quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Instituições em fotos...

Para quem não percebeu: isso é uma foto espacial da Coréia do Sul e da Coréia do Norte a noite. Impressionante a diferença de urbanização, não? Será que existe alguma explicação plausível para isso e alternativa à impacto do comunismo/falta de direitos de propriedade?Essa é outra foto que mostra o Haiti delineado. O seu vizinho (mais iluminado) é a República Dominicana, e o país mais a direita, Porto Rico. Só pra lembrar: capacidade de Estado (de chegar nos lugares e fazer as regras valerem) é tão importante quanto as regras escolhidas.

(Fonte: palestra do Paul Romer no TED, via um blog novo de desenvolvimento, Roving Bandit).

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Revoluções ajudam?

Um blog novo (sobalupadoeconomista.blogspot.com/, indicação do "A Mão Visível") trouxe um post interessante, resumindo um artigo do Acemoglu, Cantoni, Johnson e Robinson. O artigo mostra o impacto da revolução francesa sobre desenvolvimento de diferentes regiões na Europa após 1850. A conclusão do artigo é de que a revolução francesa trouxe desenvolvimento para as áreas invadidas (desenvolvimento é medido por maiores taxas de urbanização, mais estradas e por uma estimativa do PIB per capita da época). A explicação dos autores: a revolução francesa, por ter trazido ideais de igualdade perante as leis e por ter tirado do poder elites tradicionais, permitiu o desenvolvimento de melhores instituições que, por vez, trouxeram maior desenvolvimento econômico. Ainda mais, esses achados empíricos contrariam as teses de que instituições criadas no país são "melhores" que instituições importadas.

São necessários alguns cuidados com essas conclusões . Em primeiro lugar, existem vários estudos que mostram a dificuldade de se implementar de forma efetiva instituições por cima (ao invés de deixa-las aparecer naturalmente). São exemplos (i) um experimento feito na Índia mostrando que a criação de conselhos de pais em escolas (que deveriam fiscalizar a atividade escolar) foi pouco capaz de gerar maior participação dos pais nas escolas e maior esforço dos professores (Banerjee e Duflo (2008), Banerjee et al (2008)), (ii) um estudo que mostra que conselhos democráticos criados em vilas indianas por uma emenda constitucional (o propósito do conselho era a alocação de bens públicos no nível da vila) acabaram por ter suas pautas dominadas principalmente por donos de terras (Ban e Rao (2008)). Em geral, diversos estudos mostram a dificuldade de se implementar uma instituição de cima pra baixo em países pobres e, ao mesmo tempo, fazer as pessoas aderirem à instituição da forma desejada.

Em segundo lugar, mesmo que fossemos capazes de implementar instituições "importadas" forma efetiva, a qualidade da instituição naturalmente dependerá não somente da vontade do exportador, como também de outros fatores político-históricos. Por exemplo, é difícil acreditar que a invasão do Hugo Chávez em algum país geraria desenvolvimento. Porém, menos radical que esse exemplo, podemos ver os casos de mudanças institucionais patrocinadas pelos EUA na Guerra Fria. Mais formalmente, Easterly, Satyanath e Berger (2008) mostram que, na guerra fria, uma intervenção americana gerava o mesmo efeito (prejudicial) sobre democracia que uma intervenção da União Soviética.

Daí, vêm as dúvidas com relação ao artigo citado no início do texto: o que garante que a revolução francesa não teve somente o efeito de substituir uma elite por outra, deixando a elite de ser agrária e passando ela a ser urbana? Isso seria coerente com as maiores taxas de urbanização e maior construção de estradas (para abastecer as cidades que, agora, ficaram maiores). Ainda mais, os efeitos da revolução francesa sobre desenvolvimento (medidos por PIB per capita) me pareceram não ser tão robustos no artigo, não só pelas próprias estimativas dos efeitos, como também pela precariedade da medida do PIB per capita antes dos anos 1900 para a Europa.

Acemoglu et al trazem muitas conclusões interessantes no seu artigo, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista de desenvolvimento econômico e institucional. Agora, daí, para concluir que instituições artificialmente implementadas funcionam tão bem quanto instituições criadas naturalmente, precisamos não somente acreditar cegamente no artigo, quanto esquecer diversos outros estudos. Não sei se é pra tanto...

Referências:
ACEMOGLU, Daron, Davide CANTONI, Simon JOHNSON, James ROBINSON; "The Consequences of Radical Reform: The French Revolution", http://econ-www.mit.edu/files/3951

BANERJEE, Abhijit, Esther DUFLO; "Mandated Empowerment Handling Antipoverty Policy Back to the Poor", http://econ-www.mit.edu/files/2887

BANERJEE, Abhijit, Rukmini BANERJI, Esther DUFLO, Rachel GLENNESTER, Stuti KHEMANI, "Pitfalls of Participatory Programs: Evidence from a Randomized Evaluation in Education in India", NBER Working Paper no. 14311

BAN, Radu, Vijayendra RAO; "Is Deliberation Equitable? Evidence from Transcripts of Village Meetings in South India", mimeo

EASTERLY, William, Shanker SATYANATH, Daniel BERGER; "Superpower Interventions and their Consequences for Democracy: An Empirical Inquiry", NBER Working Paper no. 13992

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Liberdade por si própria

Será que liberdade tem um valor intrínseco, ou é somente um instrumento útil para que as pessoas atinjam seus objetivos? Na história do pensamento econômico (originado como pensamento filosófico, na verdade), a defesa das liberdades veio motivada pela segunda hipótese. Pessoas têm seus objetivos e gostos e, muitas vezes, têm os meios para atingí-los. Nesse caso, pelo fato de que as pessoas conhecem melhor que qualquer um as próprias metas, deveríamos deixar as pessoas agirem por conta própria, ao invés de tomarmos as decisões por elas. Ou seja, esse argumento mais tradicional diz que a liberdade tem um valor somente porque escolhas livres refletem melhor que "escolhas forçadas" os gostos das pessoas .

Porém, em muitas situações atuais, o argumento em favor da liberdade parece ter sido estendido: a liberdade passou a ser defendida como um valor em si próprio. Um exemplo claro desse caso foi a defesa do não à proibição de armas de fogo no referendo sobre o tema em 2005: proibir a comercialização de armas de fogo significava cercear a liberdade dos brasileiros. No caso das armas, a compra de armas por uma pessoa tem um impacto negativo sobre a vida de outros (que não é levado em conta na hora da compra da arma), e portanto, deveria ser restrita se considerássemos somente o argumento tradicional.

Não sei se as pessoas valorizam a própria liberdade por si só. Para saber isso, poderíamos testar a tese em dados. Seguindo a literatura de experimentos em economia, poderíamos convocar sujeitos, dá-los 5 reais, e colocá-los a se deparar com duas salas:
A - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos ou (ii) duas canecas e um biscoito;
B - podem comprar por 2,50 reais (i) uma caneca e dois biscoitos, (ii) duas canecas e um biscoito ou (iii) uma caneca e um biscoito.
Os sujeitos devem pagar uma entrada para a sala em que forem entrar. Sabemos que a sala B dá mais liberdade de escolha aos sujeitos no experimento. Porém, se todos gostarem de canecas e biscoitos ilimitadamente, ninguém escolherá a opção (iii) da sala B. Ou seja, se a liberdade de escolha dos indivíduos só tem valor pela escolha final feita (melhor, pela felicidade que essa escolha final propicia), a sala A e a sala B deveriam ter o mesmo valor para todos os indivíduos. Se o blog ainda tem leitores, quanto vocês pagariam para estar em cada uma das salas?

Por mais que isso distorça os resultados, eis as conclusões que apareceriam do experimento:
(i) Se os indivíduos pagassem a mesma coisa para estar nas duas salas, os pensadores tradicionais estariam certos, e liberdade só teria um valor por permitir que as decisões sejam feitas mais de acordo com os gostos das pessoas.
(ii) Se os indivíduos pagassem mais para estar na sala B que na sala A, a liberdade de escolha, até nessa situação simples, teria um valor em si próprio, por mais que não permitisse nada a mais em termos de satisfação vinda do consumo de canecas e biscoitos.

PS.: Dado o tempo que eu fiquei sem publicar no blog, a minha estimativa é de perda de cerca de 80% dos leitores que o blog tinha.
PS2.: A estimativa é uma atualização da minha crença inicial pelo comentário do Marcelo...

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Jornalismo só para jornalistas...

Há coisa de um mês atrás, o STF julgou ser inconstitucional a lei que dizia que somente jornalistas podem escrever matérias de jornais. Diversas vozes (melhor, associações de jornalistas) foram rápidas em mostrar sua reprovação à medida. Como poderíamos ter jornais não escritos por jornalistas sem a perda da imparcialidade das matérias? Ainda mais, como notícias de economia, política e mundo seriam compreendidas por um público amplo sem um jornalista para traduzir o jargão das profissões?

Em primeiro lugar, olhar para a realidade pensando que a imparcialidade dos jornais depende de quem é membro da redação é mais ilusão de ótica que realidade. Em última instância, o que vira matéria de primeira página, o layout das manchetes no jornal e as principais manchetes são decisões centralizadas nas mãos do editor chefe da redação e da diretoria do jornal (sejam os membros da redação jornalistas ou não jornalistas).

Pode-se achar demonstrações dessa centralização de decisões com relativa facilidade: há poucos anos atrás, no Ceará, o governo local implementou uma política que agradou a população. Discussões nas salas de diretoria de dois jornais da capital ocorreram para discutir se a manchete do dia seguinte anunciaria “uma vitória da população” ou uma “benesse do governo”. Os jornais, no final, decidiram por focos opostos em suas respectivas manchetes.

O caso acima ainda traz mais um ponto: o que é imparcial, a vitória da população, a benesse do governo, os dois ou nenhum? Em muitos casos, é ambíguo dizer o que é imparcial, e haverá jornalistas e pessoas achando que uma frase é imparcial, enquanto que outros acreditarão que a mesma frase é parcial. Sendo assim, se jornalistas tiverem tanta paixão e capacidade de manter a “imparcialidade” das matérias, esperaríamos que cada jornalista desse prioridade à trabalhar no jornal que ele acredita ser mais imparcial (ou seja, aquele alinhado com a sua ideologia). O resultado desse processo seria uma aglomeração de jornalistas de direita em um jornal e de jornalistas de esquerda noutro (não é difícil perceber que, nesse caso, jornalistas ditando a linha do jornal também geraria parcialidade das notícias). Não somente isso, dizer que os jornalistas são mais capazes de manter a imparcialidade do jornal é dizer que a opinião do jornalista vale mais que a de outro profissional.

Porém, será que permitir que somente jornalistas entrem na redação não poderia facilitar que haja um balanço entre redação e diretoria do jornal? Afinal, se tivéssemos somente jornalistas escrevendo jornais, o passado semelhante dos jornalistas, assim como códigos de ética similares aprendidos na faculdade poderia facilitar a associação dos membros da redação e criar maior equilíbrio na barganha entre redação e diretoria pela ideologia das notícias. O que esse argumento ignora, porém, é que as diretorias dos jornais têm poder de selecionar o jornalista que escreve a notícia: é comum pedir, no processo seletivo de jornais, que o candidato escreva uma notícia (o que permite à diretoria rastrear – por mais que imperfeitamente – a ideologia do jornalista). Da mesma forma, se um jornalista escreve muitas notícias que vão a contra-gosto da diretoria, esta pode simplesmente demitir aquele.

Existe ainda outro ponto favorável ao fim da necessidade do diploma de jornalismo. Já existem não jornalistas trabalhando na escrita dos jornais, eles, porém, só não podem assinar as notícias que escrevem. Nesse sentido, o fim do requerimento do diploma de jornalista pode, na verdade, tornar os jornais mais imparciais, por deixar mais transparente quem é o redator responsável pela parcialidade da notícia.

Por fim, existe o argumento de que jornalistas são profissionais responsáveis por pegar um texto ou notícia da área de algum especialista e torná-lo compreensível para um público leigo. Sem o jornalista na redação, o noticiário de economia, por exemplo, se tornaria incompreensível para um grupo de leitores mais amplo.

Sem tratar da qualidade das faculdades de jornalismo em formar bons “tradutores de jargão”, vale dizer: é do interesse da diretoria dos jornais que as notícias sejam compreensíveis. Jornais querem ter tiragem alta para ganhar na venda de anúncios e comerciais (tanta é a vontade de tiragem alta que o preço do jornal na banca é subsidiado). Notícias incompreensíveis significarão menos leitores e menos venda de anúncios. Sendo assim, se são jornalistas que sabem fazer a tradução do jargão, serão jornalistas os contratados, independente da lei dizer que não jornalistas podem ser contratados. Ou seja, a nova medida do STF só tem o potencial de aumentar a base de candidatos à redatores, tendo o potencial de melhorar a acessibilidade pelos leitores aos textos dos jornais.

É difícil acreditar que a proibição de não jornalistas nas redações gerasse maior imparcialidade das notícias publicadas. Mais difícil ainda de acreditar é que a antiga proibição tornasse os textos mais legíveis para um público alvo grande. Vale dizer, nos Estados Unidos, onde não há restrições de quem pode entrar nas redações, as notícias são escritas majoritariamente por jornalistas. Sendo assim, o único impacto da decisão do STF parece ser tornar os mercados de trabalho de redação de jornais mais eficientes.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Lobbies - bons ou ruins? (ou...mais um argumento polêmico do blog)

A influência de recursos privados na decisão política é normalmente vista com maus olhos. A interferência de interesses especiais podem afastar a decisão política daquela (potencialmente) mais representativa da maioria e pode abrir espaço para subrepresentação dos membros da população mais pobre na política. Sendo assim, a interferência de lobbies e grupos de pressão política seria uma afronta a valores democráticos.

Apesar da grande relevância desses argumentos, alguns pontos desses argumentos são excessivamente simplistas, ao ponto de mudar dramaticamente algumas conclusões. Em primeiro lugar, o processo decisório por maioria não é o valor único dos regimes democráticos. Em especial, também é um valor democrático a preservação da liberdade e dos direitos de todos. Se escolhas majoritárias fossem suficiente para gerar democracias, um país no qual a maioria expropria toda a renda da minoria poderia ser considerado democrático.

Nesse sentido, lobbies podem atuar como controles para abusos das minorias pelas maiorias: enquanto que estas têm o poder do voto para controlar políticas, aquelas têm maior poder de fazer pressão política. O balanço entre essas duas forças pode garantir um meio termo entre a preservação da liberdade de todos e a escolha pela maioria.

Agora, além desse canal, os grupos de pressão política podem ter uma outra utilidade: a de criar, informalmente, uma arena para negociação de políticas. Em última instância, se todos os indivíduos da sociedade conseguissem fazer lobbies efetivos, provavelmente teríamos um mecanismo de escolha melhor que o voto: afinal, os lobbies levam em conta a valorização que cada agente dá para cada política e podem criar um mercado eficiente para política.

Mesmo tendo esses pontos em vista, a crítica inicial continua relevante. Não podemos argumentar aqui que, ao invés de proibir/restringir os grupos de interesses especiais, deveríamos redistribuir renda de forma que todos pudessem criar os seus próprios grupos de pressão. Afinal, se existem poucos lobbies inicialmente, eles lutarão para impedir a ocorrência de redistribuição de renda (que permitiria o aparecimento de novos lobbies concorrentes). Ainda assim, os pontos servem para uma nova conclusão: se por um lado, não ter lobbies seria bom, por outro, ter lobbies efetivos representando todos os interesses privados possíveis poderia ser ainda melhor. Nesse texto, fica em aberto a questão: uma vez tendo lobbies, qual seria a regulação ideal deles? Quanto restringir a sua atuação, como restringir e como as condições de desigualdade de renda e de poder político alterariam essa regulação ótima?

Referências:
Gary S. Becker [1983], "A Theory of Competition Among Pressure Groups for Political Influence", Quarterly Journal of Economics

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Descriminalização das drogas - o caso português

Existe uma enorme dificuldade de avaliar o impacto de políticas de legalização/descriminalização de drogas, afinal, são poucos os países que fizeram alguma política nesse sentido. Não só isso, conseguimos observar com maior facilidade o consumo de drogas quando elas são legais do que quando elas são ilegais.

Um novo estudo do CATO Institute, porém, mostra uma análise empírica sobre o tema. Portugal, em 2001, aprovou leis que tiravam o consumo de drogas da esfera criminal (apesar de mantê-las na ilegalidade). Muitos foram os argumentos contra: Portugal, com essas leis, passaria a ser destino de turismo para aqueles que quisessem comprar drogas; que o consumo de drogas cresceria muito (o que teria impacto certo sobre sistemas de saúde pública, por exemplo), entre outros.

O que o estudo mostra porém, é que o consumo de drogas não subiu (na verdade, caiu moderadamente comparado à tendência do consumo de drogas em outros países na Europa). Principalmente, a taxa de mortalidade e doenças associadas ao uso de drogas caiu. Os autores especulam: a descriminalização aumentou a capacidade do Estado Português de provisão de tratamentos anti-drogas. Ainda não li o estudo todo, então não posso falar da seriedade dele. Apesar disso, este foi o primeiro estudo empírico que vi sobre legalização/descriminalização do uso de drogas, apesar do tempo decorrido desde que a Holanda (e Canadá, se eu não me engano) legalizaram o uso de algumas drogas. Talvez, as primeiras evidências sérias sobre a legalização das drogas estejam por aparecer em breve...

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Reforma política - Lista fechada

A necessidade de uma revisão do sistema político brasileiro foi tema para muitas cabeças preocupadas desde o escândalo do mensalão. Porém, apesar de muito se falar do tema, os tópicos da reforma pareceram ter sido pouco discutidas até há pouco. Há pouco tempo, esse cenário mudou, e veio à tona a discussão sobre eleições com lista fechada/aberta para o legislativo.

A proposta é de que ao invés de votarmos em cada congressista, votaríamos em cada partido, cada um com uma lista rankeando os seus candidatos ao congresso. O número de votos recebidos pelo partido determinaria quantos candidatos do ranking do partido iriam para a câmara/senado.

Muitas críticas tem sido feitas à essa proposta. Em primeiro lugar, a lista fechada perpetuaria os líderes dos partidos no congresso, já que eles teriam mais influência para se colocar nos topos das listas dos partidos e se eleger com maior probabilidade. Sendo assim, a competição pelos assentos do congresso se tornaria menor. Não só isso, o voto no partido, ao invés do voto no deputado, incentivaria cada deputado a pegar carona na potencial boa reputação do outro: como o efeito de um deputado ser corrupto seria diluído pelo efeito do seu companheiro de partido ser honesto, cada deputado teria menos incentivo que o desejável a agir eticamente. De fato, em estudos empíricos com dados para vários países, observa-se que em países com sistema de lista fechada, a percepção de corrupção é maior.

Porém, o sistema tem mais qualidades do que o que vem sendo mencionado. Com o voto no partido, e não no deputado, a fiscalização das propostas aprovadas no legislativo pelo eleitor é facilitada. Afinal, no sistema atual, são poucos os eleitores capazes de basear o seu voto na observação dos discursos e leis aprovadas pelo deputado (diga-se de passagem, possibilitada pela TV Câmara e pelo site da Câmara). Por outro lado, com o voto no partido, é mais fácil saber em quem votar, já que é mais fácil conhecer a ideologia do partido que a do deputado (e a lista fechada permite ao partido controlar melhor as ações dos seus deputados). Não existem evidências empíricas para essa tese, mas o motivo é a dificuldade de definir o que é uma lei alinhada com os interesses ideológicos do partido e do eleitor, e não sua falsidade.

Por fim, fica a dúvida: o sistema de voto proporcional brasileiro já faz, em parte, o que o voto em lista fechada faz. Afinal, como vimos há poucas eleições atrás, somente Enéas Carneiro se elegeu pelo PRONA para a Câmara dos Deputados. Porém, sua eleição com mais de um milhão de votos permitiu que outros deputados do PRONA fossem para o congresso. Sendo assim, o sistema proporcional já garante que os líderes dos partidos, de uma forma ou de outra, irão para o congresso. Ou seja, muitos dos incentivos para corrupção gerados pela lista fechada já são gerados pelo voto proporcional brasileiro. Ainda, o sistema de lista fechada não agravaria esses incentivos no Brasil, eu acredito.

Por isso, acho que, no Brasil, os ganhos da lista fechada (advindos de maior alinhamento das propostas aprovadas com a ideologia dos partidos e dos eleitores) superam as perdas do sistema.

Referências
Torsten Persson, Guido Tabellini, Francesco Trebbi, "Electoral Rules and Corruption", Journal of the European Economic Association