sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Comentário sobre entrevista do Gustavo Franco no Estadão

O Gustavo Franco, ex-presidente do BC, deu essa entrevista ao Estadão recentemente (dica do Cristiano M. Costa). Nessa entrevista, o Gustavo Franco comenta as recentes afirmações do José Serra e do Sérgio Guerra (presidente do PSDB), que prometiam uma mudança em alguns pilares macroeconômicos brasileiro atuais (mais especificamente, o câmbio apreciado, os juros altos, metas de inflação e as contas públicas). O ex-presidente do BC defende: se os tucanos disseram isso, não o fizeram como uma ameaça de passar a reger a política macroeconomica brasileira com princípios heterodoxos. Na verdade, o que os PSDBistas disseram pode ser feito de forma ortodoxa, afirma Gustavo Franco: uma vez "consertadas" as contas públicas, se torna possível reduzir os juros. Ainda, o ex-presidente do BC diz que, apesar das críticas ao câmbio apreciado, não deve ocorrer nenhuma reversão da tendência de apreciação do real, supondo que a economia Brasileira continue se fortalecendo. Por fim, Gustavo Franco conclui: o PT tem muito mais economistas heterodoxos que o PSDB, e ainda assim, eles não tomaram conta da política econômica do PT. Por que tomariam conta da do PSDB?

Sobre qualquer tema ligado a macroeconomia e política, o Gustavo Franco com certeza tem mais autoridade que eu. O Gustavo Franco é PhD por Harvard, especialista em hiperinflação e história econômica, ex-presidente do BC exatamente no período em que o Brasil acabou com a hiperinflação e, até onde eu sei, membro do PSDB e do governo FHC. É difícil arranjar alguém que conheça melhor como se dão os arranjos políticos de um governo PSDBista e com tal experiência em política macroeconômica. Mas como o meu lado cético fala mais alto que o meu lado reconhecedor da autoridade (e isso é bem geral da minha personalidade), eu continuo com o pé atrás. Seguem os meus motivos...

Em primeiro lugar, do ponto de vista técnico macroeconômico, o ex-presidente do BC não poderia estar mais certo: consertando as contas públicas (basicamente, reduzindo os impostos distorcivos, e reduzindo os gastos para manter o equilíbrio orçamentário), se abre espaço para redução dos juros. Porém, do ponto de vista político, não sei se é factível fazer isso: o governo Lula passou alguns anos tentando fazer uma reforma tributária, sem o menor sucesso. Ainda mais, melhorar a estrutura tributária brasileira implica em retirar receitas dos estados ou transferir vários dos gastos do governo federal para os estados. Isso é absolutamente inviável politicamente: nenhum senador concordará com isso, nenhum governador ficará feliz em pensar nisso. Ainda mais, as grandes desigualdades de renda no Brasil implicam em demandas por governos grandes: tanto para aumentar transferências para grupos de interesses especiais, quanto para aumentar gastos com redistribuição para pobres. Sendo assim, não sei se esse ajuste fiscal prometido tanto pelos políticos quanto pelo ex-presidente do BC são politicamente factíveis.

Em segundo lugar, vai um comentário sobre o "vocabulário" do José Serra e do Sérgio Guerra: o primeiro, ao falar dessas mudanças de política, citou elas como políticas de desenvolvimento. Eu não conheço um economista de desenvolvimento que fale dos juros como uma explicação capaz de dar conta de toda a diferença de renda que existe entre os países. Segundo, a teoria macroeconômica ortodoxa é de que juros e câmbio são políticas de curto-prazo, não políticas de desenvolvimento de longo prazo. Esse vocabulário, para mim, é sinalização de promessas heterodoxas.

O mesmo ocorre com o Sérgio Guerra. Ele não prometeu somente fazer cair os juros e melhorar as contas públicas. Ele prometeu o fim do regime de metas de inflação. A aclamação internacional do regime de metas para inflação não é o foco somente em uma meta para inflação (dizer que o regime é isso é errado). O motivo dos aplausos a esse regime é o fato de que ele é capaz de transformar as expectativas dos agentes econômicos em um instrumento de política. Prometer o fim dele é limitar a capacidade de fazer política monetária e macroeconômica, e com isso, limitar o que podemos fazer com os juros (que passam a ter que servir ainda mais fortemente do que hoje como instrumento de coordenação de expectativas). Portanto, prometer o fim das metas de inflação, principalmente em um cenário de recuperação da crise econômica de 2008-2009, é bastante incoerente com uma queda dos juros básicos via políticas ortodoxas.

A promessa de "desvalorização do câmbio" (para usar as palavras dos tucanos) é coerente somente com um cenário de queda de juros e adoção de um câmbio "controlado" ou, alternativamente, com políticas de juros heterodoxas. Em outras palavras, a promessa de desvalorização do câmbio, para mim, é mais uma evidência de promessas de heterodoxia.

Por fim, o sucesso da política monetária no governo Lula me leva a acreditar que, do ponto de vista eleitoreiro, essas promessas do Serra e do Guerra sejam estúpidas: o povão me parece convencido de que políticas ortodoxas e o sistema de metas para inflação sejam um bom sistema de uso da política monetária. Prometendo mudar essa política do governo Lula (uma das que considero muito bem sucedidas no governo atual), eu acho que os PSDBistas estão perdendo votos. Sendo assim, fazer essa promessa, para mim, é sinal de uma das duas coisas a seguir: (i) ou os caras realmente acreditam nas promessas que estão fazendo, ou (ii) os caras tão correndo atrás de apoio (por exemplo, para contribuições de campanha) de setores industriais e outros que defendem a queda dos juros. No primero caso, dado que políticos não cumprem promessas de campanha, teríamos evidência de rumos heterodoxos num governo Serra; no segundo caso, a necessidade de agradar os setores industriais uma vez que o Serra estivesse eleito (de forma a cumprir algum acordo político implícito) poderia levar o governo aos rumos heterodoxos.

Mas de qualquer forma, eu posso estar completamente errado. Pode ser que a reestruturação fiscal (com redução da carga tributária e do tamanho do Estado) que eu disse ser inviável talvez não o seja. Mais ainda, pode ser que a atuação política de associações de bancos no BC seja forte o suficiente independente do governo, o que poderia limitar o espaço para cagadas como as acima descritas (acho que um cientísta político brasileiro, Yuri Kasahara, vinha trabalhando para conhecer melhor a atuação de associações de bancos no executivo brasileiro, se achar um link, posto). Por fim, pode ser que o Gustavo Franco tenha informação forte (e não esteja simplesmente defendendo o seu partido).

Agora, por que o PSDB, com menos heterodoxos que o PT, poderia ser influenciado por essas correntes de pensamento econômico, se o PT não o foi? O motivo é simples: o candidato a presidente do PSDB é um heterodoxo. O candidato do PT não tem vínculo nenhum com pensamento econômico. Em outras palavras: na minha humilde opinião, a estória do Gustavo Franco (de ajuste das contas públicas para facilitar uma queda nos juros) é inviável politicamente, e os comentários do Sérgio Guerra e do José Serra só são coerentes se a proposta é de políticas econômicas heterodoxas. Se a promessa é ortodoxa, eu acho que ou o PSDB planeja ganhar o senado todo (para tornar a reforma fiscal viável), ou precisamos considerar o José Serra e o Sérgio Guerra duas antas (tanto economicamente quanto politicamente). Ou ainda, vir me dizer que eu não entendo nada de política...

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