segunda-feira, 19 de julho de 2010

O véu islâmico

Nos últimos anos, diversos países europeus começaram a proibir o uso pessoal de objetos religiosos em escolas, órgãos do governo e em outras ocasiões. Agora, o governo laico da Síria também proibiu o uso do véu islâmico em universidades, com medo da recente popularização do uso do véu e das potenciais conseqüências disso para um governo laico no Oriente Médio. Muitos argumentam em favor dessas leis, dizendo que o véu islâmico deve ser reprimido por ser uma opressão da mulher em grupos islâmicos.

Não sei, porém, se a restrição ao uso do véu é uma forma eficaz de reduzir a opressão da mulher no mundo islâmico: se o véu é uma forma de oprimir as mulheres no mundo islâmico (e não é simplesmente cumprimento da religião), os homens utilizam essa forma de opressão porque preferem tê-las oprimidas, e não por gostar do véu. A restrição ao véu torna mais caro para os homens um único meio de opressão das mulheres, o que induz os homens a substituirem o véu por outros meios de opressão. Mais ainda, o não cumprimento da religião pode se traduzir em menor poder de barganha da mulher em um domicílio islâmico religioso, e mais espaço para o homem oprimir a mulher. Colocando de outra forma, pode ser que a opressão ao véu acabe gerando mais opressão à mulher, que passa a ser aquela que não cumpre a religião, ao invés da protegida pela lei.

É importante que mulheres tenham direitos iguais aos dos homens de ir a escola e ter um trabalho, e é importante reprimir a violência doméstica contra mulheres. Para fazê-lo nesses lugares em que as mulheres são oprimidas, acredito que deveríamos subsidiar a ida de mulheres à escola, subsidiar o emprego de mulheres e fazer mais "leis Maria da Penha". Fazendo isso, não só tornaríamos esses meios de opressão mais caros, como também aumentaríamos o poder de barganha das mulheres dentro do domicílio. Aí sim eu teria mais segurança de que o Estado está lutando contra a opressão das mulheres.

sábado, 19 de junho de 2010

Mídia e cobertura de violência política

Turkey reported late last week that during operations in May, its forces killed some 130 Kurdish militants in Iraqi territory
Se tem uma coisa que eu não entendo é o porquê de a mídia internacional cobrir que Israel matou 7 ou 9 militantes pró-Hamas que atacaram seus soldados, ou cobriu a violência política no Quênia após as últimas eleições, mas não cobrir que a Turquia mata militantes curdos em incursões contra curdos de iniciativa turca, ou que o governo do Sri Lanka quase acabou com o movimento dos Tigres de Tamil Eelat (que era um movimento separatista seletivo que só aceitava assassinos bem treinados) nos últimos 10 anos, e por aí vai. Mais ainda, eu não entendo o porquê de a mídia tomar um lado na questão de Israel, ou da Inglaterra contra o IRA, mas não tomar lado no caso do Quênia.

O que determina a cobertura de violência política pela mídia internacional? O que determina o viés da mídia nessas questões?

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Os políticos brasileiros e a sanções ao Irã

Recentemente, após a ONU aprovar sanções contra o Irã por seu programa nuclear, o chanceler Celso Amorim disse:
"Nós não acreditamos em sanções"
Claro...e como foi a reação da diplomacia brasileira à deposição de Manuel Zelaya em Honduras mesmo? Eles não queriam nem reconhecer presidente eleito...

Amorim ainda teve a ignorância de falar:
"Mais provável que [as sanções] tenham efeito negativo [sobre a continuidade do programa nuclear iraniano]"
Isso é o cúmulo da falta de conhecimento de evidências. Alguém já viu evidências de que piores condições econômicas melhoram a posição do governo incumbente? Eu já vi várias contrárias...e, como feito de vez em quando aqui no blog, uma lista de referências sobre o tema segue o texto.

Eu não sei porque, mais eu ainda me surpreendo com a dupla face da diplomacia brasileira atual: para os governantes de esquerda, tudo vale (inclusive abrir os nomes de votações e perseguir opositores), para os de direita, nada vale.

Referências:
Daron Acemoglu, Simon Johnson, James A. Robinson, Pierre Yared, "Income and Democracy", AER 98(3)
Markus Brückner, Antonio Ciccone, "Rainfall and the Democratic Window of Opportunity", Working Paper
Jeffrey DeSimone, Courtney LaFountain, "Still the Economy, Stupid: Economic Voting in the 2004 Election", NBER Working Paper 13549

sábado, 5 de junho de 2010

Israel, Hamas e a flotilla de ajuda internacional

Existe uma mania mundial de pensar que tudo que se declara como ajuda humanitária é bom para o mundo e para as pessoas, e que só os perversos podem se prejudicar com tanto iluminismo. Isso não é verdade nem de acordo com os mais simples ditados de sabedoria popular...

Um exemplo claro de que nem sempre a ajuda internacional é boa é a recente flotilla de ajuda à Gaza. Para explicar o porquê disso, vale rever um pouco da história recente do conflito Israel-Hamas. O Hamas chegou ao poder em 2006 na faixa de Gaza, e expulsou de lá, na base da guerra, todos que fizessem oposição ao seu "governo" (assim como o al-Fatah fez na Cisjordânia). Tendo o controle da faixa de Gaza, o grupo manteve suas atividades de usar casas de civis palestinos para lançar mísseis (obtidos com financiamento iraniano) e tentar matar cidadãos israelenses. Por esse motivo, Israel criou um bloqueio à entrada de cimento, máquinas e outras coisas que pudessem ser usadas pelo Hamas na criação de armazéns de armas, túneis subterrâneos para contrabando, construção mísseis e nos ataques frequentes que o movimento fazia à Israel (para quem não conhece, procure se informar sobre a rotina da cidade de Sderot antes da guerra contra o Hamas, que era alvo de um míssil por dia). Por esse motivo também que houve a guerra contra o Hamas no final de 2008.

O grande problema dos palestinos na Faixa de Gaza é o Hamas no poder. Este é um movimento que governa sem oposição, comprando e forçando a população a agir de acordo com a agenda do grupo. Isso é feito de forma bastante simples: para oferecer ajuda internacional, os recursos devem passar pelas mãos do Hamas, para que o Hamas distribua os recursos de acordo com os seus interesses. Aqueles que não oferecerem suas casas como base de lançamentos de mísseis serão punidos, tanto com base em redução do acesso à serviços públicos, quanto com base em violência.

O bloqueio a Gaza, no final, tende a enfraquecer o Hamas: em primeiro lugar, o movimento perde recursos para fazer ajuda internacional. Em segundo lugar, as más condições econômicas favorecem o aparecimento de novos grupos que sejam capazes de competir politicamente com o Hamas, seja legal ou ilegalmente. Por fim, mesmo que o Hamas reaja às más condições econômicas com repressão da oposição, ele estará mais enfraquecido assim do que sob boas condições econômicas: se isso não fosse verdade, o Hamas forçaria as más condições econômicas por conta própria e se utilizaria de repressão em momentos de boas condições econômicas (o que não me parece nem um pouco razoável). O povo palestino na Faixa de Gaza se prejudica enormemente dessa situação. Mas devemos deixar bem claro: o problema dos moradores da Faixa de Gaza é o poder do Hamas, e o enfraquecimento do Hamas (com a manutenção de algum grupo pacífico que faça ajuda social) é a única política possível para melhorar a vida dos palestinos no longo prazo. O problema é que não conhecemos nenhuma política diferente de sanções que seja capaz reduzir a força de um movimento político no poder.

Após a longa digressão para entender o porquê do bloqueio econômico à Gaza, eu volto ao caso da flotilla. A flotilla estava em desacordo com a lei de um país democrático e soberano, que impôs um bloqueio econômico a uma região dominada por um movimento terrorista que transforma os seus civis em militares (ao forçá-los a usar suas casas como bases de lançamentos de mísseis). Os membros da flotilla disseram que não entregariam a ajuda nas mãos de Israel, pois eles nao ditribuiriam o cimento, as máquinas e a ajuda de reconstrução. O que eles "não perceberam" é que eles, ao fazer essa escolha, estão entregando a ajuda nas mãos do Hamas. A flotilla não tomou o lado do povo palestino: ela tomou o lado do Hamas contra Israel. Ela agiu na direção de perpetuar um grupo político populista e violento, e de continuar subjugando o povo palestino aos maus governos que o povo tem enfrentado.

O pior é que, quando Israel tenta se proteger e fazer a lei valer, os seus militares são recebidos na base da porrada. A sabedoria popular nos diz: o inferno está cheio de boas intenções, talvez até melhores que as da flotilla.

ATUALIZAÇÃO 1: O relato de serviços de inteligência israelenses sobre a preparação da flotilla está aqui. O relato também fala sobre as ligações do primeiro ministro turco, Recep Tayyip Erdogan com o grupo que organizou a flotilla.

ATUALIZAÇÃO 2: Sobre ligações da organização da flotilla com o Hamas e outros movimentos terroristas árabes, o relato da central de inteligência israelense é esse. Alguém no Brasil tem que dizer qual é o lado de Israel na história...

domingo, 16 de maio de 2010

Pseudo novidade

O instituto Vox Populi acabou de anunciar: sua pesquisa eleitoral aponta Dilma na frente de Serra (Dilma com 38% das intenções de voto, e Serra com 35% das intenções de voto, margem de erro de 2,2 pontos percentuais, sabe se lá a qual nível de confiança, já que eles nunca divulgam isso). É fácil apontar a Dilma na frente do Serra quando a pesquisa pede uma avaliação da qualidade do governo Lula logo antes da pergunta de intenção de voto.

Seria bastante mais correto fazer como o Ibope e o Datafolha estão fazendo: incluir perguntas com avaliações subjetivas do governo Lula somente após a pergunta de intenção de voto. Incluir a pergunta antes lembra o entrevistado das boas ações do governo Lula (já que o atual governo é bastante popular), sem lembrá-lo das potenciais virtudes de Serra, Marina, e outros candidatos. É pouco provável que essa memória seletiva pró governo Lula reflita o estado de espírito do eleitor na hora do voto, que não terá respondido perguntas sobre o quão bom foi o governo Lula logo antes de votar.

Não fiquem demais com as pesquisas eleitorais. Mas se quiserem alguma, fiquem com a do Ibope e do Datafolha.

ATUALIZAÇÃO: O Datafolha acabou de anunciar que, na sua pesquisa, Serra e Dilma estão empatados em 37% das intenções de voto (perceba, se o Datafolha estiver certo, o Vox Populi errou gravemente para baixo as intenções de voto para o Serra, ao ponto do Datafolha estar quase fora do intervalo de confiança anunciado pelo Vox Populi. Isso com duas pesquisas que foram lançadas com uma semana de diferença). Agora, isso é interessante: aparentemente, perguntar para os eleitores sobre a qualidade do governo Lula faz os "não petistas" ficarem mais na dúvida...mas eles não parecem considerar que a Dilma será uma pura continuação do governo Lula.

terça-feira, 11 de maio de 2010

A entrevista de Serra

O candidato José Serra deu ontem uma entrevista a rádio CBN, na qual falou sobre a autonomia do BC (em resposta a perguntas de Miriam Leitão). O candidato começou falando que manterá, caso seja eleito, a autonomia do Banco Central para fazer política monetária. Após deixar os leitores calmos, porém, o candidato completa com frases como as que seguem:
"O Banco Central não é a Santa Sé. Você acha isso, sinceramente, que o Banco Central nunca erra? Tenha paciência"
Eu acho que é bom o BC não ser a Santa Sé...mas não vou fazer nenhum comentário muito mais politicamente incorreto...
"Você vê o BC errando e fala: 'Não, eu não posso falar porque são sacerdotes. Eles têm algum talento, alguma coisa divina, alguma coisa secreta tal que você não pode nem falar: Ó, pessoal, vocês estão errados.' Tenha paciência"

"Se houver um erro calamitoso, o presidente tem que fazer sentir sua posição, como o presidente Lula faz e o Fernando Henrique fez."
Essas citações foram dolorosas de ler. Como um candidato, supostamente com diploma de economia, pode falar tanta asneira? Será que os candidatos desse ano estão competindo para ver quem é pior?

Para começar, já ouvi ex-presidentes do BC falando que o Fernando Henrique dava autonomia completa e não intervia nas tomadas de decisão de taxa de juros. Além disso, gostaria de saber como o Serra sabe que o Lula faz sentir a sua posição em termos de política monetária.

Mas isso é o de menos. Candidato Serra: o BC erra, mas o senhor também erra, e no momento da decisão de política monetária, ninguém sabe quem está certo (se bem que tendo uma aposta Henrique Meirelles vs. Serra, não é muito arriscado apostar no primeiro). E as questões são: o presidente acha que uma coisa deve ser feita e o presidente do BC acha que outra deve ser feita. Qual é a opinião que vale? Nós queremos que seja a do presidente do BC. O motivo:

- O Presidente da República pode ter incentivos a se aproveitar de expectativas de inflação baixas para liberar a política monetária e, com isso, criar mais empregos. Uma vez que as pessoas percebam isso, elas irão aumentar suas expectativas de inflação, o que impedirá a criação dos empregos e trará maior inflação.
- Por outro lado, em um sistema de metas de inflação (que automaticamente definem uma meta para emprego), o presidente do BC tem incentivos a manter a inflação perto da meta, ao invés de tentar enganar o mercado para trazer um nível de emprego maior. Isso nos dará o mesmo nível de emprego que na situação anterior, só que com menor taxa de inflação.

A explicação do Serra, para dizer que o presidente deve dizer quando a política estiver errada, é uma grande baboseira: o presidente não sabe quando a política está errada (em particular, sendo o Serra o presidente, ele não saberá quando a política estiver errada).

sábado, 1 de maio de 2010

A burocracia

Acabei de saber pela internet de um sujeito, de 18 anos, que enfrenta a seguinte dificuldade:
...tenho 18 anos. Fui tirar a 2ª via do CPF, que tinha perdido semana passada, logo, a atendente fala que eu preciso do Título de Eleitor, que eu não tenho. Fui tirar o Título, ai disseram que preciso estar alistado, e pra estar alistado preciso do CPF.
Não é estranho cobrar que o sujeito com mais que 18 anos tenha que estar alistado para tirar o título de eleitor? Afinal, ele pode tirar o título aos 16 anos, quando ele não pode estar alistado. Mais ainda, por que alguém teria que poder pagar o imposto de renda para se alistar no exército? Para quem paga imposto de renda, ser convocado pelo exército não é um benefício (do ponto de vista de que existem empregos que pagam mais para esse cara...talvez seja um benefício se o cara for muito patriota...).