sábado, 7 de março de 2009

Bailout americano - teorias e fatos estilizados

Em geral, quando vivemos crises como a atual, a teoria macroeconômica desenvolvida por Keynes sugere que uma boa forma de sair da crise é criar pacotes de estímulo fiscal. Keynes explica: quando a renda das pessoas cresce, uma parte desse aumento de renda vira consumo. Sendo assim, o maior gasto do governo (do pacote de estímulo fiscal), ao aumentar a renda de algumas pessoas, estimula o consumo delas, que por sua vez, aumenta a renda de outras pessoas. Ou seja, o bailout americano iniciaria, nas atuais circunstâncias (de demanda baixa), um ciclo virtuoso que levaria a um aumento de renda maior do que o correspondente ao aumento dos gastos do governo.

Porém, não existe consenso nesse campo. Alguns economistas argumentam que aumentos de gastos do governo são acompanhados por expectativas de impostos mais altos no futuro (para compensar o endividamento do governo). Por esse motivo, os gastos do governo deixariam de incentivar maior consumo. Dessa forma, sendo os gastos do governo também associados a ineficiências no nível micro-econômico e menor taxa de investimento privado, pacotes de estimulo fiscal acabam perdendo razão.

É difícil, porém, obter nos dados uma resposta definitiva para qual teoria está certa. Não existe evidência estrita nenhuma para a teoria do parágrafo anterior, porém, as evidências não confirmam exatamente a tese de Keynes. O motivo para isso me parece ser, em parte, o fato de que ambas as teorias foram descritas de forma muito rígida.

Vamos agora supor que existem dois países enfrentando a crise atual, um com governo endividado e outro sem dívida pública. Ambos os governos começam a gastar para que seus respectivos países saiam da crise. Porém, é razoável crer que no país sem dívida, o governo consiga gastar sem ter que subir impostos no futuro. Por outro lado, no país endividado, é mais provável que o governo tenha que subir impostos em breve para reajustar seu orçamento. Sendo assim, o aumento de gastos governamentais teria mais efeito sobre PIB no país sem dívida que no país com dívida.

O gráfico acima mostra países da OECD entre 1999 e 2004. Os pontos em azul indicam países-ano em que o índice de dívida pública sobre PIB estava abaixo de 60%, enquanto que os pontos em vermelhor indicam países-ano em que o índice de dívida pública sobre PIB estava acima de 60%. O eixo horizontal indica variação de gastos do governo, enquanto que o eixo vertical indica crescimento do PIB. O que o gráfico mostra: em países mais endividados, a correlação entre crescimento de gastos públicos e crescimento do PIB é menor.

Essa evidência talvez seja um pouco mais forte do que ela parece a primeira vista: (1) estamos controlando para características não observadas dos países (ao ver o impacto do crescimento de gastos sobre crescimento do PIB); (2) estamos, ao considerar somente a OECD, reduzindo potenciais problemas relacionados a calote de dívida (o que furaria a idéia teórica descrita antes). Porém, com certeza, essa evidência não é causal: (1) É bem provável que o impacto dos gastos de governo sobre PIB varie entre países; (2) pode ser que os gastos do governo estejam sendo gerados por crescimento do PIB, ao invés do contrário; (3) pode ser que ao selecionar Dívida/PIB como indicador, capturemos os países que crescem menos como aqueles muito endividados. Para completar o trabalho, falta: (a) achar uma variável instrumental para gastos do governo, (b) procurar outros determinantes de expectativas (eu pensei em filiação política do governo), (c) expandir a base de dados para englobar mais anos e mais países (controlando para risco de calote e prazo médio de vencimento da dívida) e (d) obviamente, tornar a análise estatística mais precisa.

Talvez eu esteja falando isso por não ser macroeconomista, mas isso me deixa mais cético com relação ao bailout americano contra a crise (vamos relembrar: os EUA estão bastante endividados).

7 comentários:

  1. Michel,

    ao meu ver precisamos separar duas medidas. Há ajuda aos bancos que visa evitar uma crise sistêmica e o pacote de estímulo à economia. É desse que estamos falando.

    1) dívida sobre o PIB não apenas não é uma boa forma de se medir a sustentabilidade da dívida. Para ver se a condição de transversalidade é satisfeita, precisamos olhar também para balança comercial.

    2) eu acho a correlação que você encontrou interessante, mas assim de cabeça já me vieram algumas dúvidas. Mesmo dentro da OCDE existem países bem distintos. Sua correlação pode estar refletindo que países com menor dívida/PIB são mais eficientes, inclusive para gastar.

    3)Em termos de dívida PIB os EUA não são tão endividados. Além disso, essa métrica não é muito boa para eles, afinal eles emitem a moeda com a qual se pagam as dívidas, o chamado privilégio exorbitante. Quanto ao ajuste dos EUA, é bem mais provável que os EUA paguem essa dívida com uma desvalorização de sua moeda do que com um aumento dos imposto, o que aliás já vinha acontecendo antes da crise.

    De qualquer forma acho a correlação interessante e vale a pena ser estudada.

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  2. Bastante interessante... não concordo que os gastos do governo sejam endógenos... me parece pouco razoável supor que os gastos sejam gerados pelo crescimento; e o argumento levantado pelo Caruso de eficiência no gasto me parece um tanto ad hoc. Concordo, por outro lado, que você deveria olhar para ouras medidas, como Dívida sobre exportação.

    De qualquer forma, o experimento ideal para a sua hipótese consiste em olhar as decisões de poupança dos indivíduos após um anúncio fiscal, e comparar essas respostas para governos com diferentes níveis de endividamento. Não me surpreenderia se esses microdados forem acessíveis para os países da OCDE.

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  3. Só pra ilustrar um pouco o problema do tamanha da dívida atual. Países diferentes têm níveis de tolerância da dívida diferentes. acho que o dos eua é grande, mas não há como negar que já está bastante alta: http://www.economist.com/daily/chartgallery/displayStory.cfm?story_id=13253151&source=features_box_main

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  4. Caruso:

    (1) Concordo plenamente, é necessário olhar para balança comercial/fluxo de capitais, a medida de dívida/PIB tem muitas falhas

    (2) Com relação a países serem mais eficientes, por estarmos considerando a correlação de variação de gastos com variação de PIB, estaríamos tirando esses efeitos fixos da correlação. Mas concordo que o uso de dívida/PIB pode ter selecionado os países que crescem mais (e que tornam, consequentemente, sua dívida/PIB menor).

    (3) A estimativa que vi da Dívida/PIB americana era de ~61% do PIB (est. 2007), nesse sentido é alta. Além disso, os fluxos de capital por aversão a risco estão controlando a chance de desvalorização da moeda (não sei como está a cotação dolar/euro, apesar disso), o que podem reduzir a capacidade de ajuste via câmbio nos EUA. Apesar disso, como a correlação é em um painel de países, é importante ver a balança comercial e fluxos de capitais.

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  5. Lichand,

    Acho que os gastos podem ser endógenos na medida em que há demanda (política por exemplo) por políticas anti-cíclicas, ou pró-cíclicas (normalmente justificadas porque em períodos de alta, os burocratas tem mais recursos pra gastar, e com esses gastos, conseguir rents). Concordo que qualquer estudo mais sério desse tema deveria incluir outras medidas de endividamento, outros fatores que esperamos ser correlacionados com expectativas de altas de impostos, e outros controles.

    Com relação ao teu experimento ideal, saiu há pouco tempo um working paper do NBER que usa dados de uma pesquisa de consumo para avaliar o impacto do tax rebate concedido pelo Bush em 2008 sobre consumo/poupança (a conclusão é que o tax rebate teve impacto principalmente sobre poupança e pagamento de dívidas, com muito menos impacto sobre consumo). O que pode ser o principal problema é que estamos interessados em poupança macro, e eu não sei até que ponto a poupança no nível do consumidor está correlacionada com poupança macro (eu sei que poupança micro com dados no nível bancário são pouco correlacionadas no Brasil com poupança macro). Mas acho que ainda assim seria interessante fazer/ver um estudo como você descreveu.

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  6. ah, você descreveu um problema de equações simultâneas... você está interessado em apenas uma equação - como o produto responde a gasto. Você precisa, portanto, de uma variável exógena na equação que determina como gasto é afetado por produto. Se é verdade que países da OCDE tem diferentes metas de superávit fiscal, e se é verdade que essas metas são perseguidas em alguma medida mesmo em momentos que requerem aumento do gasto, então essas metas oficiais podem fornecer identificação. Sendo menos criativo, uma variável que é comumente utilizada na determinação do gasto é proporção da população acima de 60 e abaixo de 15 anos. É bastante direto endereçar esse problema.

    Acho que você está interessado na poupança micro para contar a história de equivalência ricardiana, não? Afinal, o framework é de indivíduos resolvendo uma maximização intertemporal.

    Abs

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  7. É verdade, o framework é de maximização intertemporal com base no indivíduo...você está certo.

    Agora, também depende do que na história de equivalência ricardiana se quer testar, eu acho...se é a validade do mecanismo (caso no qual estamos falando do experimento micro), ou se é a "estática comparativa" de que aumentos de gastos do governo não têm impacto sobre atividade econômica. Se sabe que, em uma economia dada, em média, aumentos de gastos do governo ajudam a aumentar demanda agregada. Porém, é provavel que esse mecanismo seja mais forte em alguns lugares que em outros. Acho que a história de equivalência pode dar alguma pista (além da que é dada pelos modelos keynesianos) sobre onde esse mecanismo pode ser forte.

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