sexta-feira, 24 de julho de 2009

Liberdade por si própria

Será que liberdade tem um valor intrínseco, ou é somente um instrumento útil para que as pessoas atinjam seus objetivos? Na história do pensamento econômico (originado como pensamento filosófico, na verdade), a defesa das liberdades veio motivada pela segunda hipótese. Pessoas têm seus objetivos e gostos e, muitas vezes, têm os meios para atingí-los. Nesse caso, pelo fato de que as pessoas conhecem melhor que qualquer um as próprias metas, deveríamos deixar as pessoas agirem por conta própria, ao invés de tomarmos as decisões por elas. Ou seja, esse argumento mais tradicional diz que a liberdade tem um valor somente porque escolhas livres refletem melhor que "escolhas forçadas" os gostos das pessoas .

Porém, em muitas situações atuais, o argumento em favor da liberdade parece ter sido estendido: a liberdade passou a ser defendida como um valor em si próprio. Um exemplo claro desse caso foi a defesa do não à proibição de armas de fogo no referendo sobre o tema em 2005: proibir a comercialização de armas de fogo significava cercear a liberdade dos brasileiros. No caso das armas, a compra de armas por uma pessoa tem um impacto negativo sobre a vida de outros (que não é levado em conta na hora da compra da arma), e portanto, deveria ser restrita se considerássemos somente o argumento tradicional.

Não sei se as pessoas valorizam a própria liberdade por si só. Para saber isso, poderíamos testar a tese em dados. Seguindo a literatura de experimentos em economia, poderíamos convocar sujeitos, dá-los 5 reais, e colocá-los a se deparar com duas salas:
A - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos ou (ii) duas canecas e um biscoito;
B - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos, (ii) duas canecas e um biscoito ou (iii) uma caneca e um biscoito.
Os sujeitos devem pagar uma entrada para a sala em que forem entrar. Sabemos que a sala B dá mais liberdade de escolha aos sujeitos no experimento. Porém, se todos gostarem de canecas e biscoitos ilimitadamente, ninguém escolherá a opção (iii) da sala B. Ou seja, se a liberdade de escolha dos indivíduos só tem valor pela escolha final feita (melhor, pela felicidade que essa escolha final propicia), a sala A e a sala B deveriam ter o mesmo valor para todos os indivíduos. Se o blog ainda tem leitores, quanto vocês pagariam para estar em cada uma das salas?

Por mais que isso distorça os resultados, eis as conclusões que apareceriam do experimento:
(i) Se os indivíduos pagassem a mesma coisa para estar nas duas salas, os pensadores tradicionais estariam certos, e liberdade só teria um valor por permitir que as decisões sejam feitas mais de acordo com os gostos das pessoas.
(ii) Se os indivíduos pagassem mais para estar na sala B que na sala A, a liberdade de escolha, até nessa situação simples, teria um valor em si próprio, por mais que não permitisse nada a mais em termos de satisfação vinda do consumo de canecas e biscoitos.

PS.: Dado o tempo que eu fiquei sem publicar no blog, a minha estimativa é de perda de cerca de 80% dos leitores que o blog tinha.
PS2.: A estimativa é uma atualização da minha crença inicial pelo comentário do Marcelo...

4 comentários:

  1. Só uma observação de leitor chato: "estender" (logo, "estendido") é escrito com "S", apesar de extensão ser com "X".

    De resto, não tenho nenhuma opinião sobre o assunto :-/

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  2. perfeito....erro muito analfabeto meu...já corrigido

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  3. Acho que a racionalidade entra com força nessa discussão aqui... Um experimento como esse das canecas e biscoitos é simples o suficiente para que tomemos conclusões racionais e eliminemos a opção inútil (1 caneca, 1 biscoito), igualando as escolhas e viesando o resultado para a conclusão de que liberdade por si só não é valorizada.

    No entanto, na maior parte dos casos reais em que temos que escolher entre mais ou menos liberdade, temos incerteza. E uma "quantidade" mínima de incerteza é o suficiente para fazer com que experimentos nessa área sejam invalidados.

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  4. Concordo contigo anônimo. Agora, o que queremos fazer no experimento é exatamente isso: será que o valor da liberdade está associado somente à incerteza - ou seja, eu gosto de liberdade porque eu posso vir a precisar dela em termos de escolha - ou ela tem um valor intrínseco? Será que a liberdade só importa pq ela nos permite fazer escolhas melhores ou ela tem um valor além desse, intrínseco? Você num concorda?

    Mais ainda, isso pode ter uma implicação de política: se liberdade tem um valor intrínseco, queremos preservá-la mesmo que as pessoas façam escolhas piores por terem liberdade. Caso contrário, queremos criar mecanismos a partir dos quais as pessoas possam se comprometer com não fazer coisas que elas acham ruins...

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