A criação de um sistema público de saúde, com acesso universal, foi uma das propostas mais controversas do governo de Obama. Alguns amigos meus (brasileiros) criticam: criar um sistema de saúde público nos EUA não é lutar por acesso universal, é trazer filas de espera em hospitais, atendimento precário e os problemas que nós, como brasileiros, estamos acostumados a ver no nosso sistema de saúde público de acesso "universal". As teorias que apoiam essas críticas dos meus amigos são inúmeras - pessoas que tem acesso grátis à saúde vão usar o sistema sem se preocupar com os custos que elas geram, governos/empregados públicos são ineficientes em administrar sistemas públicos, entre outras.
O que os meus amigos não perceberam, porém, é que os americanos não tem como parâmetro de comparação o sistema brasileiro de saúde, mas sim, os sistemas europeus (em particular, o inglês). Na Europa, muitos países tem sistemas de saúde públicos com acesso universal e com bom atendimento. O que garante que os EUA terão o sistema de saúde público europeu, e não o brasileiro? Para isso, precisaremos responder: O que permite que os europeus (em particular, os ingleses) tenham bons sistemas de saúde públicos, enquanto que a gente não os tem?
Em primeiro lugar, o sistema de saúde inglês tem uma tecnologia, por assim dizer, de impedir o sobreuso do sistema de saúde (pessoas utilizando o sistema de saúde sem perceber o impacto que elas têm sobre os custos desse sistema). Com o aparecimento de um novo tratamento para uma nova doença, consultores da agência administradora do sistema de saúde inglês procuram saber: quantos anos de vida a mais o tratamento dá ao paciente? Durante esse tempo a mais de vida, o paciente tem boa ou má qualidade de vida? A isso, se associa estudos sobre (i) "quantos anos de vida saudável equivalem à 5 anos de vida doente para o paciente médio na Inglaterra?" e (ii) "qual é o valor monetário que as pessoas dão à um ano a mais de vida saudável?" (para esse último, o que se faz, em geral, é olhar para o salário que as pessoas têm que receber para aceitar empregos com maior risco de vida, se pode inferir, de alguma forma, o quanto as pessoas valorizam a própria vida). Desses dois tipos de estudo, se calcula o quantos anos de vida a mais (ajustados por qualidade de vida) o tratamento dá (medida conhecida como "QALY") e o quanto as pessoas estão dispostas a pagar por um QALY a mais. Em média, os estudos indicam que as pessoas pagariam cerca de 25 mil dólares por um QALY de vida a mais (ou seja, por um ano de vida saudável a mais). O sistema de saúde público inglês, em decorrência desses estudos, só oferece tratamentos que custem menos que 40 mil dólares por QALY oferecido (para dar alguma margem de confiança). Isso reduz o espaço para o oferecimento de tratamentos de saúde cujo custo é maior que a valorização que as pessoas dão ao tratamento. Apesar dos erros de mensuração dessas metodologias, isso é o melhor que se pode fazer em termos de saúde pública. Para uma discussão mais detalhada, recomendo esse texto (infelizmente, de acesso limitado). Na Alemanha, o sistema de saúde dá direito a uma consulta anual para cada cidadão com fins preventivos, e o não aproveitamento das consultas para detecção de doenças em estágios iniciais pode limitar o acesso à saúde da pessoa. Um fato conhecido é que tratamento de doenças em estágios iniciais e tratamentos preventivos é muito mais barato que o tratamento para curar doenças.
Um segundo ponto é que, independentemente de corrupção, alguns governos são mais eficientes em prover serviços (entre eles, o de saúde) que outros governos. Nos lugares mais eficientes, existe menos burocracia governamental, melhores instituições de governança, e tudo isso permite que se gaste menos com burocratas e mais com oferecimento de leitos hospitalares/equipamento e remédios para tratamentos de saúde.
O que garante que os EUA devem comparar a sua situação à européia, e não à brasileira, é que, em primeiro lugar, o governo americano e muitos governos europeus são muito mais eficientes que o governo brasileiro em prover bens públicos (e a eficiência do governo americano e desses governos europeus são semelhantes). São provas disso o fato de que os EUA são o 18o. no ranking de países percebidos como menos corruptos; a Inglaterra, 16o.; a França, 23o.; a Suiça, 5o.; a Alemanha o 14o. e o Brasil, 80o. (números do Transparency International 2008). Olhando-se para efetividade do governo, os EUA e os países europeus citados estão entre os 10% com mais efetividade de governo no mundo, enquanto que o Brasil ocupa o percentil 54.5. O mesmo exercício pode ser feito com diversos indicadores que mostram capacidade do governo em prover serviços, todos com resultados parecidos (uma página com os rankings é essa). Em segundo lugar, os sistemas de saúde públicos europeus, como mostrado anteriormente, desenvolveram diversas regras (que nós brasileiros não desenvolvemos) para evitar sobreuso do sistema de saúde público e melhorar a capacidade de ofertar saúde pública. Essas regras curam exatamente um dos maiores problemas do sistema americano (ele é excessivamente caro), e as regras aqui descritas foram, em parte, o que se tentou implementar nos EUA na proposta do Obama. Me parece claro que, com um governo ordens de magnitude mais eficiente em prover serviços públicos e com regras que permitem baratear a provisão dos serviços de saúde (regras essas coerentes com os gostos das pessoas), o problema de um sistema de saúde público americano não será o problema de filas e incapacidade de provisão que o sistema brasileiro enfrenta.
A pergunta natural é: quais são, então, os potenciais problemas que um sistema público americano pode enfrentar? Em primeiro lugar, os EUA são o maior produtor de tecnologia de saúde no mundo, e muitos estudos indicam que isso tenha a ver com a organização do setor de saúde americano. Diminuir a possibilidade de oferta de tratamentos caros, naturalmente, aumenta o custo de desenvolvimento tecnológico de tratamentos de saúde (os avanços tecnológicos passam a ter que ser maiores para serem adotados), e por isso, podem reduzir o ritmo de desenvolvimento de tratamentos para doenças ainda não tratáveis. Ainda mais, o sistema de saúde nos EUA possui o melhor sistema de saúde para tratamento de doenças raras, algo que pode deixar de ser verdade com a adoção das regras européias.
Colocando de outra forma: a questão do sistema de saúde americano é uma questão redistribuitiva. É melhor desenhar um sistema de saúde que tem acesso universal, atende bem doenças médias mas não tão bem doenças raras, ou um sistema de saúde sem acesso universal, que, porém, garante que quem tiver acesso sobreviverá a qualquer mal que lhe atacar? Não sei a resposta, mas sei que, nessa questão, não vale citar o trade-off equidade-eficiência que alguns economistas tanto gostam de frisar: a ocorrência de muitas doenças, por natureza, têm externalidades (esse é o caso de doenças transmissíveis). Principalmente no caso de doenças "muito transmissíveis", a solução que provê igualdade de tratamento diminui as externalidades de um tratamento desigual, fazendo eficiencia crescer com igualdade.
domingo, 1 de novembro de 2009
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Altruísmo é manipulável?
Muitos acreditam que resolveremos os males do mundo passando a doar mais e sendo mais altruistas uns com os outros. Será que essa solução é factível, ou é mais uma fantasia dos "intelectuais" de hoje em dia?
O Levitt e o Dubner estão lançando um novo livro ("Superfreakonomics") no qual eles falam um pouco sobre isso. Eles citam diversos experimentos mostrando que aquilo que normalmente consideramos ser altruísmo é, em boa parte, motivado por egoísmo. Por exemplo, pais ricos em abrigos para idosos recebem mais visitas dos filhos que pais pobres. Verdade, não sabemos se é vingança do filho por, por exemplo, o pai mais pobre não ter lhe dado educação; ou se é egoísmo. Agora, se não tiver competição pela herança (por exemplo, um irmão que também pode levar a herança), os filhos param de ir visitar os pais (o que nos faz acreditar mais na tese do egoísmo).
Outros exemplos estão nesse vídeo curto, que divulga um programa que a rede de televisão americana ABC fará sobre o livro.
O Levitt e o Dubner estão lançando um novo livro ("Superfreakonomics") no qual eles falam um pouco sobre isso. Eles citam diversos experimentos mostrando que aquilo que normalmente consideramos ser altruísmo é, em boa parte, motivado por egoísmo. Por exemplo, pais ricos em abrigos para idosos recebem mais visitas dos filhos que pais pobres. Verdade, não sabemos se é vingança do filho por, por exemplo, o pai mais pobre não ter lhe dado educação; ou se é egoísmo. Agora, se não tiver competição pela herança (por exemplo, um irmão que também pode levar a herança), os filhos param de ir visitar os pais (o que nos faz acreditar mais na tese do egoísmo).
Outros exemplos estão nesse vídeo curto, que divulga um programa que a rede de televisão americana ABC fará sobre o livro.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
A economia política do aumento do IOF
Uma surpresa recente (pelo menos para quem achava que o Brasil tinha aprendido as lições de como fazer boa política econômica) foi a notícia de taxação em 2% de capitais estrangeiros via IOF. Por que o governo fez uma política sabidamente ruim, com histórico de fracasso? Quais são as motivações políticas para esse aumento do IOF? Quem ganha e quem perde com essa política?
Para saber quem ganha e quem perde com a política, em primeiro lugar, é importante saber o porquê dessa política ser ruim.
(1) A restrição à entrada de capital estrangeiro em bolsa limita a disponibilidade de financiamento via bolsa, o que pode ser um limite aos investimentos das empresas com ações em bolsa (ponto levantado pelo Espectro e pelo A Mão Visível).
(2) Mais ainda, a limitação à entrada de capitais estrangeiros para renda fixa pode aumentar o custo de financiamento do governo por reduzir a demanda pelos títulos do governo (ponto levantado pelo Adão). Para um governo que vem aumentando gastos permanentes, dificuldade de financiamento pode se tornar um problema.
(3) Adicionalmente, capital internacional se ajusta a "inovações fiscais" facilmente: ou os investidores estrangeiros escolhem novos destinos para o seu dinheiro (em outras palavras, investimentos têm uma "elasticidade-imposto" alta, se o imposto incidir de fato). Alternativamente, os investidores estrangeiros ou descobrem mecanismos/furos para fugir dos impostos e ainda vir para o Brasil (esse último, mostrado em um paper do Márcio Garcia).
(4) Por fim, existe um impacto de expectativas e percepção de segurança de um investimento no Brasil. Esse caso do IOF sobre entrada de capital é mais um episódio confirmando o fato: nunca se sabe quando um presidente ou um outro qualquer terá um surto forte o suficiente para induzir cagadas (ponto de comentários no Espectro pelo Marcos Pinheiro e pelo Caruso).
Desses pontos, uma tese da motivação para a adoção dessa política surge de cara: em final de mandato, o político não enxerga as conseqüências da queda de investimentos e das inseguranças/incertezas do ambiente econômico (quaisquer que sejam essas conseqüências, elas acontecerão no próximo mandato). Políticos também não vêem o impacto completo de taxar investidores estrangeiros: estrangeiros, por definição, têm pouco poder de mudar eleições no Brasil. Isso, por si só, pode motivar uma política miópica, como essa taxação de investidores estrangeiros. Adicionalmente, houve aumento significativo dos gastos permanentes pelo governo (contratação de servidores públicos, por exemplo) e, se houver aumento nos custos de financiamento do governo, o governo seguinte poderá enfrentar alguns problemas com ajustes fiscais. Essas dificuldades potenciais para o início do próximo mandato podem facilitar a volta do Lula para um terceiro mandato após o próximo governo. Não preciso falar que isso é motivação ainda maior para uma política economicamente ruim no momento em que vivemos.
Uma segunda tese, ligada à atuação de grupos de interesses especiais, pode também ser relevante. Uma política de controle de capitais efetiva teria conseqüências nefastas para a população como um todo, o que pode ser um risco político grande demais para ano eleitoral. Entre os riscos de controles de capitais efetivos (se é que eles existem), podem estar a alta do dólar e, como conseqüência, de inflação. Mais ainda, o custo do investimento subiria com a alta do dólar, via encarecimento de bens de capital importado. Ou seja, uma política de controle de capitais efetiva teria como conseqüências encarecimento do consumo e do investimento (e em particular, queda do investimento).
Observando o embate entre (i) pressão política por controles de capital feita por grupos de interesses de exportadores (que se beneficiam da alta do dólar) e (ii) perdas de bem estar geral (principalmente para consumidores e importadores), podemos entender a escolha do governo pelo IOF. Assim, se adota políticas que tem pouca efetividade em alterar a tendência de câmbio (de alguma forma, cedendo aos interesses da população em geral), mas que ainda assim passam a impressão de estar lutando contra o dolar baixo (mantendo proximidade ao grupo de interesse). Se essa é a motivação do governo, a adoção de uma política que se sabe ser ineficiente, surpreendentemente, é motivada por bem estar (pelo menos parcialmente). Vale notar, porém: esse argumento todo depende claramente (i) da ineficiência do IOF em reduzir o fluxo de capitais e alterar a trajetória de câmbio; (ii) da capacidade da sociedade se organizar para evitar perdas de bem estar grandes; e (iii) da capacidade do governo poder enganar os grupos de exportadores.
Porém, algumas dessas hipóteses podem não ser razoáveis. Ainda assim, outra tese de ação de grupos de interesse pode aparecer. Com a limitação ao fluxo de capitais estrangeiros, as vantagens de conseguir capital via bolsa se reduzem. Isso pode reduzir a competição na oferta de capital para empresas (por exemplo, pode ser que bancos passem a ter menos competição no mercado de empréstimos, pois um mercado concorrente, de equity, se tornou menos vantajoso para empresas). Em outras palavras, setores com dotações altas de capital podem ser os beneficiados pela política do IOF (apesar de eles perderem também o financiamento externo, até onde eu sei, existe relativamente pouco financiamento externo no setor financeiro brasileiro). Devemos perceber que, nessa tese, não estamos supondo que ninguém está sendo enganado, muito menos que todos têm capacidade de se organizar para fazer pressão por políticas mais eficientes. Apesar de toda essa argumentação, a agenda política das associações dos bancos parece ser diferente do controle de capitais.
Acho que, se alguma dessas teses é verdadeira (pode ser que nenhuma delas seja), a primeira me parece ser a mais provável. Agora que a política foi feita, vai sobrar para a política monetária consertar. Ou ela será que ser contracionista (para adequar a demanda à queda em investimentos que maturariam no final do ano que vem), ou uma reputação conquistada após 10 anos de política monetária será colocada a perder. A minha humilde opinião é de que nenhum dos potenciais benefícios políticos descritos acima compensam as perdas políticas de política monetária muito contracionista em ano eleitoral (que podem colocar a candidatura da Dilma a perder, o que não parece ser a vontade do governo), o que indicaria que a política monetária seria colocada de lado. Ao mesmo tempo, se a política monetária boa for colocada de lado, existem boas chances de um surto de inflação, o que seria suficiente para enterrar de vez a candidatura da Dilma em 2010 e podem matar a do Lula em 2014, eu acredito.
A impressão que fica é que o governo quer fazer algo como viajar para a India a nado. Eu não sei julgar se a intenção de viajar para a India é boa ou ruim, mas com certeza, sei que nado não é o melhor meio de transporte. Da mesma forma, sei que, quaisquer que sejam os objetivos políticos do governo, controles de capital não são o meio para atingí-los.
Para saber quem ganha e quem perde com a política, em primeiro lugar, é importante saber o porquê dessa política ser ruim.
(1) A restrição à entrada de capital estrangeiro em bolsa limita a disponibilidade de financiamento via bolsa, o que pode ser um limite aos investimentos das empresas com ações em bolsa (ponto levantado pelo Espectro e pelo A Mão Visível).
(2) Mais ainda, a limitação à entrada de capitais estrangeiros para renda fixa pode aumentar o custo de financiamento do governo por reduzir a demanda pelos títulos do governo (ponto levantado pelo Adão). Para um governo que vem aumentando gastos permanentes, dificuldade de financiamento pode se tornar um problema.
(3) Adicionalmente, capital internacional se ajusta a "inovações fiscais" facilmente: ou os investidores estrangeiros escolhem novos destinos para o seu dinheiro (em outras palavras, investimentos têm uma "elasticidade-imposto" alta, se o imposto incidir de fato). Alternativamente, os investidores estrangeiros ou descobrem mecanismos/furos para fugir dos impostos e ainda vir para o Brasil (esse último, mostrado em um paper do Márcio Garcia).
(4) Por fim, existe um impacto de expectativas e percepção de segurança de um investimento no Brasil. Esse caso do IOF sobre entrada de capital é mais um episódio confirmando o fato: nunca se sabe quando um presidente ou um outro qualquer terá um surto forte o suficiente para induzir cagadas (ponto de comentários no Espectro pelo Marcos Pinheiro e pelo Caruso).
Desses pontos, uma tese da motivação para a adoção dessa política surge de cara: em final de mandato, o político não enxerga as conseqüências da queda de investimentos e das inseguranças/incertezas do ambiente econômico (quaisquer que sejam essas conseqüências, elas acontecerão no próximo mandato). Políticos também não vêem o impacto completo de taxar investidores estrangeiros: estrangeiros, por definição, têm pouco poder de mudar eleições no Brasil. Isso, por si só, pode motivar uma política miópica, como essa taxação de investidores estrangeiros. Adicionalmente, houve aumento significativo dos gastos permanentes pelo governo (contratação de servidores públicos, por exemplo) e, se houver aumento nos custos de financiamento do governo, o governo seguinte poderá enfrentar alguns problemas com ajustes fiscais. Essas dificuldades potenciais para o início do próximo mandato podem facilitar a volta do Lula para um terceiro mandato após o próximo governo. Não preciso falar que isso é motivação ainda maior para uma política economicamente ruim no momento em que vivemos.
Uma segunda tese, ligada à atuação de grupos de interesses especiais, pode também ser relevante. Uma política de controle de capitais efetiva teria conseqüências nefastas para a população como um todo, o que pode ser um risco político grande demais para ano eleitoral. Entre os riscos de controles de capitais efetivos (se é que eles existem), podem estar a alta do dólar e, como conseqüência, de inflação. Mais ainda, o custo do investimento subiria com a alta do dólar, via encarecimento de bens de capital importado. Ou seja, uma política de controle de capitais efetiva teria como conseqüências encarecimento do consumo e do investimento (e em particular, queda do investimento).
Observando o embate entre (i) pressão política por controles de capital feita por grupos de interesses de exportadores (que se beneficiam da alta do dólar) e (ii) perdas de bem estar geral (principalmente para consumidores e importadores), podemos entender a escolha do governo pelo IOF. Assim, se adota políticas que tem pouca efetividade em alterar a tendência de câmbio (de alguma forma, cedendo aos interesses da população em geral), mas que ainda assim passam a impressão de estar lutando contra o dolar baixo (mantendo proximidade ao grupo de interesse). Se essa é a motivação do governo, a adoção de uma política que se sabe ser ineficiente, surpreendentemente, é motivada por bem estar (pelo menos parcialmente). Vale notar, porém: esse argumento todo depende claramente (i) da ineficiência do IOF em reduzir o fluxo de capitais e alterar a trajetória de câmbio; (ii) da capacidade da sociedade se organizar para evitar perdas de bem estar grandes; e (iii) da capacidade do governo poder enganar os grupos de exportadores.
Porém, algumas dessas hipóteses podem não ser razoáveis. Ainda assim, outra tese de ação de grupos de interesse pode aparecer. Com a limitação ao fluxo de capitais estrangeiros, as vantagens de conseguir capital via bolsa se reduzem. Isso pode reduzir a competição na oferta de capital para empresas (por exemplo, pode ser que bancos passem a ter menos competição no mercado de empréstimos, pois um mercado concorrente, de equity, se tornou menos vantajoso para empresas). Em outras palavras, setores com dotações altas de capital podem ser os beneficiados pela política do IOF (apesar de eles perderem também o financiamento externo, até onde eu sei, existe relativamente pouco financiamento externo no setor financeiro brasileiro). Devemos perceber que, nessa tese, não estamos supondo que ninguém está sendo enganado, muito menos que todos têm capacidade de se organizar para fazer pressão por políticas mais eficientes. Apesar de toda essa argumentação, a agenda política das associações dos bancos parece ser diferente do controle de capitais.
Acho que, se alguma dessas teses é verdadeira (pode ser que nenhuma delas seja), a primeira me parece ser a mais provável. Agora que a política foi feita, vai sobrar para a política monetária consertar. Ou ela será que ser contracionista (para adequar a demanda à queda em investimentos que maturariam no final do ano que vem), ou uma reputação conquistada após 10 anos de política monetária será colocada a perder. A minha humilde opinião é de que nenhum dos potenciais benefícios políticos descritos acima compensam as perdas políticas de política monetária muito contracionista em ano eleitoral (que podem colocar a candidatura da Dilma a perder, o que não parece ser a vontade do governo), o que indicaria que a política monetária seria colocada de lado. Ao mesmo tempo, se a política monetária boa for colocada de lado, existem boas chances de um surto de inflação, o que seria suficiente para enterrar de vez a candidatura da Dilma em 2010 e podem matar a do Lula em 2014, eu acredito.
A impressão que fica é que o governo quer fazer algo como viajar para a India a nado. Eu não sei julgar se a intenção de viajar para a India é boa ou ruim, mas com certeza, sei que nado não é o melhor meio de transporte. Da mesma forma, sei que, quaisquer que sejam os objetivos políticos do governo, controles de capital não são o meio para atingí-los.
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
O Nobel desse ano...
Esse ano, o Nobel de economia foi para Oliver Williamson e Elinor Ostrom. Os trabalhos dos premiados tem a ver com desenho de instituições que operem eficientemente. O primeiro trabalhou com essas questões no contexto de firmas: por exemplo, por que firmas se verticalizam ou por que elas decidem deixar suas operações no nível do mercado (mais especificamente, o que as leva a produzir ou comprar matérias primas)?
Não conhecia o trabalho de Ostrom, então, fui procurar uns blogs falando sobre ela (não achei/não tive tempo para download de papers). O trabalho dela, aparentemente, lida com o desenho de instituições diferentes das de mercado para lidar com problemas de recursos públicos. As discussões tradicionais em economia sobre uso de recursos públicos/produção de bens públicos se pautaram nos problemas de ação coletiva. Ostrom ganhou o Nobel por mostrar que, em diversas situações, empiricamente, as pessoas conseguem usar eficientemente bens públicos via organização de comunidades/criação de reputação e confiança mútua e sem ter que definir direitos de propriedade/mercados para "curar" os problemas de ação coletiva.
Fiquei na dúvida ao ler isso: como ela mediu uso eficiente de bens públicos? Será que foram mecanismos de reputação/confiança/organização coletiva que geraram uso eficiente dos bens públicos, ou outros mecanismos? Fui procurar um pouco mais.
O que eu achei mais engraçado foi o seguinte:
Paul Krugman Blog - "I wasn’t familiar with Ostrom’s work, [...]"
Justin Fox, no blog do Brad de Long - "I knew about Williamson, [...] But Ostrom is new to me."
Steven Levitt, no blog do Freakonomics - "I had to look her up on Wikipedia, and even after reading the entry, I have no recollection of ever seeing or hearing her name mentioned by an economist."
Michael Spence descrevendo os nobéis desse ano: aqui.
Vou ser honesto, não entendi a descrição do trabalho dela (eu acho que não foi descrito aí o trabalho dela). O único blog que eu vi falando dela em mais detalhes foi o Marginal Revolution, administrado por uns caras que trabalham em um departamento com muita public choice theory. Será que o trabalho dela é realmente conhecido e influente o suficiente em economia para ganhar o Nobel?
Ficam dois pontos. O primeiro, ela parece ser uma autora incrivelmente influente em ciências políticas, será que o prêmio de economia está para se tornar um prêmio de ciências sociais em geral (um ponto na verdade do Levitt)? Em segundo lugar, quem sabe, o prêmio dado à ela incentive ainda mais os estudos sobre instituições de escolha pública e como lidar com problemas de ação coletiva (esse é um tema que é foco de pesquisa de alguns economistas já).
Obs.: um bom texto falando sobre os achados de ambos os Nobeis é esse...
Não conhecia o trabalho de Ostrom, então, fui procurar uns blogs falando sobre ela (não achei/não tive tempo para download de papers). O trabalho dela, aparentemente, lida com o desenho de instituições diferentes das de mercado para lidar com problemas de recursos públicos. As discussões tradicionais em economia sobre uso de recursos públicos/produção de bens públicos se pautaram nos problemas de ação coletiva. Ostrom ganhou o Nobel por mostrar que, em diversas situações, empiricamente, as pessoas conseguem usar eficientemente bens públicos via organização de comunidades/criação de reputação e confiança mútua e sem ter que definir direitos de propriedade/mercados para "curar" os problemas de ação coletiva.
Fiquei na dúvida ao ler isso: como ela mediu uso eficiente de bens públicos? Será que foram mecanismos de reputação/confiança/organização coletiva que geraram uso eficiente dos bens públicos, ou outros mecanismos? Fui procurar um pouco mais.
O que eu achei mais engraçado foi o seguinte:
Paul Krugman Blog - "I wasn’t familiar with Ostrom’s work, [...]"
Justin Fox, no blog do Brad de Long - "I knew about Williamson, [...] But Ostrom is new to me."
Steven Levitt, no blog do Freakonomics - "I had to look her up on Wikipedia, and even after reading the entry, I have no recollection of ever seeing or hearing her name mentioned by an economist."
Michael Spence descrevendo os nobéis desse ano: aqui.
Vou ser honesto, não entendi a descrição do trabalho dela (eu acho que não foi descrito aí o trabalho dela). O único blog que eu vi falando dela em mais detalhes foi o Marginal Revolution, administrado por uns caras que trabalham em um departamento com muita public choice theory. Será que o trabalho dela é realmente conhecido e influente o suficiente em economia para ganhar o Nobel?
Ficam dois pontos. O primeiro, ela parece ser uma autora incrivelmente influente em ciências políticas, será que o prêmio de economia está para se tornar um prêmio de ciências sociais em geral (um ponto na verdade do Levitt)? Em segundo lugar, quem sabe, o prêmio dado à ela incentive ainda mais os estudos sobre instituições de escolha pública e como lidar com problemas de ação coletiva (esse é um tema que é foco de pesquisa de alguns economistas já).
Obs.: um bom texto falando sobre os achados de ambos os Nobeis é esse...
terça-feira, 15 de setembro de 2009
Debatendo metodologia
Os debates entre economistas heterodoxos e ortodoxos no Brasil tem focado em (1) resultados e (2) enfoques metodológicos. Infelizmente, quando um dos tópicos é debatido, existe confusão com o outro, e o debate não sai do lugar. Por isso, esse texto foca no debate metodológico entre ortodoxos e heterodoxos. Os motivos são, além de procurar evitar confusão, o fato de que debater resultados sem debater os meios e métodos é mais religioso que científico (não que isso tenha problemas, porém, eu não tenho formação de catequisador*). Adicionalmente, porque acredito que categorizar entre heterodoxos e ortodoxos com base em conclusões é muito pouco produtivo.
O debate metodológico parece ter evoluído no sentido da melhor forma de buscar pela verdade. Ortodoxos defendem que a refutabilidade das teses e o uso do método dedutivo de forma evolucionária são as únicas formas logicamente válidas de se obter resultados. Por outro lado, me parece que heterodoxos defendem que o conjunto dos argumentos verdadeiros é mais amplo que o conjunto dos argumentos lógicos, o que os levaria a procurar maior pluralidade de métodos, que desse conta da amplitude dos argumentos verdadeiros.
Agora, podemos notar que tem um passo filosófico-lógico faltando nessa demanda por pluralidade de métodos . É verdade que queremos chegar no grupo dos argumentos verdadeiros e que não podemos mostrar que todos os argumentos verdadeiros são logicamente demonstráveis. Isso deveria nos levar à maior pluralidade de métodos, usando outros que não a lógica pura. Porém, isso não quer dizer que devemos aceitar qualquer método em nome da pluralidade: antes de usar um método qualquer, devemos mostrar que ele nos leva a argumentos verdadeiros (ou chega próximo disso).
Nessa linha de descobrir um bom método que nos aproxime dos argumentos verdadeiros, podemos partir do ponto de que queremos usar o máximo de informação que tivermos disponível para descobrir a verdade. As consequências dessa suposição são:
(i) Esse requerimento nos leva a demandar que novas teses científicas sejam consistentes com teses antigas ainda não refutadas (para usar a informação obtida com a não refutação das teses antigas na nova tese). Um exemplo desse tipo de requerimento em economia é a demanda por microfundamentação de modelos macroeconômicos.
(ii) Ainda mais, vem dessa suposição o desejo de querermos usar constantes testes empíricos para os nossos modelos (para adquirir nova informação sobre a validade deles).
(iii) Por fim, a refutabilidade das teses propostas é imprescindível para podermos adquirir informação sobre as nossas teses (acontecimentos não mudam as nossas crenças em teses impossíveis de serem negadas) e para podermos desenvolver novas teses no futuro.
Em outras palavras, o uso do máximo de informação possível coincide com o método proposto pelos ortodoxos (tanto na refutabilidade, quanto no caráter evolucionário da ciência).
Porém, a demanda por teses consistentes com teses anteriores faz o nosso conhecimento de agora ser altamente dependente da tese inicial. Se esta estiver errada, ficaremos errados por um bom tempo. A refutabilidade nos serve de seguro, mas com toda certeza, não é um seguro completo. Dessa discussão, podemos concluir que usar toda a informação disponível provavelmente não nos levará à verdade. Apesar de tudo isso, isso é, por definição, o melhor que temos a fazer.
Ou seja, apesar de discordar parcialmente da justificativa original dada, o lado dos ortodoxos econômicos me parece estar certo no debate apresentado acima. Para heterodoxos se acertarem metodologicamente sem tornar-se ortodoxos (para mim, a diferença entre os grupos é somente metodológica), seria necessário propor um critério que tivesse melhor performance (em termos de proximidade da verdade) que "usar toda a informação disponível". Quão impossível isso parece ser?
*apesar de apelidos...
O debate metodológico parece ter evoluído no sentido da melhor forma de buscar pela verdade. Ortodoxos defendem que a refutabilidade das teses e o uso do método dedutivo de forma evolucionária são as únicas formas logicamente válidas de se obter resultados. Por outro lado, me parece que heterodoxos defendem que o conjunto dos argumentos verdadeiros é mais amplo que o conjunto dos argumentos lógicos, o que os levaria a procurar maior pluralidade de métodos, que desse conta da amplitude dos argumentos verdadeiros.
Agora, podemos notar que tem um passo filosófico-lógico faltando nessa demanda por pluralidade de métodos . É verdade que queremos chegar no grupo dos argumentos verdadeiros e que não podemos mostrar que todos os argumentos verdadeiros são logicamente demonstráveis. Isso deveria nos levar à maior pluralidade de métodos, usando outros que não a lógica pura. Porém, isso não quer dizer que devemos aceitar qualquer método em nome da pluralidade: antes de usar um método qualquer, devemos mostrar que ele nos leva a argumentos verdadeiros (ou chega próximo disso).
Nessa linha de descobrir um bom método que nos aproxime dos argumentos verdadeiros, podemos partir do ponto de que queremos usar o máximo de informação que tivermos disponível para descobrir a verdade. As consequências dessa suposição são:
(i) Esse requerimento nos leva a demandar que novas teses científicas sejam consistentes com teses antigas ainda não refutadas (para usar a informação obtida com a não refutação das teses antigas na nova tese). Um exemplo desse tipo de requerimento em economia é a demanda por microfundamentação de modelos macroeconômicos.
(ii) Ainda mais, vem dessa suposição o desejo de querermos usar constantes testes empíricos para os nossos modelos (para adquirir nova informação sobre a validade deles).
(iii) Por fim, a refutabilidade das teses propostas é imprescindível para podermos adquirir informação sobre as nossas teses (acontecimentos não mudam as nossas crenças em teses impossíveis de serem negadas) e para podermos desenvolver novas teses no futuro.
Em outras palavras, o uso do máximo de informação possível coincide com o método proposto pelos ortodoxos (tanto na refutabilidade, quanto no caráter evolucionário da ciência).
Porém, a demanda por teses consistentes com teses anteriores faz o nosso conhecimento de agora ser altamente dependente da tese inicial. Se esta estiver errada, ficaremos errados por um bom tempo. A refutabilidade nos serve de seguro, mas com toda certeza, não é um seguro completo. Dessa discussão, podemos concluir que usar toda a informação disponível provavelmente não nos levará à verdade. Apesar de tudo isso, isso é, por definição, o melhor que temos a fazer.
Ou seja, apesar de discordar parcialmente da justificativa original dada, o lado dos ortodoxos econômicos me parece estar certo no debate apresentado acima. Para heterodoxos se acertarem metodologicamente sem tornar-se ortodoxos (para mim, a diferença entre os grupos é somente metodológica), seria necessário propor um critério que tivesse melhor performance (em termos de proximidade da verdade) que "usar toda a informação disponível". Quão impossível isso parece ser?
*apesar de apelidos...
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Instituições em fotos...


(Fonte: palestra do Paul Romer no TED, via um blog novo de desenvolvimento, Roving Bandit).

sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Revoluções ajudam?
Um blog novo (sobalupadoeconomista.blogspot.com/, indicação do "A Mão Visível") trouxe um post interessante, resumindo um artigo do Acemoglu, Cantoni, Johnson e Robinson. O artigo mostra o impacto da revolução francesa sobre desenvolvimento de diferentes regiões na Europa após 1850. A conclusão do artigo é de que a revolução francesa trouxe desenvolvimento para as áreas invadidas (desenvolvimento é medido por maiores taxas de urbanização, mais estradas e por uma estimativa do PIB per capita da época). A explicação dos autores: a revolução francesa, por ter trazido ideais de igualdade perante as leis e por ter tirado do poder elites tradicionais, permitiu o desenvolvimento de melhores instituições que, por vez, trouxeram maior desenvolvimento econômico. Ainda mais, esses achados empíricos contrariam as teses de que instituições criadas no país são "melhores" que instituições importadas.
São necessários alguns cuidados com essas conclusões . Em primeiro lugar, existem vários estudos que mostram a dificuldade de se implementar de forma efetiva instituições por cima (ao invés de deixa-las aparecer naturalmente). São exemplos (i) um experimento feito na Índia mostrando que a criação de conselhos de pais em escolas (que deveriam fiscalizar a atividade escolar) foi pouco capaz de gerar maior participação dos pais nas escolas e maior esforço dos professores (Banerjee e Duflo (2008), Banerjee et al (2008)), (ii) um estudo que mostra que conselhos democráticos criados em vilas indianas por uma emenda constitucional (o propósito do conselho era a alocação de bens públicos no nível da vila) acabaram por ter suas pautas dominadas principalmente por donos de terras (Ban e Rao (2008)). Em geral, diversos estudos mostram a dificuldade de se implementar uma instituição de cima pra baixo em países pobres e, ao mesmo tempo, fazer as pessoas aderirem à instituição da forma desejada.
Em segundo lugar, mesmo que fossemos capazes de implementar instituições "importadas" forma efetiva, a qualidade da instituição naturalmente dependerá não somente da vontade do exportador, como também de outros fatores político-históricos. Por exemplo, é difícil acreditar que a invasão do Hugo Chávez em algum país geraria desenvolvimento. Porém, menos radical que esse exemplo, podemos ver os casos de mudanças institucionais patrocinadas pelos EUA na Guerra Fria. Mais formalmente, Easterly, Satyanath e Berger (2008) mostram que, na guerra fria, uma intervenção americana gerava o mesmo efeito (prejudicial) sobre democracia que uma intervenção da União Soviética.
Daí, vêm as dúvidas com relação ao artigo citado no início do texto: o que garante que a revolução francesa não teve somente o efeito de substituir uma elite por outra, deixando a elite de ser agrária e passando ela a ser urbana? Isso seria coerente com as maiores taxas de urbanização e maior construção de estradas (para abastecer as cidades que, agora, ficaram maiores). Ainda mais, os efeitos da revolução francesa sobre desenvolvimento (medidos por PIB per capita) me pareceram não ser tão robustos no artigo, não só pelas próprias estimativas dos efeitos, como também pela precariedade da medida do PIB per capita antes dos anos 1900 para a Europa.
Acemoglu et al trazem muitas conclusões interessantes no seu artigo, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista de desenvolvimento econômico e institucional. Agora, daí, para concluir que instituições artificialmente implementadas funcionam tão bem quanto instituições criadas naturalmente, precisamos não somente acreditar cegamente no artigo, quanto esquecer diversos outros estudos. Não sei se é pra tanto...
Referências:
ACEMOGLU, Daron, Davide CANTONI, Simon JOHNSON, James ROBINSON; "The Consequences of Radical Reform: The French Revolution", http://econ-www.mit.edu/files/3951
BANERJEE, Abhijit, Esther DUFLO; "Mandated Empowerment Handling Antipoverty Policy Back to the Poor", http://econ-www.mit.edu/files/2887
BANERJEE, Abhijit, Rukmini BANERJI, Esther DUFLO, Rachel GLENNESTER, Stuti KHEMANI, "Pitfalls of Participatory Programs: Evidence from a Randomized Evaluation in Education in India", NBER Working Paper no. 14311
BAN, Radu, Vijayendra RAO; "Is Deliberation Equitable? Evidence from Transcripts of Village Meetings in South India", mimeo
EASTERLY, William, Shanker SATYANATH, Daniel BERGER; "Superpower Interventions and their Consequences for Democracy: An Empirical Inquiry", NBER Working Paper no. 13992
São necessários alguns cuidados com essas conclusões . Em primeiro lugar, existem vários estudos que mostram a dificuldade de se implementar de forma efetiva instituições por cima (ao invés de deixa-las aparecer naturalmente). São exemplos (i) um experimento feito na Índia mostrando que a criação de conselhos de pais em escolas (que deveriam fiscalizar a atividade escolar) foi pouco capaz de gerar maior participação dos pais nas escolas e maior esforço dos professores (Banerjee e Duflo (2008), Banerjee et al (2008)), (ii) um estudo que mostra que conselhos democráticos criados em vilas indianas por uma emenda constitucional (o propósito do conselho era a alocação de bens públicos no nível da vila) acabaram por ter suas pautas dominadas principalmente por donos de terras (Ban e Rao (2008)). Em geral, diversos estudos mostram a dificuldade de se implementar uma instituição de cima pra baixo em países pobres e, ao mesmo tempo, fazer as pessoas aderirem à instituição da forma desejada.
Em segundo lugar, mesmo que fossemos capazes de implementar instituições "importadas" forma efetiva, a qualidade da instituição naturalmente dependerá não somente da vontade do exportador, como também de outros fatores político-históricos. Por exemplo, é difícil acreditar que a invasão do Hugo Chávez em algum país geraria desenvolvimento. Porém, menos radical que esse exemplo, podemos ver os casos de mudanças institucionais patrocinadas pelos EUA na Guerra Fria. Mais formalmente, Easterly, Satyanath e Berger (2008) mostram que, na guerra fria, uma intervenção americana gerava o mesmo efeito (prejudicial) sobre democracia que uma intervenção da União Soviética.
Daí, vêm as dúvidas com relação ao artigo citado no início do texto: o que garante que a revolução francesa não teve somente o efeito de substituir uma elite por outra, deixando a elite de ser agrária e passando ela a ser urbana? Isso seria coerente com as maiores taxas de urbanização e maior construção de estradas (para abastecer as cidades que, agora, ficaram maiores). Ainda mais, os efeitos da revolução francesa sobre desenvolvimento (medidos por PIB per capita) me pareceram não ser tão robustos no artigo, não só pelas próprias estimativas dos efeitos, como também pela precariedade da medida do PIB per capita antes dos anos 1900 para a Europa.
Acemoglu et al trazem muitas conclusões interessantes no seu artigo, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista de desenvolvimento econômico e institucional. Agora, daí, para concluir que instituições artificialmente implementadas funcionam tão bem quanto instituições criadas naturalmente, precisamos não somente acreditar cegamente no artigo, quanto esquecer diversos outros estudos. Não sei se é pra tanto...
Referências:
ACEMOGLU, Daron, Davide CANTONI, Simon JOHNSON, James ROBINSON; "The Consequences of Radical Reform: The French Revolution", http://econ-www.mit.edu/files/3951
BANERJEE, Abhijit, Esther DUFLO; "Mandated Empowerment Handling Antipoverty Policy Back to the Poor", http://econ-www.mit.edu/files/2887
BANERJEE, Abhijit, Rukmini BANERJI, Esther DUFLO, Rachel GLENNESTER, Stuti KHEMANI, "Pitfalls of Participatory Programs: Evidence from a Randomized Evaluation in Education in India", NBER Working Paper no. 14311
BAN, Radu, Vijayendra RAO; "Is Deliberation Equitable? Evidence from Transcripts of Village Meetings in South India", mimeo
EASTERLY, William, Shanker SATYANATH, Daniel BERGER; "Superpower Interventions and their Consequences for Democracy: An Empirical Inquiry", NBER Working Paper no. 13992
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