sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Revoluções ajudam?

Um blog novo (sobalupadoeconomista.blogspot.com/, indicação do "A Mão Visível") trouxe um post interessante, resumindo um artigo do Acemoglu, Cantoni, Johnson e Robinson. O artigo mostra o impacto da revolução francesa sobre desenvolvimento de diferentes regiões na Europa após 1850. A conclusão do artigo é de que a revolução francesa trouxe desenvolvimento para as áreas invadidas (desenvolvimento é medido por maiores taxas de urbanização, mais estradas e por uma estimativa do PIB per capita da época). A explicação dos autores: a revolução francesa, por ter trazido ideais de igualdade perante as leis e por ter tirado do poder elites tradicionais, permitiu o desenvolvimento de melhores instituições que, por vez, trouxeram maior desenvolvimento econômico. Ainda mais, esses achados empíricos contrariam as teses de que instituições criadas no país são "melhores" que instituições importadas.

São necessários alguns cuidados com essas conclusões . Em primeiro lugar, existem vários estudos que mostram a dificuldade de se implementar de forma efetiva instituições por cima (ao invés de deixa-las aparecer naturalmente). São exemplos (i) um experimento feito na Índia mostrando que a criação de conselhos de pais em escolas (que deveriam fiscalizar a atividade escolar) foi pouco capaz de gerar maior participação dos pais nas escolas e maior esforço dos professores (Banerjee e Duflo (2008), Banerjee et al (2008)), (ii) um estudo que mostra que conselhos democráticos criados em vilas indianas por uma emenda constitucional (o propósito do conselho era a alocação de bens públicos no nível da vila) acabaram por ter suas pautas dominadas principalmente por donos de terras (Ban e Rao (2008)). Em geral, diversos estudos mostram a dificuldade de se implementar uma instituição de cima pra baixo em países pobres e, ao mesmo tempo, fazer as pessoas aderirem à instituição da forma desejada.

Em segundo lugar, mesmo que fossemos capazes de implementar instituições "importadas" forma efetiva, a qualidade da instituição naturalmente dependerá não somente da vontade do exportador, como também de outros fatores político-históricos. Por exemplo, é difícil acreditar que a invasão do Hugo Chávez em algum país geraria desenvolvimento. Porém, menos radical que esse exemplo, podemos ver os casos de mudanças institucionais patrocinadas pelos EUA na Guerra Fria. Mais formalmente, Easterly, Satyanath e Berger (2008) mostram que, na guerra fria, uma intervenção americana gerava o mesmo efeito (prejudicial) sobre democracia que uma intervenção da União Soviética.

Daí, vêm as dúvidas com relação ao artigo citado no início do texto: o que garante que a revolução francesa não teve somente o efeito de substituir uma elite por outra, deixando a elite de ser agrária e passando ela a ser urbana? Isso seria coerente com as maiores taxas de urbanização e maior construção de estradas (para abastecer as cidades que, agora, ficaram maiores). Ainda mais, os efeitos da revolução francesa sobre desenvolvimento (medidos por PIB per capita) me pareceram não ser tão robustos no artigo, não só pelas próprias estimativas dos efeitos, como também pela precariedade da medida do PIB per capita antes dos anos 1900 para a Europa.

Acemoglu et al trazem muitas conclusões interessantes no seu artigo, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista de desenvolvimento econômico e institucional. Agora, daí, para concluir que instituições artificialmente implementadas funcionam tão bem quanto instituições criadas naturalmente, precisamos não somente acreditar cegamente no artigo, quanto esquecer diversos outros estudos. Não sei se é pra tanto...

Referências:
ACEMOGLU, Daron, Davide CANTONI, Simon JOHNSON, James ROBINSON; "The Consequences of Radical Reform: The French Revolution", http://econ-www.mit.edu/files/3951

BANERJEE, Abhijit, Esther DUFLO; "Mandated Empowerment Handling Antipoverty Policy Back to the Poor", http://econ-www.mit.edu/files/2887

BANERJEE, Abhijit, Rukmini BANERJI, Esther DUFLO, Rachel GLENNESTER, Stuti KHEMANI, "Pitfalls of Participatory Programs: Evidence from a Randomized Evaluation in Education in India", NBER Working Paper no. 14311

BAN, Radu, Vijayendra RAO; "Is Deliberation Equitable? Evidence from Transcripts of Village Meetings in South India", mimeo

EASTERLY, William, Shanker SATYANATH, Daniel BERGER; "Superpower Interventions and their Consequences for Democracy: An Empirical Inquiry", NBER Working Paper no. 13992

4 comentários:

  1. Bom tópico!

    Acho suas ressalvas muito válidas. De outro lado, suas referências à literatura caminham mais no sentido de alertar para cuidado na interpretação do que para sugerir uma direção mais geral do efeito de importar instituições sobre desenvolvimento. Para mim, está claro que essa confusão na literatura se deve à falta de modelos mais cuidadosos sobre como determinadas instituições afetam restrições e incentivos para os agentes... tudo nessa literatura ainda é muito forma reduzida!

    Abs

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  2. Olá!

    Interessantes essas referências de estudos com micro dados que vocês mencionam. Em geral, prefiro também esse tipo de estudo.
    Uma nota: no paper do Acemoglu et al, os autores também olham para variação dentro de um mesmo país.

    Nossa postagem do artigo no Sob a Lupa gerou muita interpretação equivocada: nem acreditamos que os EUA devam invadir outros países para levar suas instituições econômicas "superiores", nem achamos que os achados do Acemoglu são a última e definitiva palavra no assunto.
    É apenas mais um paper interessante, sinalizando que talvez o papo do Rodrik de que "institutions do not travel well" não mereça o status que recebeu ultimamente.
    abraços

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  3. Lichand,

    Concordo contigo em tudo: acho o tópico interessante (apesar de não ter sido criação minha, foi roubo do Sob a Lupa do Economista), que a literatura que eu citei não dita uma direção geral para o efeito de importar instituições sobre desenvolvimento, e que falta teoria sobre o tema. De forma mais precisa, acho que essa literatura empírica indica que faltam bons modelos para o processo de formação de instituições informais, e como essas reagem às instituições formais (de jure) criadas.

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  4. Carlos Eduardo, olá!

    O meu comentário sobre o paper do Acemoglu é mais pelo fato de que o efeito de redistribuição para cidades é, provavelmente, um efeito cruzado: revolução francesa*urbanização inicial. Quanto maior a urbanização inicial, maior o incentivo/capacidade a redistribuir renda localmente para as cidades. E também, em última instância, se olharmos a amostra, temos 8 regiões dentro da Alemanha sendo analisadas (no nível subnacional). Se elas são grandes o suficiente, a variação dentro de um mesmo país não ajuda muito.

    Mas concordo contigo que as coisas não são tão simples quanto dizer "institutions don't travel well" no matter what's the case. Para compreender melhor o tema, volto a concordar com o Lichand, de que mais teoria/estudos são necessários.

    É verdade, é fácil aparecer gente no blog e entender errado o que se quis dizer...tanto no sentido de radicalizar a mensagem, quanto no sentido de usar argumentos em contextos para os quais o argumento não foi originalmente formulado...o que eu escrevi aqui é só porque, quando eu li o artigo, o Acemoglu me pareceu vender a conclusão como maior do que ela é...

    Abs

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