segunda-feira, 16 de março de 2009

Diversidade religiosa e desenvolvimento

A pergunta tradicional de quem quer entender desenvolvimento econômico é: "por que os noroeste europeu e os Estados Unidos se desenvolveram, enquanto que outros países não se desenvolveram?". Muito já foi escrito sobre isso. Uma pergunta bem menos comum, mas provavelmente tão informativa quanto a anterior, é: "por que os impérios árabes eram muito desenvolvidos comparativamente à Europa na Idade Média, e por que isso se reverteu?"

A resposta mais conhecida às mudanças de ventos no desenvolvimento dos países foi dada por Acemoglu, Johnson e Robinson: durante o período colonial, as colônias de extração eram mais bem sucedidas que as colônias de povoamento. Porém, após a independência, as melhores instituições econômicas destas colônias as levaram ao desenvolvimento, enquanto que as instituições extrativas daquelas colônias as levaram ao subdesenvolvimento.

Essa tese, porém, parece ser pouco aplicável ao caso do desenvolvimento árabe. Afinal, os impérios árabes se desenvolveram a medida que foram conquistando novas regiões, o que os coloca em posição diferente das colônias descritas acima. Ao mesmo tempo, é necessário algum esforço para dizer que o desenvolvimento árabe foi gerado pelas conquistas. Não foram poucos os países que conquistaram muitas terras, e permaneceram subdesenvolvidos (ex.: ao contrário da cultura popular, se relata que Espanha e Portugal entre 1500 e 1700 tiveram problemas com inflação e endividamento, não tendo se desenvolvido como a Holanda, por exemplo, que teve poucas colônias nesse período).

Eric Chaney, economista de Harvard, tem uma tese alternativa interessante. As conquistas árabes da Idade Média, ao criar diversidade religiosa nos impérios árabes, incentivou a elite religiosa a patrocinar o estudo de lógica e ciências. Apesar de o estudo de lógica ter sido visto por essas elites como ameaça a religiosidade dos islâmicos da época, a lógica inicialmente foi instrumento útil para o proselitismo islâmico. Proibidos religiosamente e oficialmente de usar coerção na conversão, o aprendizado de lógica helênica em conjunto com impostos oficiais pagos por não islâmicos foram os únicos instrumentos de conversão possíveis.

Essa tese tem uma afirmação clara. Quanto mais homogeneamente islâmicos fossem os impérios árabes, menor o incentivo ao proselitismo e ao estudo da lógica. Chaney consegue, em seu trabalho, uma medida (imperfeita) de produção intelectual árabe, dividida em produção filosófica-lógica (vista como ameaças à religião) versus produção médica (que não era vista como ameaça às elites religiosas). Ao mesmo tempo, registros históricos dão conta de quando cada império árabe se tornou homogeneamente islâmico. O que se observa nos dados é uma queda da produção filosófica-lógica nos impérios que passam a ser homogeneamente islâmicos (não acompanhada da queda da produção médica). Dado que os estudos de lógica da época estão relacionados à desenvolvimento dos algarismos, de algebra e matemática atualmente ensinada nas escolas, é bem possível que tais estudos estejam relacionados ao desenvolvimento econômico dos árabes da época.

A tese, resumidamente, é: a tolerância religiosa da época (via proibição de conversão forçada), em conjunto com a diversidade religiosa, produziram avanço tecnológico e desenvolvimento econômico. Essa é uma tese bastante surpreendente, principalmente tendo em vista estudos que mostram fragmentação étnica como uma explicação para baixa provisão de bens públicos e subdesenvolvimento. Como a divisão da sociedade em grupos religiosos - divisão essa que provavelmente gera dificuldades de comunicação e transação entre membros da sociedade - pode gerar incentivos ao desenvolvimento, como no caso dos árabes da Idade Média? A resposta à essa pergunta, provavelmente, nos fará aprender muito do caso "rise and fall" dos árabes na Idade Média.

Referências:
Acemoglu, Johnson e Robinson, "Institutions as the Fundamental Cause of Long-Run Growth"

Eric Chaney, "Tolerance, Religious Competition, and the Rise and Fall of Muslim Science", Working Paper

2 comentários:

  1. Vc pode adicionar a esse caso a variedadade de religiões na Europa desenvolvida e na America do norte. Eu nao acredito muito nessa história, pois se procurarmos encontraremos muitos exemplos contrários. Como mesmo vc insinua no final. Eu vou mais para o lado de que em uma área homogenea em termos de religiao pode-se ter tb uma instituicao, hierarquia ou estado que centraliza o poder religioso e tb político. Acho que é mais o problema da relaçao de estado e igreja. Tb vejo algumas falhas nisso, mas acho mais interessante.

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  2. Verdade, não tinha pensado nisso. Em geral, quando se fala de diversidade religiosa e bens públicos/instituições, se fala que maior diversidade religiosa reduz a cooperação/contribuição para bens públicos e coisas desse tipo. Adicionar esse teu lado cria um trade-off legal pra se pensar só em termos de política e diversidade.

    Por outro lado, acho que existe um fator meio negligenciado na literatura que é um fator que tem pouco a ver com o Estado. Será que diversidade (em qualquer sentido, etnica, religiosa...) favorece o desenvolvimento em "estágios primários"? Qual serão os trade-offs gerados por etnicidade dado o tipo de Estado e nível de cooperação?

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