quarta-feira, 3 de março de 2010

Torcendo pelo futuro dos filhos da senadora Ideli Salvatti

O PSDB lançou um projeto de lei (aprovado ontem pelo Senado) para acrescentar no Bolsa Família um benefício extra condicional em desempenho escolar das crianças da família. A senadora Ideli Salvatti, líder do PT, votou contra, argumentando: "Não consigo entender o motivo esdrúxulo e cruel (da proposta). Isso vai provocar uma pressão sobre a criança, que passa a ser responsável pela renda maior da família". O presidente Lula disse: "Eu não vi a decisão deles ainda, mas só espero que eles tenham colocado de onde vai tirar o dinheiro. Todo gasto proposto tem de ter uma fonte de receita" (link para as notícias no Jornal O Globo aqui e aqui).

O que eu acho engraçado é que o governo tem medo de não ter dinheiro para criar benefícios indexados a educação, mas tem dinheiro para querer ampliar em 500 mil o número de beneficiários do Bolsa Família nesse ano; e para aumentar os benefícios pagos em 10%, aumentar o número de beneficiários do Bolsa Família e chegar ao recorde histórico de gastos de 12,4 bilhões de reais com o programa em 2009 (lembrando que 2009 foi ano de queda de arrecadação).

Passando ao comentário da senadora Ideli Salvatti: parabéns, senadora, pela criatividade do discurso. É uma grande infelicidade, porém, que essa criatividade só é permitida a quem não nunca viu as evidências dos benefícios de bolsas por mérito escolar. Bolsas escolares por mérito aumentam as notas do alunos no curto e no longo prazo, tem efeitos positivos sobre o desempenho dos alunos que recebem a bolsa e sobre o desempenho dos alunos que não recebem a bolsa (aqueles que estão próximos a recipientes de bolsa). Isso é verdade no Quênia [1], na Colômbia ([2], [3]) ou nos EUA ([4]); no ensino médio, na faculdade ou na 6a. série. Ainda mais, não existem muitas evidências de que a concessão de bolsas faça o aluno perder o gosto pelo estudo ([5]); poucas evidências de que as bolsas só afetam os bons alunos (que estão naturalmente mais propensos a ganhá-las; por exemplo, ver [1]). Por fim, pelo menos no Quênia, prover bolsas por mérito é a melhor forma de fazer as notas dos alunos crescerem (comparando-se o custo-benefício de bolsas por mérito com o de 5 outros programas, [1]). Realmente senadora, é uma coisa tão maligna dar incentivos para as crianças estudarem e terem um futuro melhor, que é difícil imaginar que mente perversa faria isso com a criança...torço pelo bem dos filhos da senadora...

A gente já sabia, desde o governo FHC, que a forma do PT agir é votar contra qualquer projeto de um partido contrário ao PT. O que a gente não sabia é que alguns deles chegariam a votar contra a melhora do "próprio" projeto (o Bolsa Família) para barrar os partidos opostos a eles.

Referências:
[1] Edward Miguel, Michael Kremer and Rebecca Thornton (2009), "Incentives to Learn", Rev. Econ. & Stats, 91(3).
[2] Joshua Angrist, Eric Bettinger, Michael Kremer (2006), "Long-Term Educational Consequences of Secondary School Vouchers: Evidence from Administrative Records from Colombia", AER 96(3)
[3] Joshua Angrist, Eric Bettinger, Erik Bloom, Elizabeth King and Michael Kremer (2002), "Vouchers for Private Schooling in Colombia: Evidence from a Randomized Natural Experiment", AER 92(5)
[4] Susan M. Dynarski, "The New Merit Aid". in Caroline Hoxby, ed., College Choices: The Economics of Where to Go, When to Go, and How To Pay for It. 2004.
[5] Judy Cameron (2001), "Negative Effects of Reward on Intrinsic Motivation—A Limited Phenomenon: Comment on Deci, Koestner, and Ryan (2001)", Review of Educational Research 71(1)

7 comentários:

  1. O óbvio dessa proposta é que seu efeito seria nulo. Vamos fazer um exercício imaginário.

    O professor tem que reprovar um aluno pobre que recebe o Bolsa-Família. O professor sabe que a família do aluno conta com os recursos do benefício. Sabe que a nutrição do aluno, sua capacidade de comprar material escolar e sua capacidade de frequentar a escola dependem daquele benefício.

    Pode ser o professor mais comprometido do mundo. Mas sua resposta à política proposta pelo PSDB será inflacionar as notas de forma a não reprovar e nem retirar o benefício do aluno. Ele sabe que é melhor uma educação ruim do que nenhuma educação.

    Os artigos que você cita são irrelevantes para a discussão. Eles tratam de incentivos para os melhores. E não de desincentivos para os piores. a resposta comportamental (especialmente dos professores) é certamente diferente nos dois caso.

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  2. Anônimo, tudo bem?

    Você está certo: existe um desafio de fazer o professor não dar notas infladas para que o aluno continue recebendo o benefício. Mas existem formas de superar esse problema: por exemplo, na execução do projeto, pode-se demandar bom desempenho do aluno em um teste padronizado corrigido por professores que não conhecem o aluno. Não estou dizendo que isso será implementado, mas é uma forma de fazer a proposta do PSDB funcionar.

    Com relação a segunda parte, eu discordo de você: como eu citei no texto, as evidências não indicam muito que bolsas escolares sejam incentivos só para os melhores. Pelo contrário, elas indicam que as bolsas tem impacto sobre a turma toda.

    Citando mais explicitamente uma das evidências: o artigo [1] apresenta um programa que deu bolsas em algumas escolas (selecionadas aleatoriamente) para meninas somente. Os meninos das escolas que receberam bolsas melhoraram após a bolsa (melhoraram no tempo e comparados aos meninos das escolas que não receberam bolsas...é um diff-in-diff...)

    Mais ainda, as evidências indicam que as bolsas tem impacto sobre presença dos professores em aula para dar mais chances aos alunos, o que, independente do professor inflar ou não a nota, já é uma coisa boa. Em outras palavras, pode ser que o professor infle as notas, mas que ele passe a comparecer mais nas aulas de forma complementar, para ajudar o aluno...

    Abs

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  3. Ah...uma coisa que eu esqueci: tuas críticas valendo ou não, nada muda nas críticas a atuação do PT nesse caso. No pior dos casos, em que o programa do PSDB não tenha impacto nenhum, ele vira somente um aumento na transferência de renda (como vários outros que o PT e o Lula propuseram nesse ano e nos anos anteriores), e não é a crueldade que a senadora disse que era, e por fim, a incoerência que eu apontei no final é ainda mais patente...o meu argumento é que, se der errado, é igual a proposta do PT e se não der errado, é melhor que as propostas passadas do PT.

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  4. E por que não, anônimo, imaginar a hipótese do professor convocar os pais do hipotético aluno para uma reunião escolar de advertência sobre o sério risco de perda do auxílio pago pelo governo devido à vagabundagem do rapazinho?. Nesta hipótese, os pais alertados pela escola se encarregariam de chamar na chincha o jovenzinho e tenho certeza que o comportamento do aluno mudaria. Os pais foram, são e serão os melhores educadores dos filhos, ao contrario do propaga o pedagogismo submarxista de quinta categoria que hoje infelizmente domina os aparelhos do Estado.

    Agora, se o aluno apresenta distúrbios de fundo neurológico que interferem no processo de normal de aprendizado escolar, cabe ao Estado dar provimento a essa necessidade especial. Isso é básico.

    Pode parecer um tanto sueca a minha hipótese, mas não é não. Isso já ocorre em alguns estados da federação.

    Enfim, o Estado pode e deve atacar ao mesmo tempo as duas pontas: estimular a família com ajuda financeira do tipo bolsa e ao mesmo tempo suprir os professores com bons salários e infra-estrutura adequada nas escolas. Por último, mas não menos importante, cobrar de alunos e professores, no sentido anglo-saxão da accountability, os resultados dos investimentos do Estado, punindo exemplarmente os relapsos, alunos e professores.

    Comprometer os pais com o ensino e a educação dos filhos é fundamental. Sobretudo, nunca livrar os pais, pobres ou ricos, da obrigação de incutir nos filhos o sentido da responsabilidade e do respeito pelos estudos.

    O comentário do anônimo é revelador de um certo pensamento herdeiro da casa grande, que cultiva a filantropia do coitadismo e acha que pobre não é capaz de proceder conforme escolhas racionais. Aliás, esse pensamento é marca registrada dos “socialistas democráticos” autoproclamados a "voz dos que não tem voz".

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  5. Paulo, tudo bem?

    Concordo com o teu ponto: o Estado deve prover incentivos financeiros para os alunos estudarem e para as famílias dos alunos fornecerem a infraestrutura necessária para os alunos poderem ir as aulas; e ao mesmo tempo dar bons salários para os professores (e até, se possível, dar bônus para professores cujas turmas tiverem bom desempenho...como se propôs em São Paulo).

    Agora, eu tendo a ser cético com relação a depender de participação dos pais na escola. Vou citar duas evidências, uma da Índia e outra do Quênia. A da Índia foi de que introduzir conselhos de pais nas escolas teve como resultado baixíssima participação dos pais e fiscalização quase zero. A do Quênia foi de que cobrar dos pais por remédios contra vermes intestinais (comparado a dar o remédio de graça...e estamos falando de vermes que podem matar/trazer danos cerebrais e por aí vai...e remédios efetivos que custavam 25 centavos de dólar) reduziu em coisa de 70% o uso do remédio. O problema, nos dois casos, foi de que os pais de uma criança podiam passar o custo de comprar o remédio/de participar do conselho de pais para os pais de outras crianças...tendo efeitos razoavelmente parecidos sobre o seu filho (é um problema de ação coletiva...só pra explicar...no caso do remédio...ter crianças em volta sem vermes diminui as chances da sua criança ter vermes por queda na transmissão via fezes, urina, etc).

    Mas pode ser que no caso que você citou, funcione: você considerou o professor chamando o pai para reuniões individuais...e não para reuniões de grupos....Mas fica um ponto adicional: não necessariamente é bom depender da capacidade de ação coletiva dos pais na escola....

    Abs

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  6. Sim. A conversa não seria em um conselho. Isso não é assunto para conselhos de escola. Reuniões periódicas com os país são importantes, mas quem dirige a escola e o ensino é o corpo docente. Não tem cabimento pai de aluno só por ser pai de aluno decidir sobre o que a escola deve ensinar e como deve educar.

    A questão da bolsa escola é assunto particular, sempre. Só diz respeito à família afetada. Se a família for avisada e não fizer nada, sou favorável a cortar o benefício. Até por uma questão de respeito às outras famílias. Mas esse assunto não deve ser tratado coletivamente nunca.

    Mas tudo é suposição. A suposição do anônimo é baseada em descarado preconceito. Aplique-se o programa e só então teríamos uma efetividade para analisar. Essa conversa do tipo "não vai dar certo porque..." ou "vai dar certo porque..." é sempre chute. Tem que aplicar o programa, recolher os dados na empiria e então confrontá-los com o planejado, considerando sempre a relação custo/benefício do investimento. Eu acho a ideia de bolsa escola boa.

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  7. Paulo, concordo em quase tudo. Só acho que a suposição do anônimo é uma suposição que, a priori, é possível, e levá-la em consideração no momento do desenho do programa (do adicional no Bolsa Familia) pode tornar a adição do PSDB melhor...

    Agora, independente da suposição do anônimo ocorrer ou não...existem formas bem sofisticadas de fiscalizar o professor: o Levitt tem um artigo sobre como ver se o professor está trapaceando...agora...nem sempre é possível fazer o que o Levitt fez...

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