moeda) não são resultado da hipótese extremada de expectativas racionais? E a resposta é, obviamente, "não". Modelos que adicionam rigidez de preço, de mercado de trabalho, entre outros tipos de rigidez, são suficientes para nos dar resultados menos radicais com relação a efeitos de política monetária sobre atividade econômica.
Por esse motivo, eu realmente não entendo porque no Brasil muitos se recusam a aceitar qualquer resultado de qualquer modelo que inclua expectativas racionais. Nenhuma conclusão com relação a efeitos de política monetária está sendo presumida somente com essa hipótese. Mais ainda, aqueles que dizem que a culpa da crise está em parte na idéia de expectativas racionais (como o autor dessas entrevistas) dá a impressão de estar dando tiro as cegas.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Política eleitoral...
Tanto o governo Lula quanto o José Serra (e aliados) têm feito propostas e promessas polêmicas. A oposição (melhor, alguns PSDBistas) vem falando em desvalorização cambial e queda dos juros como formas de desenvolver o país. Por outro lado, o Lula vem propondo a criação de companhias estatais nas mais diversas áreas, e recentemente, lançou um projeto de lei de direitos humanos que, na verdade, trata de todas as políticas que um Estado pode fazer (talvez, com a excessão de subsídios a pesquisa com células tronco de leões marinhos).
Os problemas das propostas do Serra já foram extensivamente discutidos aqui no blog. Para não deixar o texto longo demais, resumirei as propostas do Serra de agora como querer botar a estabilidade macroeconômica brasileira dos últimos 10 anos em risco.
As propostas do governo Lula não são nem um pouco menos polêmicas. Eu acho que poucos conseguiriam arranjar brigas com tanta gente em tão pouco tempo. Me atendo ao programa de direitos humanos: ele propõe a criação de comissões estatais para avaliar a imprensa (algo que eu discuti no blog aqui, proposta extremamente perniciosa), casamento homossexual e descriminalização do aborto (independentemente de serem propostas boas ou ruins, propô-las é pedir para arranjar briga com a Igreja Católica); e botar os militares na berlinda pela repressão na ditadura sem julgar, igualmente, aqueles que cometeram atentados terroristas durante a ditadura. Essa última proposta, tenho a impressão, que traz riscos desnecessários à sobrevivência da democracia brasileira, não agora, mas talvez em um futuro próximo, no qual condições econômicas estejam ruins e vários governos futuros tenham perdido apoio popular.
Por que dois grupos políticos, concorrendo a reeleição, estariam fazendo propostas tão polêmicas? Minha opinião agora é de que o PT e o PSDB estão tentando correr atrás do apoio dos setores da sociedade que tradicionalmente apoiam os dois partidos. Ao falar em desvalorização cambial e queda dos juros, o Serra está apelando para a plataforma das associações de indústrias e comércio, sem estar falando, porém, no vocabulário do povo, que pode nem compreender direito o que ele está falando. Com isso, o Serra pode conseguir contribuições de campanha, por exemplo, dos industriais. Da mesma forma, o governo Lula, ao trazer essas propostas do projeto de direitos humanos, está falando o vocabulário de movimentos sociais feministas, do MST, de militantes de esquerda que lutaram contra militares e defendem controle da imprensa, e outras tradicionais bases do partido. Falando com esse vocabulário, boa parte da sociedade não capta a mensagem, e o PT sinaliza para as suas bases que a sua ideologia de esquerda. Em outras palavras, os candidatos estão tentando se comunicar com suas militâncias única e exclusivamente para conseguir apoio eleitoral.
Porém, se esse é o motivo dessas propostas polêmicas, por que os candidatos não fazem essas propostas a portas fechadas com suas militâncias? As propostas do Serra podem fazer ele perder votos: uma das políticas bem sucedidas do governo Lula foi a política monetária e o câmbio flexível, e esse fato é reconhecido atualmente no Brasil (talvez, só com excessão de alguns economistas heterodoxos). O Serra está propondo mudar uma política que já é bem aceita, e trocá-la por uma política cujos resultados devem parecer incertos para o povo. O Lula também parece estar correndo atrás de perder votos: comprando brigas com militares, Igreja Católica, ruralistas e imprensa. O que eu acredito ser o determinante dessas polêmicas é: o eleitorado viu semelhanças enormes nas políticas implementadas nos governos do PT e do PSDB. Militantes que começaram apoiando o PT pelas promessas de fim da corrupção e calote da dívida externa podem estar perdidos: qual é a posição do PT? O mesmo pode ocorrer com empresários que apoiaram o PSDB e viram juros altos no governo FHC todo. A única forma dos partidos mostrarem sua "ideologia" para as suas bases de forma crível é mandando uma mensagem cara, dizendo "estou disposto a perder votos para falar que estou do teu lado". Em outras palavras, os partidos gostariam de falar só com os militantes. Sendo que, tendo observado o que o PT e o PSDB fizeram no governo, os militantes não acreditam mais em discursos de lideranças partidárias. Para os militantes acreditarem, só se os partidos falarem para a população toda ao mesmo tempo.
Trazudindo em jargão (por mais que soe contraditório que isso deva se chamar de tradução): os eleitores têm uma decisão de participação política (doar para a campanha eleitoral, ir para as ruas para gritar o nome do PT). Para atrair a participação daqueles que estariam dispostos a se mobilizar pelo partido (ou seja, os eleitores com opiniões mais extremas - pelo menos de acordo com os modelos de participação política com mais apelo empírico), os partidos tem que fazer propostas políticas extremistas, que de preferência sejam ouvidas somente pelas suas respectivas bases, mas não pelos outros eleitores (para que os políticos não percam os votos desses eleitores). Quando adicionamos nesse modelo, porém, informação assimétrica com relação a política com a qual o partido está se comprometendo, o partido terá que falar em público suas propostas extremadas: assim, eles perdem votos fazendo propostas radicais e os seus militantes podem tomar suas promessas como um sinal crível da política que será implementada.
Referências:
Glaeser, Ponzetto, Shapiro (2005), "Strategic Extremism: Why Republicans and Democrats Divide on Religious Values", QJE, 120(4)
Stephen Coate, Michael Conlin, Andrea Moro (2008), "The performance of pivotal-voter models in small-scale elections: Evidence from Texas liquor referenda", J. Pub. Econ, 92
Christopher Blattman (2008), "From Violence to Voting: War and Political Participation in Uganda", Am. Pol. Sci. Review
Os problemas das propostas do Serra já foram extensivamente discutidos aqui no blog. Para não deixar o texto longo demais, resumirei as propostas do Serra de agora como querer botar a estabilidade macroeconômica brasileira dos últimos 10 anos em risco.
As propostas do governo Lula não são nem um pouco menos polêmicas. Eu acho que poucos conseguiriam arranjar brigas com tanta gente em tão pouco tempo. Me atendo ao programa de direitos humanos: ele propõe a criação de comissões estatais para avaliar a imprensa (algo que eu discuti no blog aqui, proposta extremamente perniciosa), casamento homossexual e descriminalização do aborto (independentemente de serem propostas boas ou ruins, propô-las é pedir para arranjar briga com a Igreja Católica); e botar os militares na berlinda pela repressão na ditadura sem julgar, igualmente, aqueles que cometeram atentados terroristas durante a ditadura. Essa última proposta, tenho a impressão, que traz riscos desnecessários à sobrevivência da democracia brasileira, não agora, mas talvez em um futuro próximo, no qual condições econômicas estejam ruins e vários governos futuros tenham perdido apoio popular.
Por que dois grupos políticos, concorrendo a reeleição, estariam fazendo propostas tão polêmicas? Minha opinião agora é de que o PT e o PSDB estão tentando correr atrás do apoio dos setores da sociedade que tradicionalmente apoiam os dois partidos. Ao falar em desvalorização cambial e queda dos juros, o Serra está apelando para a plataforma das associações de indústrias e comércio, sem estar falando, porém, no vocabulário do povo, que pode nem compreender direito o que ele está falando. Com isso, o Serra pode conseguir contribuições de campanha, por exemplo, dos industriais. Da mesma forma, o governo Lula, ao trazer essas propostas do projeto de direitos humanos, está falando o vocabulário de movimentos sociais feministas, do MST, de militantes de esquerda que lutaram contra militares e defendem controle da imprensa, e outras tradicionais bases do partido. Falando com esse vocabulário, boa parte da sociedade não capta a mensagem, e o PT sinaliza para as suas bases que a sua ideologia de esquerda. Em outras palavras, os candidatos estão tentando se comunicar com suas militâncias única e exclusivamente para conseguir apoio eleitoral.
Porém, se esse é o motivo dessas propostas polêmicas, por que os candidatos não fazem essas propostas a portas fechadas com suas militâncias? As propostas do Serra podem fazer ele perder votos: uma das políticas bem sucedidas do governo Lula foi a política monetária e o câmbio flexível, e esse fato é reconhecido atualmente no Brasil (talvez, só com excessão de alguns economistas heterodoxos). O Serra está propondo mudar uma política que já é bem aceita, e trocá-la por uma política cujos resultados devem parecer incertos para o povo. O Lula também parece estar correndo atrás de perder votos: comprando brigas com militares, Igreja Católica, ruralistas e imprensa. O que eu acredito ser o determinante dessas polêmicas é: o eleitorado viu semelhanças enormes nas políticas implementadas nos governos do PT e do PSDB. Militantes que começaram apoiando o PT pelas promessas de fim da corrupção e calote da dívida externa podem estar perdidos: qual é a posição do PT? O mesmo pode ocorrer com empresários que apoiaram o PSDB e viram juros altos no governo FHC todo. A única forma dos partidos mostrarem sua "ideologia" para as suas bases de forma crível é mandando uma mensagem cara, dizendo "estou disposto a perder votos para falar que estou do teu lado". Em outras palavras, os partidos gostariam de falar só com os militantes. Sendo que, tendo observado o que o PT e o PSDB fizeram no governo, os militantes não acreditam mais em discursos de lideranças partidárias. Para os militantes acreditarem, só se os partidos falarem para a população toda ao mesmo tempo.
Trazudindo em jargão (por mais que soe contraditório que isso deva se chamar de tradução): os eleitores têm uma decisão de participação política (doar para a campanha eleitoral, ir para as ruas para gritar o nome do PT). Para atrair a participação daqueles que estariam dispostos a se mobilizar pelo partido (ou seja, os eleitores com opiniões mais extremas - pelo menos de acordo com os modelos de participação política com mais apelo empírico), os partidos tem que fazer propostas políticas extremistas, que de preferência sejam ouvidas somente pelas suas respectivas bases, mas não pelos outros eleitores (para que os políticos não percam os votos desses eleitores). Quando adicionamos nesse modelo, porém, informação assimétrica com relação a política com a qual o partido está se comprometendo, o partido terá que falar em público suas propostas extremadas: assim, eles perdem votos fazendo propostas radicais e os seus militantes podem tomar suas promessas como um sinal crível da política que será implementada.
Referências:
Glaeser, Ponzetto, Shapiro (2005), "Strategic Extremism: Why Republicans and Democrats Divide on Religious Values", QJE, 120(4)
Stephen Coate, Michael Conlin, Andrea Moro (2008), "The performance of pivotal-voter models in small-scale elections: Evidence from Texas liquor referenda", J. Pub. Econ, 92
Christopher Blattman (2008), "From Violence to Voting: War and Political Participation in Uganda", Am. Pol. Sci. Review
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Governo Lula e os aviões
O Brasil quer comprar aviões da França...os caças Rafale, da Dassault. Com essa decisão, o governo está contrariando o parecer do exército nacional, aquele que usará e administrará os aviões. Até aí, nada novo. Agora, se o governo brasileiro concretizar a compra nos termos da proposta atual, nós pagaremos quase 4 vezes mais do que a Índia pagou pelos mesmos aviões e quase 2 vezes mais que os Emirados Árabes Unidos pagaram pelos mesmos aviões. A Índia também conseguiu a transferência de tecnologia...
Vai entender qual é o interesse brasileiro no jato francês...
(Fonte: Merval Pereira, jornal O Globo de hoje).
Vai entender qual é o interesse brasileiro no jato francês...
(Fonte: Merval Pereira, jornal O Globo de hoje).
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