quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A economia política do aumento do IOF

Uma surpresa recente (pelo menos para quem achava que o Brasil tinha aprendido as lições de como fazer boa política econômica) foi a notícia de taxação em 2% de capitais estrangeiros via IOF. Por que o governo fez uma política sabidamente ruim, com histórico de fracasso? Quais são as motivações políticas para esse aumento do IOF? Quem ganha e quem perde com essa política?

Para saber quem ganha e quem perde com a política, em primeiro lugar, é importante saber o porquê dessa política ser ruim.
(1) A restrição à entrada de capital estrangeiro em bolsa limita a disponibilidade de financiamento via bolsa, o que pode ser um limite aos investimentos das empresas com ações em bolsa (ponto levantado pelo Espectro e pelo A Mão Visível).
(2) Mais ainda, a limitação à entrada de capitais estrangeiros para renda fixa pode aumentar o custo de financiamento do governo por reduzir a demanda pelos títulos do governo (ponto levantado pelo Adão). Para um governo que vem aumentando gastos permanentes, dificuldade de financiamento pode se tornar um problema.
(3) Adicionalmente, capital internacional se ajusta a "inovações fiscais" facilmente: ou os investidores estrangeiros escolhem novos destinos para o seu dinheiro (em outras palavras, investimentos têm uma "elasticidade-imposto" alta, se o imposto incidir de fato). Alternativamente, os investidores estrangeiros ou descobrem mecanismos/furos para fugir dos impostos e ainda vir para o Brasil (esse último, mostrado em um paper do Márcio Garcia).
(4) Por fim, existe um impacto de expectativas e percepção de segurança de um investimento no Brasil. Esse caso do IOF sobre entrada de capital é mais um episódio confirmando o fato: nunca se sabe quando um presidente ou um outro qualquer terá um surto forte o suficiente para induzir cagadas (ponto de comentários no Espectro pelo Marcos Pinheiro e pelo Caruso).

Desses pontos, uma tese da motivação para a adoção dessa política surge de cara: em final de mandato, o político não enxerga as conseqüências da queda de investimentos e das inseguranças/incertezas do ambiente econômico (quaisquer que sejam essas conseqüências, elas acontecerão no próximo mandato). Políticos também não vêem o impacto completo de taxar investidores estrangeiros: estrangeiros, por definição, têm pouco poder de mudar eleições no Brasil. Isso, por si só, pode motivar uma política miópica, como essa taxação de investidores estrangeiros. Adicionalmente, houve aumento significativo dos gastos permanentes pelo governo (contratação de servidores públicos, por exemplo) e, se houver aumento nos custos de financiamento do governo, o governo seguinte poderá enfrentar alguns problemas com ajustes fiscais. Essas dificuldades potenciais para o início do próximo mandato podem facilitar a volta do Lula para um terceiro mandato após o próximo governo. Não preciso falar que isso é motivação ainda maior para uma política economicamente ruim no momento em que vivemos.

Uma segunda tese, ligada à atuação de grupos de interesses especiais, pode também ser relevante. Uma política de controle de capitais efetiva teria conseqüências nefastas para a população como um todo, o que pode ser um risco político grande demais para ano eleitoral. Entre os riscos de controles de capitais efetivos (se é que eles existem), podem estar a alta do dólar e, como conseqüência, de inflação. Mais ainda, o custo do investimento subiria com a alta do dólar, via encarecimento de bens de capital importado. Ou seja, uma política de controle de capitais efetiva teria como conseqüências encarecimento do consumo e do investimento (e em particular, queda do investimento).

Observando o embate entre (i) pressão política por controles de capital feita por grupos de interesses de exportadores (que se beneficiam da alta do dólar) e (ii) perdas de bem estar geral (principalmente para consumidores e importadores), podemos entender a escolha do governo pelo IOF. Assim, se adota políticas que tem pouca efetividade em alterar a tendência de câmbio (de alguma forma, cedendo aos interesses da população em geral), mas que ainda assim passam a impressão de estar lutando contra o dolar baixo (mantendo proximidade ao grupo de interesse). Se essa é a motivação do governo, a adoção de uma política que se sabe ser ineficiente, surpreendentemente, é motivada por bem estar (pelo menos parcialmente). Vale notar, porém: esse argumento todo depende claramente (i) da ineficiência do IOF em reduzir o fluxo de capitais e alterar a trajetória de câmbio; (ii) da capacidade da sociedade se organizar para evitar perdas de bem estar grandes; e (iii) da capacidade do governo poder enganar os grupos de exportadores.

Porém, algumas dessas hipóteses podem não ser razoáveis. Ainda assim, outra tese de ação de grupos de interesse pode aparecer. Com a limitação ao fluxo de capitais estrangeiros, as vantagens de conseguir capital via bolsa se reduzem. Isso pode reduzir a competição na oferta de capital para empresas (por exemplo, pode ser que bancos passem a ter menos competição no mercado de empréstimos, pois um mercado concorrente, de equity, se tornou menos vantajoso para empresas). Em outras palavras, setores com dotações altas de capital podem ser os beneficiados pela política do IOF (apesar de eles perderem também o financiamento externo, até onde eu sei, existe relativamente pouco financiamento externo no setor financeiro brasileiro). Devemos perceber que, nessa tese, não estamos supondo que ninguém está sendo enganado, muito menos que todos têm capacidade de se organizar para fazer pressão por políticas mais eficientes. Apesar de toda essa argumentação, a agenda política das associações dos bancos parece ser diferente do controle de capitais.

Acho que, se alguma dessas teses é verdadeira (pode ser que nenhuma delas seja), a primeira me parece ser a mais provável. Agora que a política foi feita, vai sobrar para a política monetária consertar. Ou ela será que ser contracionista (para adequar a demanda à queda em investimentos que maturariam no final do ano que vem), ou uma reputação conquistada após 10 anos de política monetária será colocada a perder. A minha humilde opinião é de que nenhum dos potenciais benefícios políticos descritos acima compensam as perdas políticas de política monetária muito contracionista em ano eleitoral (que podem colocar a candidatura da Dilma a perder, o que não parece ser a vontade do governo), o que indicaria que a política monetária seria colocada de lado. Ao mesmo tempo, se a política monetária boa for colocada de lado, existem boas chances de um surto de inflação, o que seria suficiente para enterrar de vez a candidatura da Dilma em 2010 e podem matar a do Lula em 2014, eu acredito.

A impressão que fica é que o governo quer fazer algo como viajar para a India a nado. Eu não sei julgar se a intenção de viajar para a India é boa ou ruim, mas com certeza, sei que nado não é o melhor meio de transporte. Da mesma forma, sei que, quaisquer que sejam os objetivos políticos do governo, controles de capital não são o meio para atingí-los.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O Nobel desse ano...

Esse ano, o Nobel de economia foi para Oliver Williamson e Elinor Ostrom. Os trabalhos dos premiados tem a ver com desenho de instituições que operem eficientemente. O primeiro trabalhou com essas questões no contexto de firmas: por exemplo, por que firmas se verticalizam ou por que elas decidem deixar suas operações no nível do mercado (mais especificamente, o que as leva a produzir ou comprar matérias primas)?

Não conhecia o trabalho de Ostrom, então, fui procurar uns blogs falando sobre ela (não achei/não tive tempo para download de papers). O trabalho dela, aparentemente, lida com o desenho de instituições diferentes das de mercado para lidar com problemas de recursos públicos. As discussões tradicionais em economia sobre uso de recursos públicos/produção de bens públicos se pautaram nos problemas de ação coletiva. Ostrom ganhou o Nobel por mostrar que, em diversas situações, empiricamente, as pessoas conseguem usar eficientemente bens públicos via organização de comunidades/criação de reputação e confiança mútua e sem ter que definir direitos de propriedade/mercados para "curar" os problemas de ação coletiva.

Fiquei na dúvida ao ler isso: como ela mediu uso eficiente de bens públicos? Será que foram mecanismos de reputação/confiança/organização coletiva que geraram uso eficiente dos bens públicos, ou outros mecanismos? Fui procurar um pouco mais.

O que eu achei mais engraçado foi o seguinte:
Paul Krugman Blog - "I wasn’t familiar with Ostrom’s work, [...]"
Justin Fox, no blog do Brad de Long - "I knew about Williamson, [...] But Ostrom is new to me."
Steven Levitt, no blog do Freakonomics - "I had to look her up on Wikipedia, and even after reading the entry, I have no recollection of ever seeing or hearing her name mentioned by an economist."
Michael Spence descrevendo os nobéis desse ano: aqui.
Vou ser honesto, não entendi a descrição do trabalho dela (eu acho que não foi descrito aí o trabalho dela). O único blog que eu vi falando dela em mais detalhes foi o Marginal Revolution, administrado por uns caras que trabalham em um departamento com muita public choice theory. Será que o trabalho dela é realmente conhecido e influente o suficiente em economia para ganhar o Nobel?

Ficam dois pontos. O primeiro, ela parece ser uma autora incrivelmente influente em ciências políticas, será que o prêmio de economia está para se tornar um prêmio de ciências sociais em geral (um ponto na verdade do Levitt)? Em segundo lugar, quem sabe, o prêmio dado à ela incentive ainda mais os estudos sobre instituições de escolha pública e como lidar com problemas de ação coletiva (esse é um tema que é foco de pesquisa de alguns economistas já).

Obs.: um bom texto falando sobre os achados de ambos os Nobeis é esse...

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Debatendo metodologia

Os debates entre economistas heterodoxos e ortodoxos no Brasil tem focado em (1) resultados e (2) enfoques metodológicos. Infelizmente, quando um dos tópicos é debatido, existe confusão com o outro, e o debate não sai do lugar. Por isso, esse texto foca no debate metodológico entre ortodoxos e heterodoxos. Os motivos são, além de procurar evitar confusão, o fato de que debater resultados sem debater os meios e métodos é mais religioso que científico (não que isso tenha problemas, porém, eu não tenho formação de catequisador*). Adicionalmente, porque acredito que categorizar entre heterodoxos e ortodoxos com base em conclusões é muito pouco produtivo.

O debate metodológico parece ter evoluído no sentido da melhor forma de buscar pela verdade. Ortodoxos defendem que a refutabilidade das teses e o uso do método dedutivo de forma evolucionária são as únicas formas logicamente válidas de se obter resultados. Por outro lado, me parece que heterodoxos defendem que o conjunto dos argumentos verdadeiros é mais amplo que o conjunto dos argumentos lógicos, o que os levaria a procurar maior pluralidade de métodos, que desse conta da amplitude dos argumentos verdadeiros.

Agora, podemos notar que tem um passo filosófico-lógico faltando nessa demanda por pluralidade de métodos . É verdade que queremos chegar no grupo dos argumentos verdadeiros e que não podemos mostrar que todos os argumentos verdadeiros são logicamente demonstráveis. Isso deveria nos levar à maior pluralidade de métodos, usando outros que não a lógica pura. Porém, isso não quer dizer que devemos aceitar qualquer método em nome da pluralidade: antes de usar um método qualquer, devemos mostrar que ele nos leva a argumentos verdadeiros (ou chega próximo disso).

Nessa linha de descobrir um bom método que nos aproxime dos argumentos verdadeiros, podemos partir do ponto de que queremos usar o máximo de informação que tivermos disponível para descobrir a verdade. As consequências dessa suposição são:
(i) Esse requerimento nos leva a demandar que novas teses científicas sejam consistentes com teses antigas ainda não refutadas (para usar a informação obtida com a não refutação das teses antigas na nova tese). Um exemplo desse tipo de requerimento em economia é a demanda por microfundamentação de modelos macroeconômicos.
(ii) Ainda mais, vem dessa suposição o desejo de querermos usar constantes testes empíricos para os nossos modelos (para adquirir nova informação sobre a validade deles).
(iii) Por fim, a refutabilidade das teses propostas é imprescindível para podermos adquirir informação sobre as nossas teses (acontecimentos não mudam as nossas crenças em teses impossíveis de serem negadas) e para podermos desenvolver novas teses no futuro.
Em outras palavras, o uso do máximo de informação possível coincide com o método proposto pelos ortodoxos (tanto na refutabilidade, quanto no caráter evolucionário da ciência).

Porém, a demanda por teses consistentes com teses anteriores faz o nosso conhecimento de agora ser altamente dependente da tese inicial. Se esta estiver errada, ficaremos errados por um bom tempo. A refutabilidade nos serve de seguro, mas com toda certeza, não é um seguro completo. Dessa discussão, podemos concluir que usar toda a informação disponível provavelmente não nos levará à verdade. Apesar de tudo isso, isso é, por definição, o melhor que temos a fazer.

Ou seja, apesar de discordar parcialmente da justificativa original dada, o lado dos ortodoxos econômicos me parece estar certo no debate apresentado acima. Para heterodoxos se acertarem metodologicamente sem tornar-se ortodoxos (para mim, a diferença entre os grupos é somente metodológica), seria necessário propor um critério que tivesse melhor performance (em termos de proximidade da verdade) que "usar toda a informação disponível". Quão impossível isso parece ser?

*apesar de apelidos...

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Instituições em fotos...

Para quem não percebeu: isso é uma foto espacial da Coréia do Sul e da Coréia do Norte a noite. Impressionante a diferença de urbanização, não? Será que existe alguma explicação plausível para isso e alternativa à impacto do comunismo/falta de direitos de propriedade?Essa é outra foto que mostra o Haiti delineado. O seu vizinho (mais iluminado) é a República Dominicana, e o país mais a direita, Porto Rico. Só pra lembrar: capacidade de Estado (de chegar nos lugares e fazer as regras valerem) é tão importante quanto as regras escolhidas.

(Fonte: palestra do Paul Romer no TED, via um blog novo de desenvolvimento, Roving Bandit).

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Revoluções ajudam?

Um blog novo (sobalupadoeconomista.blogspot.com/, indicação do "A Mão Visível") trouxe um post interessante, resumindo um artigo do Acemoglu, Cantoni, Johnson e Robinson. O artigo mostra o impacto da revolução francesa sobre desenvolvimento de diferentes regiões na Europa após 1850. A conclusão do artigo é de que a revolução francesa trouxe desenvolvimento para as áreas invadidas (desenvolvimento é medido por maiores taxas de urbanização, mais estradas e por uma estimativa do PIB per capita da época). A explicação dos autores: a revolução francesa, por ter trazido ideais de igualdade perante as leis e por ter tirado do poder elites tradicionais, permitiu o desenvolvimento de melhores instituições que, por vez, trouxeram maior desenvolvimento econômico. Ainda mais, esses achados empíricos contrariam as teses de que instituições criadas no país são "melhores" que instituições importadas.

São necessários alguns cuidados com essas conclusões . Em primeiro lugar, existem vários estudos que mostram a dificuldade de se implementar de forma efetiva instituições por cima (ao invés de deixa-las aparecer naturalmente). São exemplos (i) um experimento feito na Índia mostrando que a criação de conselhos de pais em escolas (que deveriam fiscalizar a atividade escolar) foi pouco capaz de gerar maior participação dos pais nas escolas e maior esforço dos professores (Banerjee e Duflo (2008), Banerjee et al (2008)), (ii) um estudo que mostra que conselhos democráticos criados em vilas indianas por uma emenda constitucional (o propósito do conselho era a alocação de bens públicos no nível da vila) acabaram por ter suas pautas dominadas principalmente por donos de terras (Ban e Rao (2008)). Em geral, diversos estudos mostram a dificuldade de se implementar uma instituição de cima pra baixo em países pobres e, ao mesmo tempo, fazer as pessoas aderirem à instituição da forma desejada.

Em segundo lugar, mesmo que fossemos capazes de implementar instituições "importadas" forma efetiva, a qualidade da instituição naturalmente dependerá não somente da vontade do exportador, como também de outros fatores político-históricos. Por exemplo, é difícil acreditar que a invasão do Hugo Chávez em algum país geraria desenvolvimento. Porém, menos radical que esse exemplo, podemos ver os casos de mudanças institucionais patrocinadas pelos EUA na Guerra Fria. Mais formalmente, Easterly, Satyanath e Berger (2008) mostram que, na guerra fria, uma intervenção americana gerava o mesmo efeito (prejudicial) sobre democracia que uma intervenção da União Soviética.

Daí, vêm as dúvidas com relação ao artigo citado no início do texto: o que garante que a revolução francesa não teve somente o efeito de substituir uma elite por outra, deixando a elite de ser agrária e passando ela a ser urbana? Isso seria coerente com as maiores taxas de urbanização e maior construção de estradas (para abastecer as cidades que, agora, ficaram maiores). Ainda mais, os efeitos da revolução francesa sobre desenvolvimento (medidos por PIB per capita) me pareceram não ser tão robustos no artigo, não só pelas próprias estimativas dos efeitos, como também pela precariedade da medida do PIB per capita antes dos anos 1900 para a Europa.

Acemoglu et al trazem muitas conclusões interessantes no seu artigo, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista de desenvolvimento econômico e institucional. Agora, daí, para concluir que instituições artificialmente implementadas funcionam tão bem quanto instituições criadas naturalmente, precisamos não somente acreditar cegamente no artigo, quanto esquecer diversos outros estudos. Não sei se é pra tanto...

Referências:
ACEMOGLU, Daron, Davide CANTONI, Simon JOHNSON, James ROBINSON; "The Consequences of Radical Reform: The French Revolution", http://econ-www.mit.edu/files/3951

BANERJEE, Abhijit, Esther DUFLO; "Mandated Empowerment Handling Antipoverty Policy Back to the Poor", http://econ-www.mit.edu/files/2887

BANERJEE, Abhijit, Rukmini BANERJI, Esther DUFLO, Rachel GLENNESTER, Stuti KHEMANI, "Pitfalls of Participatory Programs: Evidence from a Randomized Evaluation in Education in India", NBER Working Paper no. 14311

BAN, Radu, Vijayendra RAO; "Is Deliberation Equitable? Evidence from Transcripts of Village Meetings in South India", mimeo

EASTERLY, William, Shanker SATYANATH, Daniel BERGER; "Superpower Interventions and their Consequences for Democracy: An Empirical Inquiry", NBER Working Paper no. 13992

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Liberdade por si própria

Será que liberdade tem um valor intrínseco, ou é somente um instrumento útil para que as pessoas atinjam seus objetivos? Na história do pensamento econômico (originado como pensamento filosófico, na verdade), a defesa das liberdades veio motivada pela segunda hipótese. Pessoas têm seus objetivos e gostos e, muitas vezes, têm os meios para atingí-los. Nesse caso, pelo fato de que as pessoas conhecem melhor que qualquer um as próprias metas, deveríamos deixar as pessoas agirem por conta própria, ao invés de tomarmos as decisões por elas. Ou seja, esse argumento mais tradicional diz que a liberdade tem um valor somente porque escolhas livres refletem melhor que "escolhas forçadas" os gostos das pessoas .

Porém, em muitas situações atuais, o argumento em favor da liberdade parece ter sido estendido: a liberdade passou a ser defendida como um valor em si próprio. Um exemplo claro desse caso foi a defesa do não à proibição de armas de fogo no referendo sobre o tema em 2005: proibir a comercialização de armas de fogo significava cercear a liberdade dos brasileiros. No caso das armas, a compra de armas por uma pessoa tem um impacto negativo sobre a vida de outros (que não é levado em conta na hora da compra da arma), e portanto, deveria ser restrita se considerássemos somente o argumento tradicional.

Não sei se as pessoas valorizam a própria liberdade por si só. Para saber isso, poderíamos testar a tese em dados. Seguindo a literatura de experimentos em economia, poderíamos convocar sujeitos, dá-los 5 reais, e colocá-los a se deparar com duas salas:
A - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos ou (ii) duas canecas e um biscoito;
B - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos, (ii) duas canecas e um biscoito ou (iii) uma caneca e um biscoito.
Os sujeitos devem pagar uma entrada para a sala em que forem entrar. Sabemos que a sala B dá mais liberdade de escolha aos sujeitos no experimento. Porém, se todos gostarem de canecas e biscoitos ilimitadamente, ninguém escolherá a opção (iii) da sala B. Ou seja, se a liberdade de escolha dos indivíduos só tem valor pela escolha final feita (melhor, pela felicidade que essa escolha final propicia), a sala A e a sala B deveriam ter o mesmo valor para todos os indivíduos. Se o blog ainda tem leitores, quanto vocês pagariam para estar em cada uma das salas?

Por mais que isso distorça os resultados, eis as conclusões que apareceriam do experimento:
(i) Se os indivíduos pagassem a mesma coisa para estar nas duas salas, os pensadores tradicionais estariam certos, e liberdade só teria um valor por permitir que as decisões sejam feitas mais de acordo com os gostos das pessoas.
(ii) Se os indivíduos pagassem mais para estar na sala B que na sala A, a liberdade de escolha, até nessa situação simples, teria um valor em si próprio, por mais que não permitisse nada a mais em termos de satisfação vinda do consumo de canecas e biscoitos.

PS.: Dado o tempo que eu fiquei sem publicar no blog, a minha estimativa é de perda de cerca de 80% dos leitores que o blog tinha.
PS2.: A estimativa é uma atualização da minha crença inicial pelo comentário do Marcelo...

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Jornalismo só para jornalistas...

Há coisa de um mês atrás, o STF julgou ser inconstitucional a lei que dizia que somente jornalistas podem escrever matérias de jornais. Diversas vozes (melhor, associações de jornalistas) foram rápidas em mostrar sua reprovação à medida. Como poderíamos ter jornais não escritos por jornalistas sem a perda da imparcialidade das matérias? Ainda mais, como notícias de economia, política e mundo seriam compreendidas por um público amplo sem um jornalista para traduzir o jargão das profissões?

Em primeiro lugar, olhar para a realidade pensando que a imparcialidade dos jornais depende de quem é membro da redação é mais ilusão de ótica que realidade. Em última instância, o que vira matéria de primeira página, o layout das manchetes no jornal e as principais manchetes são decisões centralizadas nas mãos do editor chefe da redação e da diretoria do jornal (sejam os membros da redação jornalistas ou não jornalistas).

Pode-se achar demonstrações dessa centralização de decisões com relativa facilidade: há poucos anos atrás, no Ceará, o governo local implementou uma política que agradou a população. Discussões nas salas de diretoria de dois jornais da capital ocorreram para discutir se a manchete do dia seguinte anunciaria “uma vitória da população” ou uma “benesse do governo”. Os jornais, no final, decidiram por focos opostos em suas respectivas manchetes.

O caso acima ainda traz mais um ponto: o que é imparcial, a vitória da população, a benesse do governo, os dois ou nenhum? Em muitos casos, é ambíguo dizer o que é imparcial, e haverá jornalistas e pessoas achando que uma frase é imparcial, enquanto que outros acreditarão que a mesma frase é parcial. Sendo assim, se jornalistas tiverem tanta paixão e capacidade de manter a “imparcialidade” das matérias, esperaríamos que cada jornalista desse prioridade à trabalhar no jornal que ele acredita ser mais imparcial (ou seja, aquele alinhado com a sua ideologia). O resultado desse processo seria uma aglomeração de jornalistas de direita em um jornal e de jornalistas de esquerda noutro (não é difícil perceber que, nesse caso, jornalistas ditando a linha do jornal também geraria parcialidade das notícias). Não somente isso, dizer que os jornalistas são mais capazes de manter a imparcialidade do jornal é dizer que a opinião do jornalista vale mais que a de outro profissional.

Porém, será que permitir que somente jornalistas entrem na redação não poderia facilitar que haja um balanço entre redação e diretoria do jornal? Afinal, se tivéssemos somente jornalistas escrevendo jornais, o passado semelhante dos jornalistas, assim como códigos de ética similares aprendidos na faculdade poderia facilitar a associação dos membros da redação e criar maior equilíbrio na barganha entre redação e diretoria pela ideologia das notícias. O que esse argumento ignora, porém, é que as diretorias dos jornais têm poder de selecionar o jornalista que escreve a notícia: é comum pedir, no processo seletivo de jornais, que o candidato escreva uma notícia (o que permite à diretoria rastrear – por mais que imperfeitamente – a ideologia do jornalista). Da mesma forma, se um jornalista escreve muitas notícias que vão a contra-gosto da diretoria, esta pode simplesmente demitir aquele.

Existe ainda outro ponto favorável ao fim da necessidade do diploma de jornalismo. Já existem não jornalistas trabalhando na escrita dos jornais, eles, porém, só não podem assinar as notícias que escrevem. Nesse sentido, o fim do requerimento do diploma de jornalista pode, na verdade, tornar os jornais mais imparciais, por deixar mais transparente quem é o redator responsável pela parcialidade da notícia.

Por fim, existe o argumento de que jornalistas são profissionais responsáveis por pegar um texto ou notícia da área de algum especialista e torná-lo compreensível para um público leigo. Sem o jornalista na redação, o noticiário de economia, por exemplo, se tornaria incompreensível para um grupo de leitores mais amplo.

Sem tratar da qualidade das faculdades de jornalismo em formar bons “tradutores de jargão”, vale dizer: é do interesse da diretoria dos jornais que as notícias sejam compreensíveis. Jornais querem ter tiragem alta para ganhar na venda de anúncios e comerciais (tanta é a vontade de tiragem alta que o preço do jornal na banca é subsidiado). Notícias incompreensíveis significarão menos leitores e menos venda de anúncios. Sendo assim, se são jornalistas que sabem fazer a tradução do jargão, serão jornalistas os contratados, independente da lei dizer que não jornalistas podem ser contratados. Ou seja, a nova medida do STF só tem o potencial de aumentar a base de candidatos à redatores, tendo o potencial de melhorar a acessibilidade pelos leitores aos textos dos jornais.

É difícil acreditar que a proibição de não jornalistas nas redações gerasse maior imparcialidade das notícias publicadas. Mais difícil ainda de acreditar é que a antiga proibição tornasse os textos mais legíveis para um público alvo grande. Vale dizer, nos Estados Unidos, onde não há restrições de quem pode entrar nas redações, as notícias são escritas majoritariamente por jornalistas. Sendo assim, o único impacto da decisão do STF parece ser tornar os mercados de trabalho de redação de jornais mais eficientes.